“…. Pode não ser intencional, mas resulta seguramente num método muito eficaz para reduzir drasticamente ou mesmo extinguir uma virtual (ou real) ameaça da concorrência.”
Tenho
seguido em conversa rigorosamente de café, no caso no “Nhô Eugénio” que
frequento regularmente, – felizmente que há muito que deixei de ler artigos
sobre o assunto – uma polémica à volta de uma eventual “proibição” de falar
outra língua que não o português, na circunstância o crioulo, entre os alunos
da Escola Portuguesa de Cabo Verde,
pelo menos no espaço restrito da Escola. Não descortinei qualquer problema no
assunto e fiquei deveras surpreendido com a dimensão da polémica. Daí, ou
melhor, daqui a minha surpresa; e esta apoia-se nos pressupostos seguintes:
1. Será que
a medida tomada vai ao arrepio dos objectivos pedagógicos da Escola e,
consequentemente, prejudicial aos alunos? Esta seria a minha preocupação
primeira: Se os alunos são, de algum modo, prejudicados com a medida. Nessas
discussões, alguém com conhecimentos nesta matéria, lembrou que o método que
possivelmente usa a Escola Portuguesa no ensino do português, é o método
vulgarmente chamado de “banho imersivo” dos alunos na aprendizagem de uma
língua viva, segunda ou estrangeira, isto é, elimina-se à volta dela qualquer
interferência de outra língua, ainda que seja a Língua nacional, para que o
aprendente possa interiorizar e
automatizar no fim da aprendizagem a língua ensinada, no caso em
foco, a Língua portuguesa.
2. Ter em
conta que a Escola Portuguesa é, para Cabo Verde, um estabelecimento de ensino
privado, com o seu programa e com objectivos bem definidos entre os quais, –
não sei se expressos nos Estatutos, – o fomento e a promoção da Língua
portuguesa. Deste modo só a frequenta quem quer, e aquele que o fizer terá de
se cingir aos seus objectivos e métodos desde que os mesmos não sejam
inconstitucionais ou contrários às leis do País.
3. Outrossim,
a recomendação – trata-se de uma recomendação pedagógica e não de uma
proibição, – há anos que vem sendo praticada pelos estudantes do “Les Alizés”
com o francês e, neste caso, mais me parece que tenha havido uma ufania, uma
vanglória, na apresentação deste procedimento da parte dos pais e encarregados
de educação dos estudantes que frequentam esse estabelecimento de ensino
francês do que uma condenação ou repúdio como agora acontece com o português.
4. Que
indivíduos da geração pós-independência – são eles os pais ou encarregados de
educação dos alunos – a geração mais escolarizada e qualificada que Cabo Verde
alguma vez já teve, sejam ainda, na era da globalização, reféns de um
nacionalismo serôdio e em muitos aspectos retrógrado, que eu pensava ter ficado
pela minha geração…
5. Pensar,
depois de quase 50 anos de independência que se trata, ou poderia tratar-se, de
uma retoma de práticas “coloniais” de um Portugal inquestionavelmente de
Liberdade e Democracia, só pode resultar de uma ignorância total do Portugal de
hoje, de um exercício de má-fé ou de falta de um mínimo de conhecimento do
ensino de língua (segunda ou estrangeira) não materna ou de algum problema mais
profundo muito mal resolvido.
6. Isto
quando muitos dos nossos mais acérrimos “nacionalistas” já têm duas ou três
nacionalidades – uma delas, seguramente, portuguesa – que tanto negaram aos
seus concidadãos que viviam na emigração.
7. Ter
sempre presente que se trata de uma Escola Portuguesa!!! Não uma Escola Pública
cabo-verdiana. Uma Escola orientada prioritariamente para os portugueses que
vivem na emigração e para a promoção da Língua portuguesa. A sua escolha, por
parte de cabo-verdianos não é obrigatória nem imperativa. Ou não seria assim,
se a Escola fosse na Arábia Saudita, no Quénia ou no Senegal?
Não
se compreende a polémica e a sanha que sucedem com o ensino da língua
portuguesa em Cabo Verde. Se calhar, é por este acantonamento, que no Brasil,
um país de língua portuguesa, se exige ao estudante cabo-verdiano a prova do
domínio da língua portuguesa e que em Portugal muitos conterrâneos são preteridos
na procura de empregos em relação a outros da CPLP. Conheço vários casos
confessos.
Mas,
o mais interessante de tudo isto é que os mais exacerbados polemistas são todos
indivíduos que bem dominam – e, muitos vivem, ou já viveram, quase que
exclusivamente desse domínio, – a língua portuguesa. Pode não ser intencional, mas resulta
seguramente num método muito eficaz para reduzir drasticamente ou mesmo
extinguir uma virtual (ou real) ameaça da concorrência.
O
Governo bate palmas. A polémica vem mesmo a calhar: Enquanto se dissipam
energias na discussão deste (não) assunto, esquecem-se os sérios e importantes
problemas que o país enfrenta com a má qualidade do nosso ensino e com a oferta
indigente da Escola pública nacional cuja contínua decadência constituiu uma
das principais razões da instalação da Escola Portuguesa decorridos mais de 40
anos da Independência Nacional.
E,
não há dúvidas que o êxito, o sucesso declarado e reconhecido da Escola
Portuguesa de Cabo Verde - Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPCV-CELP) vem
seguramente incomodando muita gente!...
É
claro que não defendo que aqueles que não consideram a recomendação (ou mesmo
“proibição” pedagógica) pertinente e benéfica que retirem os seus filhos ou
educandos dessa Escola, mas sim, que promovam uma reflexão pedagógica sobre o
assunto de onde resultem propostas alternativas, pelo menos, de igual eficácia.
Seria uma reforma e, presumivelmente, a Escola agradeceria!!! Armindo
Ferreira – Cabo Verde in “coral-vermelho.blogspot”
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