Analistas explicam que a visita do Chefe do Executivo de Macau a Portugal é importante para a China, nomeadamente na atração do investimento lusófono para a Grande Baía. Realça-se também a atitude de Portugal no desescalar das tensões entre a União Europeia e a China
A
primeira visita do Chefe do Executivo de Macau a Portugal terá lugar na
terceira semana de abril. De acordo com Fernanda Ilhéu, Presidente da
Associação Amigos da Nova Rota da Seda, esta primeira visita é vista com grande
expetativa por todos os que estão ligados à cooperação entre Portugal e China,
com especial foco na RAEM.
“Esta
visita do Chefe do Executivo de Macau é muito importante, porque é necessário
que em Portugal e Macau haja um diálogo construtivo sobre como podem reforçar a
cooperação em dois projetos estruturantes: a Área da Grande Baía e a Iniciativa
Uma Faixa, Uma Rota”, diz ao Plataforma. Cooperação essa que “é vista em várias
áreas; não só na saúde e educação, mas também na ciência, na economia e
finanças, na construção de infraestruturas de energias verdes, de comunicações,
de digitalização e de transportes, no desenvolvimento agroindustrial e reforço
de zonas económicas especiais de desenvolvimento e processamento industrial e logístico.”
Para
o presidente do Observatório da China de Portugal, Rui Lourido, a visita de Ho
Iat Seng será um “verdadeiro contributo” para a intensificação das relações de
Portugal com Macau e China.
“O
facto de ser a sua primeira visita ao estrangeiro pós-pandemia, e de na sua
agenda constar a ‘importância da língua e da cultura portuguesa como fator
diferenciador e como uma vantagem competitiva de Macau relativamente a outras
regiões da China’, assume uma importância especial para a comunidade de língua
portuguesa em Macau e para os portugueses que pretendem investir em Macau e na
China”, destaca.
Para
o investigador, a visita representa também um passo no aprofundamento das
relações entre a China e a Europa, considerando que Ho Iat Seng será recebido
pelas principais autoridades portuguesas: Presidente da República,
primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República e ministro dos
Negócios Estrangeiros.
Ao
contrário da sua passagem em terras lusas, na sua visita a Bruxelas, descrita
como “de cortesia”, o líder da RAEM não será recebido por nenhum alto
dignatário da União Europeia. “Para a diplomacia portuguesa é importante
demonstrar a sua capacidade de intermediar e contribuir para ultrapassar as
tensões entre alguns países europeus e a China, defendendo as suas relações
privilegiadas e seculares com Macau e a China”, nota Lourido.
Cooperação ininterrupta
Ilhéu
realça que apesar da pandemia, sempre existiu diálogo diplomático entre
Portugal e a China no campo económico, envolvendo questões como a “importação
de produtos de natureza agroindustrial provenientes de Portugal, como carne
bovina, uvas, pera-rocha, entre outros”.
“Vimos
em Lisboa a Secção Comercial da Embaixada da China a organizar, em parceria com
a Direção Geral de Atividades Económicas, cursos de formação para empresas
sobre os processamentos de importação na China ou com o AICEP sobre o
investimento na China”, nota a economista.
Ilhéu
destaca que considerando a tradição dos chefes do Executivo de realizar a sua
primeira visita a Portugal após a sua tomada de posse, em condições normais
essa visita teria ocorrido possivelmente em 2020.
No
entanto, realça que durante a pandemia as relações diplomáticas entre os dois
lados não estiveram “congeladas”, mas que pelo contrário foram “intensas” em
áreas como a cooperação bilateral na luta contra a pandemia.
“Lembro
também que em 2020 foi criado o Fundo de Apoio à Tradução e Publicação de
autores portugueses na China, visando traduzir para chinês 28 obras, das quais
algumas foram já editadas, e que em 2019 existiam na China 30 universidades que
ofereciam cursos em língua portuguesa, e agora são cerca de 56”, comenta.
“Nesta
área, o Ministério da Educação da China aprovou em maio de 2022 o projeto de
uma Faculdade da Universidade de Lisboa, mais concretamente do Instituto
Superior Técnico na Universidade de Xangai com a oferta conjunta de três
licenciaturas e três mestrados em Engenharia Eletrotécnica e Computadores,
Engenharia Civil e Engenharia de Ambiente”.
Para
Lourido, a visita poderá ser uma oportunidade para convidar os residentes de
Portugal e Países de Língua Portuguesa a investir na Grande Baía, em especial
no desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau,
em Hengqin. “A Grande Baía
transformou-se num espaço privilegiado de investimento em indústrias de valor
acrescentado e de alto desempenho tecnológico, financeiro e universitário já
implantado em Hengqin, criando condições objetivas que poderão permitir a Macau
escapar à dependência da indústria do jogo/turismo”, aponta.
“Neste
contexto, a visita do Chefe da RAEM poderá criar melhores condições para atrair
e interligar o extenso mercado interior do Sul da China com os mercados
internacionais e, em especial, o dos Países de Língua Portuguesa, todos eles
representados no Fórum Macau.”
Ilhéu
considera que a visita deveria ser usada para debater como reforçar a
plataforma de cooperação trilateral no campo económico e comercial entre a
China, Portugal e outros Países de Língua Portuguesa.
“O
Fórum Macau deveria ter uma aproximação mais pragmática às empresas desses
países, com abordagens setoriais e integradas por uma visão de desenvolvimento
conjunto. As missões feitas antes da Covid-19 revelaram pelos seus programas,
uma visão mais orientada para relacionamentos entre representantes dos governos
do que entre empresários”, salienta.
Lourido
lembra que os governos da China e dos Países de Língua Portuguesa reafirmaram
no Fórum de Macau, em 2022, a necessidade de aprofundarem as relações recíprocas,
com alguns membros a afirmar ser necessário alargar os investimentos do Fundo
de Cooperação e Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa,
criado em 2013 com um capital total de mil milhões de dólares americanos. “O
fundo deveria abranger muitos mais projetos e ser mais acessível, mesmo aos
países com maiores fragilidades, ampliando o seu investimento a mais atividades
culturais de promoção da cultura de Macau e chinesa fora da China.”
Tranquilizar a comunidade
Na
opinião de Ilhéu, outro aspeto importante a ser debatido é o problema de
confiança no futuro de Macau e da forma de integração da população portuguesa
que lá nasceu ou lá decidiu viver.
“Com
a Covid e as restrições impostas à circulação de pessoas, muitos portugueses
vieram para Portugal e alguns decidiram não voltar, é importante para Macau e
para as relações entre Portugal e a China que o tecido social português em
Macau seja reforçado.” Segunda a responsável, tal passaria por atrair quadros
portugueses para trabalhar em Macau nas áreas da saúde, do ensino básico e
superior, nas áreas técnicas, científicas, culturais, empresariais,
financeiras, etc.
Lourido
indica que o respeito do Governo Central da China pelo processo de transição de
‘Um País, Dois Sistemas’ tem sido “fundamental para a autonomia política e
jurídica de Macau”, bem como para a diversidade multicultural, multiétnica e
linguística da sua população, com o reconhecimento do português como língua
oficial, algo que espera que se mantenha.
“Macau
tem promovido, de forma determinada, o ensino da língua portuguesa na RAEM e a
China tem-se destacado como o país onde mais rapidamente cresceu o número de
escolas com o ensino da língua portuguesa”, destaca.
O
investigador destacou também o apoio da RAEM à organização de encontros
artísticos – como o festival anual dos países de Língua Portuguesa – literários
e científicos, e o apoio financeiro à edição em língua portuguesa de vários
jornais de Macau, bem como à iniciativa do Observatório da China de estabelecer
uma Biblioteca Digital com todas as obras sobre Macau/China entre os séculos
XVI e XIX.
Com
a colocação de um novo cônsul de Portugal na RAEM, um novo embaixador de
Portugal na China e um novo delegado da AICEP em Macau, Ilhéu espera que não se
comece “do zero” e que estes representantes continuem os esforços realizados
até agora.
“Espero
que a passagem de competências seja bem estruturada e que os que agora chegam à
China aproveitem bem a experiência e o conhecimento dos seus colegas que estão
de partida para outras missões”, conclui. Nelson Moura – Macau in “Plataforma”
Sem comentários:
Enviar um comentário