Uma geração mais nova, entre os habitantes de Miranda do Douro, mostra esperança na sobrevivência da língua mirandesa e apela à salvaguarda deste idioma que pode estar perdido dentro de 20 anos, segundo um estudo da Universidade de Vigo
Leonor
Gomes e Leonor Martins são suas jovens estudantes de 10.º ano de escolaridade
que mostram orgulho na sua cultura e na sua língua, por ser uma herança
cultural dos seus antepassados, e sentem vaidade em falar mirandês, apesar de,
por vezes, esta forma de comunicar não ser bem entendida por outros grupos de
jovens de outras regiões do país.
“Ao
falar mirandês sinto-me mais livre e mais rural. Sinto-me como se estivesse na
pele dos meus avós e na tranquilidade de uma aldeia mirandesa”, confessou
Leonor Gomes.
Leonor
Martins, por seu lado, afiança que está habituada a que as pessoas com mais
idade falem sempre em mirandês e por vezes “é fixe” também aprender a língua.
As
duas jovens não demonstram dúvidas na perpetuação do mirandês e justificam que
se trata de uma tradição que tem raízes num passado que faz parte de uma
identidade cultural única.
“São
as nossas origens, e não queremos perdê-las. É algo que nasceu connosco e faz
parte da história dos nossos antepassados e da nossa terra, e temos receio que
a língua mirandesa desapareça, porque cada vez mais o idioma não é falado no
dia-a-dia”, argumentam as jovens estudantes, que também aprendem mirandês na
escola.
Apesar
de se identificarem com a língua mirandesa, o mais natural para estas duas
jovens “é falar português”.
Há 3500 pessoas que conhecem o mirandês
A
reportagem da agência Lusa neste concelho do distrito de Bragança encontrou
"gente jovem que se mostra apaixonada pela língua e pela cultura
mirandesas", que se sente "mais livre" por falar mirandês e que
diz que “é fixe” aprendê-lo, apesar de ser a sua faixa etária a mais afetada
pelos fatores que põem esta língua em risco.
O
mirandês, porém, está numa situação ”muito crítica", devido ao abandono
desta forma de falar por parte de entidades públicas e privadas, segundo as
conclusões de um estudo elaborado pela Universidade de Vigo (UVigo), em
Espanha, revelado pela Lusa no passado mês de fevereiro.
Lançado
no terreno em 2020, o estudo estimou em cerca de 3500 o número de pessoas que
conhecem a língua, com cerca de 1500 a usá-la regularmente, identificando uma
rotura com este idioma, sobretudo nas gerações mais novas, através de uma
"forte portugalização linguística", assente em particular na profusão
dos meios de comunicação nas últimas décadas, e na identificação do mirandês
com a ruralidade e a pobreza locais.
O
empresário Henrique Granjo, 30 anos, dirigente da Associação Recreativa da
Juventude Mirandesa, disse à Lusa que o estudo recentemente apresentado “é
real” e não se pode negar “esta ameaça”, mas ainda se vai a tempo de contrariar
esta tendência que paira sobre o mirandês.
“Há
gente jovem que se mostra apaixonada pela língua e cultura mirandesas. Há
pessoas que regressam às origens e ainda vamos contrariar as tendências
reveladas neste estudo. Para travar toda esta realidade será importante um
forte investimento das entidades públicas na salvaguarda do idioma”, vincou o empresário
e dirigente associativo.
Henrique
Granjo refere ainda que, se houver investimento na salvaguarda da língua
mirandesa nas próximas duas décadas, a situação poderá estar acautelada:
"É importante investir em setores como a educação e cultura que são os
patamares para a preservação do mirandês aos quais acrescem medidas concretas
para dinamização do interior para assim contornar as indicações do estudo
divulgado”.
"Cada vez somos menos"
No
reverso da medalha, estão os mais velhos e o abandono das aldeias. Se para os
jovens com quem a Lusa falou, o mirandês ainda poderá ter salvação, para os
mais velhos, embora a língua ainda faça parte do seu quotidiano, a condenação
parece impor-se, com o desaparecimento de pessoas das aldeias raianas.
O
despovoamento de localidades do concelho de Miranda do Douro como São Martinho,
Cicouro, Constantim, Aldeia Nova e Ifanes, circunscreve o mirandês ao ambiente
familiar e a conversas de circunstância entre amigos. E é essa a perspetiva dos
seus habitantes.
É
por estas paragens, na parte mais interior de Portugal, que o mirandês ainda
vai mantendo alguma expressão, como reconhece Duarte Cristal, de 63 anos,
residente em São Martinho, que sempre foi dizendo como esta língua faz parte do
seu dia-a-dia, falada em ambiente familiar.
Para
este habitante da raia mirandesa, um dos principais inimigos do mirandês é a
baixa taxa de natalidade: "Se não houver novas gerações de falantes, a
língua mirandesa poderá estar mesmo condenada" e não ter continuidade,
"por causa do abandono das aldeias por pessoas que procuram a vida noutras
paragens”.
Domingos
Torrão, um octogenário de Cicouro, fez questão de responder às questões da Lusa
em mirandês.
“Há
cerca de duas décadas, o mirandês era bem aceite. Falávamos muito o mirandês
aqui na raia. Agora, cada vez somos menos, e a este ritmo, e apesar de ser a
segunda língua oficial em Portugal, o risco é iminente”, frisou este falante da
língua mirandesa.
Para
a UVigo, a manter-se a situação, "a este ritmo é possível que o mirandês
morra antes [dos próximos] 30 anos", conservando-se apenas como "um
latim litúrgico para celebrações", sem ser "língua para viver a
diário", como se lê no estudo que ainda não tem data para apresentação
oficial.
A
língua mirandesa é uma língua oficial de Portugal desde 29 de janeiro de 1999,
data em que foi publicada em Diário da República a lei que reconheceu
oficialmente os direitos linguísticos da comunidade mirandesa.
Portugal ainda não ratificou Carta Europeia de Línguas
Regionais e Minoritárias do Conselho da Europa
A
Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM) reiterou a necessidade urgente
de o Estado fazer a ratificação da Carta Europeia das Línguas Regionais e
Minoritárias do Conselho da Europa, para assegurar o futuro da língua
mirandesa.
“Portugal
assinou a Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho da
Europa, mas ainda não a ratificou. O processo estará a andar mas não temos
informação se estará a andar com a velocidade desejada”, explicou à agência
Lusa o presidente da ALCM, Alfredo Cameirão.
O
Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) anunciou em 07 de setembro de 2021
que Portugal assinara a Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho
da Europa, que visa proteger e promover as línguas regionais e minoritárias
históricas do continente.
De
acordo uma nota do MNE, emitida nesta data, a língua mirandesa esteve na base
da assinatura.
De
acordo com Alfredo Cameirão, a Carta Europeia das Línguas Regionais e
Minoritárias do Conselho da Europa é um documento que já vem desde 1992, que
"elenca uma série de premissas com que os Estados-membros" desta
organização, se comprometem para "a salvaguarda e defesa das várias línguas
minoritárias que eventualmente cada país tenha no seu território".
"No caso de Portugal, foi dito, no ato da assinatura, que o motivo deste
ato foi a defesa da língua mirandesa, a liga minoritária existente no nosso
país”, vincou Alfredo Cameirão. In “Sapo 24” – Portugal com “MadreMedia / Lusa”
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