Cientistas
da Universidade de Coimbra (UC) revelam como a doença de Parkinson pode ser
desencadeada no intestino e daí progredir para o cérebro. Os resultados do
estudo acabam de ser publicados na Gut, revista internacional de
referência na área da gastroenterologia, e representam mais uma peça
fundamental do complexo “puzzle” daquela que é a segunda doença
neurodegenerativa mais frequente no mundo e com tendência para aumentar nas
próximas décadas.
O estudo decorreu durante os últimos cinco anos no Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC-UC), e foi financiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) em mais de meio milhão de euros.
A
equipa, liderada por Sandra Morais Cardoso, docente da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra (FMUC), e por Nuno Empadinhas, investigador do CNC-UC,
estudou, em ratinhos, os efeitos da ingestão crónica de BMAA, uma toxina
produzida por cianobactérias e outros micróbios, e que se pode acumular, por
exemplo, em alguns animais aquáticos como bivalves, mariscos e peixes.
Partindo
de estudos anteriores, que apontam para a existência de vários “tipos” de
doença de Parkinson, os cientistas da UC demonstram, pela primeira vez, que a
ingestão crónica desta toxina microbiana ambiental elimina grupos muito
específicos de bactérias que protegem a mucosa intestinal e que regulam a
imunidade ao nível dessa barreira essencial. A partir daqui, inicia-se uma cadeia
de eventos que se propaga até uma região específica do cérebro, danificando
sobretudo as mitocôndrias, organelos que, entre outras funções, atuam como
fábricas de energia das células.
«Caracterizámos
os efeitos desta toxina, desde a erosão seletiva do microbioma intestinal à
alteração da imunidade no íleo (região específica do intestino), até à
degeneração específica dos neurónios que produzem dopamina no cérebro.
Curiosamente,
a alteração da barreira e imunidade intestinal levou a que o marcador cerebral
clássico da doença surgisse primeiro no intestino», explica Sandra Morais
Cardoso, clarificando ainda que «a propagação é lenta e progressiva e pode
ocorrer através do sangue ou do nervo vago (que liga o intestino ao cérebro),
até chegar à região do cérebro associada à doença de Parkinson, onde afeta as
mitocôndrias desses neurónios, que acabam por morrer».
Considerando
que o diagnóstico clínico da doença de Parkinson só ocorre quando surgem os
primeiros sintomas motores (tremores, rigidez muscular e movimentos lentos),
este estudo indica que a doença pode, em alguns casos, ter surgido no intestino
muitos anos antes.
Sandra
Morais Cardoso e Nuno Empadinhas explicam que decidiram testar esta hipótese,
pois «muitos doentes apresentam sintomas intestinais vários anos antes do
diagnóstico clínico e também porque parece existir uma associação direta entre
tóxicos ambientais e o aparecimento desta doença descrita há cerca de 200 anos,
mas cuja origem é ainda desconhecida». Os resultados do estudo agora publicado
«não representam uma cura, mas reforçam a possibilidade de haver casos de
Parkinson que surgem primeiro no intestino. Por outro lado, confirmam que um
metabolito produzido por certas bactérias pode, inadvertidamente, desencadear
processos neurodegenerativos específicos desta doença».
Esta
investigação, referem, «confirma que existe uma comunicação direta entre
bactérias e mitocôndrias, ou seja, apesar de esta toxina ser produzida por
algumas bactérias e atacar outras que, neste caso, são sentinelas da imunidade
na mucosa intestinal, também ataca mitocôndrias do intestino e do cérebro». E
concluem, «a toxina tem, portanto, ação antibiótica e terá tido origem nas
guerras entre bactérias durante os muitos milhões de anos de evolução, mas que
ao contrário dos antibióticos que usamos para combater bactérias que nos causam
infeções, tem um efeito nocivo colateral duplo: ataca bactérias benéficas e
mitocôndrias».
Por
outro lado, observa Nuno Empadinhas, este estudo alerta para um potencial
perigo de ingestão crónica de BMAA em dietas ricas em alimentos de origem
aquática, nos quais os níveis da toxina são desconhecidos. Refere que «a
bioacumulação de BMAA deve ser uma preocupação» e defende que, «em prol da
segurança alimentar e saúde pública, esta toxina específica, que muito
raramente produz sintomas de intoxicação aguda, deve ser incluída em programas
de monitorização, pois confirma-se que, quando consumida de forma crónica, pode
danificar o microbioma e barreira intestinais, desencadeando doença».
Questionados
sobre se, e como, é possível bloquear o circuito agora demonstrado, impedindo
assim que a doença se propague para o cérebro, Sandra Morais Cardoso e Nuno
Empadinhas admitem que sim, mas que será «um desafio multidisciplinar que, para
além da identificação dos alvos moleculares da toxina e de estratégias para a
inativar, passa por restabelecer e manter a comunidade de bactérias protetoras,
com o intuito de fortalecer e preservar a barreira intestinal». Fica a nota de
que, finalizam, «se esta estratégia puder ser acionada nas fases iniciais da doença
(antes das alterações motoras), poder-se-á impedir a sua progressão». Universidade
de Coimbra - Portugal
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