A Casa Garden é anfitriã de uma série de seminários que mostram como o Estado Novo usou o cinema para impor uma imagem de Portugal enquanto país pluricontinental e multirracial. “Azuis ultramarinos – Re-imaginar o império pela análise das projecções (anti-) coloniais no cinema” é o resultado de anos de pesquisa da académica Maria do Carmo Piçarra
Na
próxima quarta-feira, a partir das 18h30, realiza-se a segunda parte de uma
série de quatro seminários sobre o papel do cinema na propaganda usada pelo
Estado Novo para transmitir uma imagem positiva do exercício do poder nas
antigas colónias, incluindo no Oriente. Com o título “Azuis ultramarinos –
Re-imaginar o império pela análise das projecções (anti-) coloniais no cinema”,
e apresentação da académica Maria do Carmo Piçarra, os seminários estão
divididos em quatro partes. A primeira decorreu quarta-feira, e as próximas
serão apresentadas na próxima quarta-feira, a partir das 18h30, e nos dias 1 e
9 de Dezembro à mesma hora.
Além
da possibilidade de serem seguidos online, através do Zoom, os
seminários serão transmitidos em directo na Casa Garden.
As
quatro sessões resultam de anos de pesquisa da investigadora da Faculdade de
Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
“Estes
seminários são quase uma síntese de uma década e meia de pesquisas, em que
andei por arquivos militares, da cinemateca, museu de etnologia, para perceber
como o Estado Novo usou o cinema para veicular um determinado tipo de
propaganda”, conta ao HM Maria do Carmo Piçarra. No grande ecrã era transmitida
uma narrativa estatal, que o espectador recebia, pela via do entretenimento, e
assumia como sua, sem se aperceber que o discurso lhe estava a ser incutido.
A
produção audiovisual da máquina de propaganda do Estado Novo só começou a
promover a realização de filmes no Oriente a partir de 1951, sobretudo
documentários. “Em relação a Macau, o discurso era um bocadinho sobre o
exotismo e as particularidades do território. Já sobre Goa, os filmes davam
muito enfoque à questão dos templos e à suposta aceitação do regime português
da diversidade religiosa”, conta a investigadora, que aponta também a
intensificação da propaganda nos retratos de Timor-Leste.
A caminho de Oz
Em
Macau, e nas restantes colónias a Oriente, Maria do Carmo Piçarra destaca na
produção fílmica desta época dois grandes nomes: Ricardo Malheiro e Miguel
Spiegel.
Em
1952, estreava “Macau, Cidade do Nome de Deus”. Na locução do filme documental,
Fernando Pessa apresentava a cidade desta forma: “Na placidez das águas dos
mares do sul da China, animadas pelo exotismo dos seus barcos e rodeadas pelo
encanto das suas ilhas e costas verdejantes e coloridas, ergue-se uma velha e
maravilhosa cidade portuguesa, rica de colorido e ineditismo, e diferente,
muito diferente de todas as outras cidades portuguesas. Essa cidade é Macau,
terra de colinas e outeiros, de jardins de sonho e frondoso arvoredo com um
governo português que conta quatrocentos anos.”
Era
desta forma complacente que se apresentava o território. “Joia do Oriente”, de
Miguel Spiegel é outro exemplo do tipo de produção que fez durante o período de
pré-guerra colonial.
Estes
filmes mostravam as colónias portuguesas, também em África, “focando as
especificidades de cada uma, mas também sempre com a ideia luso-tropicalista de
que o colonialismo português era diferente, mais brando, de aceitação da
diversidade cultural, racial e religiosa”, conta.
No
entanto, a académica recorda que eram produzidos outro tipo de filmes,
altamente controlados pelas autoridades.
“Por
um lado, havia vontade de promover as ofertas turísticas de territórios como
Macau, Angola, Moçambique ou Timor. Por outro lado, nunca se queria mostrar (em
Macau isso é óbvio) os bairros onde viviam pessoas em situações de grande
pobreza”, afirma Maria do Carmo Piçarra.
A
académica encontrou nos arquivos de Macau referências expressas, por exemplo, a
locais onde era proibido filmar, acrescentando que “havia sempre alguém do
Centro de Informação e Turismo, destacado para acompanhar as equipas de rodagem
quando iam fazer a repérage[escolha dos locais de rodagem] dos sítios em que se
podia filmar”.
Estas
produções privadas, muitas vezes estrangeiras (em particular de Hong Kong),
eram escrutinadas até ao limite. As próprias histórias não podiam retratar aspectos
negativos das colónias. Em Macau, tudo era controlado. Delegados do Centro de
Informação e Turismo faziam relatórios detalhados sobre a produção, que iam
parar às mãos do Governador, e que incluíam mesmo informação sobre os hotéis
onde as equipas de produção ficavam instaladas.
Com
organização do Centro de Investigação para Estudos Luso-Asiáticos, Fundação
Oriente e Universidade de Macau, o ciclo de seminários será ministrado em
português e a entrada é livre. João Luz e Andreia Silva – Macau in “Hoje
Macau”
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