Lisboa
– No novo álbum, Dino d’Santiago enaltece, mais do que nunca, o ‘batuku’ e o
funaná, sons de Cabo Verde “que resistiram à opressão”, tal como os ‘badius’,
símbolo de resistência e resiliência, que homenageia com o trabalho hoje
editado.
“O
‘Badiu’ é uma homenagem a essas pessoas resistentes, que se apropriaram do nome
[‘badiu’], a partir do final do século XX, como símbolo de resistência e de
resiliência”, contou o músico em entrevista à agência Lusa.
Essas
pessoas, explicou, são as que foram levadas dos territórios onde se situam hoje
a Gâmbia e o Senegal e, posteriormente, da Guiné-Bissau para a ilha de
Santiago, em Cabo Verde, escravizadas pelos portugueses.
“Eles
ficam na Cidade Velha e, da Cidade Velha, após vários ataques piratas,
conseguem fugir para o interior de Santiago e, nessa fuga, tornam-se os vadios,
‘badius’, com sotaque do Norte [de Portugal], que era a população portuguesa
que habitava Cabo Verde na altura, que fazia parte da corte”, contou.
Os
‘badius’ foram quem “conseguiu manter a tradição dos ritmos que saíram
directamente de África e não se aculturaram tanto como os que ficaram reféns e
foram depois vendidos para outros países, outros mercados”.
‘Badiu’
era um termo depreciativo, mas acabou por se tornar “um símbolo de
resistência”.
Outra
coisa que mudou foi a maneira como eram vistos os ritmos do funaná e do
‘batuku’, que só com a independência de Cabo Verde, em Dezembro de 1974,
“deixaram de ser considerados música do diabo e profana, usada para o
adultério, por terem movimentos corporais femininos”.
“O
irónico é que essas mulheres cantavam louvores a Deus, sonhos perdidos,
saudade”, disse Dino D’Santiago sobre o funaná e ‘batuku’, que “foram sempre
música dos camponeses”.
Estes
dois ritmos cabo-verdianos têm estado presentes nos álbuns de Dino d’Santiago,
mas, em “Badiu”, o músico decidiu enaltecê-los “ainda mais”, por serem “sons
que resistiram à opressão, até hoje”.
O
músico lembra que, antes dele, outros enalteceram estes ritmos, levando-os para
vários lugares do mundo, como os Tubarões, os Bulimundo, os Ferro Gaita, Lura,
Mayra Andrade, Orlando Pantera ou Tcheka.
“Eu
já sou de uma fase de mistura, de nação crioula que junta o mais tradicional
com o mais contemporâneo e global”, disse.
Dino
d’Santiago sentiu “necessidade de contar essa história, qual a sua origem” e,
para a fotografia de capa do álbum, escolheu algo que “também representa esta
resistência e resiliência, o simples pano de terra”, que “tem uma história
incrível”.
“É
um pano 100% algodão que vinha com as pessoas escravizadas que vinham da Guiné,
e tornou-se tão valioso em Cabo Verde que as famílias portuguesas consideradas
poderosas eram as que o tinham”, contou o músico, recordando que o pano de
terra “era usado como moeda de troca, para comprar pessoas escravizadas ou
pagar multas ao tribunal”.
Com
o passar dos anos, este pedaço de tecido “foi entrando na cultura
cabo-verdiana, amarrado à cintura na prática do batuku, ou usado em cerimónias
como casamentos, baptismos e velórios”.
Segundo
Dino d’Santiago, o processo de produção de um pano de terra “é demorado” e este
“só é feito por encomenda, não há produção em série”.
Já
o processo de criação de “Badiu” aconteceu durante quatro semanas numa casa na
zona de Sintra, onde Dino d’Santiago juntou produtores, a família, músicos e
técnicos, que iam “estando em sintonia com outros produtores noutros locais”.
Dessa
residência artística surgiram 37 canções. “Dessas, escolhemos o sumo que
honrava o badiu”, disse.
O
“sumo” são 12 canções, nos quais Dino d’Santiago aborda temas como “o
aquecimento global, as guerras, as fugas dos refugiados, as mortes dos mares”.
“Todas
essas narrativas fizeram parte do disco, ao mesmo tempo que havia uma crença
maior, o Lucas [filho do músico, que nasceu este ano], que simbolizava a esperança
e a responsabilidade de ter que fazer de tudo para que ele cresça num mundo
mais justo e mais unido”, afirmou.
Dino d’Santiago gosta de trabalhar “em comunhão”: “Acho que todos os discos devem
nascer assim” e, em “Badiu”, além de produtores como Branko, Toty Sa’Med,
Tristany, Sirscrach ou Valete, contou também com participações vocais de
pessoas que admira e que olham para a vida da mesma forma que ele, e para a
arte e a cultura “com o respeito que elas merecem ter”.
Em
alguns temas juntou à sua voz as vozes de Slow J, “que tem feito um trabalho
incrível no hip-hop português”, Lido Pimenta, “activista e artista plástica
esplendida da Colômbia”, Rincon Sapiência, “que tem feito um trabalho incrível
no Brasil de transportar as vozes negras para um lugar de fala e contar a nossa
história, enraizá-la”, da avó, “antes de ela falecer”, e de Nayela, “uma
feminista nata africana”.
Para
Dino d’Santiago, a música só faz sentido se lhe “sair do âmago”, se “reflectir”
o que vê e a forma como sente a vida.
“Quem
me dera que não tivesse que ser tão activista”, disse, referindo que a música
que cria “vai ser activista até não precisar de ser, e o sonho é não necessitar
mais de ser”.
Quando
se lhe pergunta se acha isso possível, responde que acredita “mesmo,
profundamente” que sim.
“Consigo
vislumbrar essa nação crioula e aculturada a sentir-se feliz por isso. Nos
momentos em que estou a cantar vejo a mistura acontecer à minha volta, ninguém
está a reparar na cor de pele do outro, é só alegria”, afirmou.
O músico sobe ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em Abril de 2022, mas, até lá, conta fazer “algo bonito” em Cabo Verde, de forma a “retribuir o amor” que tem recebido da terra onde nasceram os pais, “dois badius, do interior de Santiago”. In “Inforpress” – Cabo Verde com “Lusa”
Esquinas
Aqui
toda a gente sente
Terra
não é só lugar onde se nasceu
é
também o chão que trazemos na mente
aqui
toda gente é parente
mesmo
quando se nasceu doutro ventre
chamamos
mãe ao mesmo continente
es
trazenu morna pa kici nôs dor
ken
ki flau na strangeru ka importa nôs cor
si
tudu fin di mês es ta danu korti
sô
sakedu na kurva pa dispista morti nu bai!
Pé
na strada nu manti sô si nôs eh forti
ka
nu dexa nôs fidju pa sorti
bô
eh luz ki ta mostran nha norti
ta
limia kaminhu di nôti, más um skina pa nu dobra
Juro
se eu não morro goat eu deixo gota pro meu nigga
porque
eu não sou do bairro, eu sou da raça que os habita
quando
eu canto fado soa a mais do que uma vida e eu não sei explicar
juro
se eu não morro goat eu deixo gota pro meu nigga
se
eu voltar pra minha terra eu sou da raça lusa vinda
do
outro lado do mundo o tempo passa e multiplica, eu já não sei voltar
Meu
povo vem da lama como Dalai
e
fez todo o meu drama virar minha light
mundo
é minha Alfama, tou no meu bairro
e
por onde eu passar é minha esquina
meu
povo vem da lama como Dalai
vai
calar quem duvidou,
diz
na terra onde eu nasci que o que eu fiz foi por amor!
Pé
na strada nu manti sô si nôs eh forti
ka
nu dexa nôs fidju pa sorti
bô
eh luz ki ta mostran nha norti
ta
limia kaminhu di nôti, más um skina pa nu dobra
Nas
curvas do bairro nem todo tuga é luso
Nas
curvas do bairro nem todas as quinas são vanglória
Nas
curvas do bairro aceno ao corpo negro com quem cruzo
Nas
curvas do bairro nossos corpos são também pátria
Pé
na strada nu manti sô si nôs eh forti
ka
nu dexa nôs fidju pa sorti
bô
eh luz ki ta mostran nha norti
ta
limia kaminhu di nôti, más um skina pa nu dobra
Dino d'Santiago e Slow J
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