O novo livro do académico Duarte Drumond Braga tem Macau como musa e tema central. “Salitre” será editado este mês pela Capítulo Oriental e é, como descreve o autor, uma metáfora poética sobre as características do território
“É
que / na aldeia lê-se o que há na papelaria, / vai-se a tudo o que há no Dom
Pedro V / desfraldou-se uma vela / e perseguimos o pirata”. O verso do poema
“Sal” espelha bem a matéria do mais recente livro de poemas de Duarte Drumond
Braga, académico da Universidade de Lisboa que viveu em Macau.
“Sal”
é um dos poemas que integra “Salitre”, livro de poesia inteiramente dedicado ao
território, com versos escritos entre os anos de 2019 e 2020. Editado este mês
no território pela Capítulo Oriental, com apoio da Universidade de Macau, ainda
sem data oficial de lançamento devido à pandemia. A obra terá também lançamento
em Lisboa.
O
livro de poesia é uma ode metafórica ao território que acolheu Duarte Drumond
Braga. “Salitre é um fenómeno químico bem conhecido que actua nas paredes das
casas. O salitre talvez possa ser uma metáfora da acumulação de sinais, traços,
uns legíveis outros menos, que constitui uma cidade como Macau. Poderia ser
também o bolor ou o mofo, bem conhecidos dos habitantes de Macau, mas já há um
livro de Augusto Abelaira com o título do primeiro e talvez estes remetam menos
para a escrita como acumulação de traços ou raspagens”, contou ao HM.
O
poeta e investigador escreveu “Salitre” ao mesmo tempo que ia fazendo versos
para “Os Sininhos do Inferno”, mas os poemas do livro agora lançado foram
“quase exclusivamente” escritos no território. Escrever novamente sobre Macau
surgiu como uma necessidade, dado o interesse constante do autor pelas suas
“textualidades”.
“É
pena termos sempre acesso a um dos lados da moeda apenas, nós que não falamos
chinês, porque o texto-Macau tem muitas autorias. O livro procura mostrar,
antes de mais graficamente, que esta é uma cidade que é também um conjunto de
citações, em línguas diferentes, que se cruzam, formando um texto único, mas de
autoria múltipla.”
A Macau histórica
Nestas
muitas versões da mesma história, há também espaço para a Macau histórica,
consumo de ópio e piratas. Exemplo disso é o verso “No esterquilínio / é a cena
do ópio: / um homem / tragicamente hirsuto / de olhos rolados, / dobrado sobre
si mesmo / como um feto ao fogo / e uma mulher / que queima bolas”.
Mas,
conforme explicou Duarte Drumond Braga, “Salitre” não é apenas isso. Os seus
poemas contêm referências “a espaços muito concretos”, e não apenas a eventos
históricos.
“Volta-se
a esse imaginário para colocá-lo de forma diferente, por vezes de forma cortante.
Creio que ainda há marcas de um certo exotismo na literatura em língua
portuguesa de/sobre Macau. Este livro demarca-se dele, ainda que não se esgote
nisso.”
A
Capítulo Oriental indica que a obra contém uma Macau “lida como uma
cidade-texto, feita de letras, signos, sinais”, “uma cidade que é também um
conjunto de citações, em línguas diferentes, que se cruzam, formando um texto
único, mas de autoria múltipla”.
Uma interpenetração
“Salitre”
é também uma espécie de “livro-colagem”, onde “os versos à esquerda são da
minha autoria e os destacados à direita pertencem a vários livros de literatura
e até de história de Macau”, aponta o seu autor. Neste processo, “os lugares,
as referências históricas e as personagens dessa cidade constituem um mapa que
mobiliza a transformação de Macau em tropo da linguagem”.
Investigador
na área da literatura comparada, Duarte Drumond Braga adianta que “a
investigação e a poesia são actividades que se interpenetram”. “Interessa-me
cada vez mais a poesia como forma de investigação, interessa-me construí-la em
simultâneo com as questões que eu estudo, como sendo a Ásia e a produção
escrita de língua portuguesa, essencialmente”, frisou.
Editar
“Salitre”, o seu terceiro livro de poesia, em Macau é importante para o autor.
“Vinte anos depois da transferência da soberania, a publicação de qualquer
livro em língua portuguesa em Macau – o que é talvez mais significativo quanto
a um livro de literatura – constitui, em si mesmo, um facto cultural de
relevo”, rematou.
Fundada
em 2019, a Capítulo Oriental é a primeira agência literária a trabalhar entre a
Ásia e países ou territórios de língua portuguesa, e que tem sede em Macau.
Representa também autores de Macau, China, Hong Kong, Taiwan e Portugal, entre
outros territórios. Andreia Silva – Macau in Hoje
Macau”
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