I
Poucas
cidades brasileiras foram (e continuam sendo) tão geradoras de cultura como a
pequena Cataguases, município de 74 mil habitantes localizado na Zona da Mata do
Estado de Minas Gerais, a 320 quilômetros de Belo Horizonte. Entre as muitas
manifestações culturais que a tiraram do limbo da História, estão a publicação
da revista Verde, ainda nos anos 20 do século passado, o cinema de
Humberto Mauro (1897-1983) e a música de Patápio Silva (1880-1907), que ficou
conhecida mais tarde pela voz terna do cataguasense Lúcio Alves (1925-1993).
A
par disso, houve ainda a presença muitos literatos que deixaram sua marca na
história da Literatura Brasileira, como Rosário Fusco (1910-1977), Guilhermino
César (1908-1993), Ascânio Lopes (1906-1929) e Francisco Inácio Peixoto
(1909-1986), sem contar os de geração mais recente, como Joaquim Branco, Ronaldo
Werneck, Ronaldo Cagiano, Luiz Ruffato, Eltânia André e outros. Também não se
pode deixar de assinalar as obras de Oscar Niemeyer (1907-2012) e de outros renomados
arquitetos que são encontradas na cidade, bem como os trabalhos de Candido
Portinari (1903-1962), Santa Rosa (1909-1956), Djanira (1914-1979) e outros
artistas que estão em seus museus e ainda os seus jardins projetados por Burle
Marx (1909-1994).
Para
recuperar grande parte dessa história, o cataguasense Ronaldo Werneck acaba de
publicar Cataguases século XX antes & depois (São Paulo, Editora
Tipografia Musical, 2021) em que reúne não só depoimentos de sua lavra como de
outros autores que traçam um longo painel que vem de meados do século XVIII,
passando pelo século XIX para chegar aos tempos de nossos dias. Ou seja: trata-se
de uma cidade povoada de poetas que “faz com que um deles, Werneck, tome o fio
da História, ilumine a Memória e celebre a “poesia nossa de cada dia”, ao
trazer para este livro a narrativa da saga da Meia-Pataca e Cataguases
inteira”, como observa no prefácio o jornalista e ensaísta Angelo Oswaldo,
ex-secretário estadual de Cultura de Minas Gerais e atual prefeito de Ouro
Preto, em seu quarto mandato, também ele filho de cataguasense.
II
Nascido
em Cataguases em 1943, Ronaldo Werneck morou por mais de 30 anos no Rio de
Janeiro, mas voltou a viver em sua cidade natal ao final do século passado. E,
como observa o cineasta Paulo Augusto Gomes, no texto de apresentação do livro,
a tal ponto Cataguases marcou a sua vida que “ele se viu obrigado a nos dar um
histórico desse relacionamento”. E procurou contar a história da cidade desde
“a fundação do primitivo arraial, o surgimento do seu comércio e principais
indústrias, em torno dos quais se reuniram gentes que o influenciaram”.
De
fato, no texto de abertura, Werneck procura mostrar a cidade e seus ares de
modernidade, deslocando o seu olhar exatamente para a residência do escritor e
industrial Francisco Inácio Peixoto, projeto de Oscar Niemeyer. Grande
impulsionador do modernismo na cidade, Peixoto deixou para os seus pósteros a
chamada “casa de Chico”, marco inicial da Cataguases moderna. Mais adiante,
Werneck assinala: “Em Cataguases, o ideário modernista se concretizou como
nunca. Mário e Oswald de Andrade, luminares do movimento, chegaram mesmo a homenagear
juntos, assinando “Marioswald”, os poetas da revista Verde – publicação
que congregou os modernos de todo o país –, editada na cidade nos anos 1920:
Tarsila não pinta mais/ Com verde Paris / Pinta com Verde / Cataguazes / Os
Andrades / Não escrevem mais / Com terra roxa / NÃO! / Escrevem / Com tinta
Verde / Cataguazes”.
Do
livro, constam ainda textos de outros escribas da cidade, como o ensaio de Lina
Tâmega Peixoto (1931-2020) sobre a correspondência entre Francisco Inácio
Peixoto e Guilhermino Cesar. De Joaquim Branco, há um texto sobre os
suplementos literários que apareceram na cidade nas décadas de 1960 e 1970. Já
Francisco Marcelo Cabral (1930-2014) recupera a história da revista Meia
Pataca, de 1948, que, segundo ele, foi obra integral de Lina Tâmega Peixoto,
responsável pela edição, diagramação, sueltos e resenhas, embora o autor também
tenha participado da “aventura”.
Por
fim, Ronaldo Cagiano escreve sobre o movimento literário na cidade ao longo do
século XX, com enfoque especial sobre os escritores deste século XXI. Por tudo
isso, este livro se torna fundamental para quem quiser conhecer a história desta
cidade-ícone na história da Literatura Brasileira.
III
Jornalista
e crítico, Ronaldo Werneck colaborou com jornais e revistas cariocas, como Jornal
do Brasil, Pasquim, Diário de Notícias, Última Hora, Revista Vozes,
Revista Poesia Sempre e Revista História, ambas da Biblioteca
Nacional. Em 2013, organizou a edição especial sobre Cataguases para o Suplemento
Literário Minas Gerais. Desde 1968, colaborou com esse Suplemento,
onde publicou poemas, resenhas e algumas críticas de cinema.
Poeta,
tem vários livros publicados, entre os quais: Selva Selvaggia (1976), pomba
poema (1977), minas em mim e o mar esse trem azul (1999), Ronaldo
Werneck Revisita Selvaggia (2005), Noite Americana/Doris Day by
Night (2006) e Minerar O Branco (2008). Lançou em 2009 o
livro-ensaio Kiryrí Rendáua Toribóca Opé – humberto MAURO revisto POR
ronaldo WERNECK e os livros de crônicas Há Controvérsias 1 (2009) e Há
Controvérsias 2 (2011). Em 2001, gravou em show ao vivo o cd Dentro
& Fora da Melodia/Que papo é esse, poeta? Em 2019, lançou Momento Vivo, 71 poemas favoritos & 21
novos (São Paulo, Editora Tipografia Musical).
Ensaísta,
tradutor e crítico de literatura, cinema e artes plásticas, Werneck tem textos
e artigos publicados em vários veículos da mídia. Desde os anos 1990, assina a
coluna “Há Controvérsias”, publicada em vários blogs e no jornal O Liberal,
de Cabo Verde. Produtor cultural, foi um dos realizadores dos dois Festivais
Audiovisuais de Cataguases – Música e Poesia (1969/1970) e
coordenador da exposição Os Mineiros do Pasquim, em 2008.
Videomaker,
editou em 2009 dois filmes sobre a trajetória do cineasta Humberto Mauro, sOLdade
e mauro move O mundo. Membro do Pen Clube do Brasil, é verbete da Enciclopédia
da Literatura Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, e do Dicionário
Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Adelto Gonçalves - Brasil
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Cataguases
século XX antes & depois, de Ronaldo Werneck. São Paulo:
Editora Tipografia Musical, 310 páginas, R$ 70,00, 2021. E-mail da editora: editora@tipografiamusical.com.br
Site: tipografiamusical.com.br E-mail do autor: roneck@ronaldowerneck.com.br
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Adelto Gonçalves, mestre em Língua
Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na
área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga,
um Poeta do Iluminismo (Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder:
o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre
outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Que bela e fundamental resenha sobre a obra impecável de Ronaldo Werneck, aplausos. Maravilha!
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