Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 21 de março de 2022

Macau - Livro da vitória contra os holandeses vai ser traduzido para chinês

O livro do prof. Manuel Basílio intitulado “A maior derrota dos holandeses no Oriente”, lançado no Clube Militar na sexta-feira vai ser traduzido para chinês, para ser apresentado em 24 de Junho, o Dia da Cidade. A decisão foi tomada por Jorge Fão, presidente da Assembleia Geral da APOMAC, após o interesse despertado pela minúcia do detalhe investigativo da obra, durante a cerimónia de lançamento da versão em português


Com a sala composta, o actual presidente dos Estudos Europeus de Macau e ex-presidente do Leal Senado, José Luís Sales Marques salientou a importância da batalha de 24 de Junho de 1624, para a sobrevivência de Macau, já que, em tempos da dominação filipina, o território ainda sem fortificações, parecia presa fácil para a expansão holandesa a partir da Indonésia.

Sales Marques destacou que, após essa surpreendente vitória, o Leal Senado fez um voto solene, pelo qual foi instituída uma festa em honra de São João Baptista, o Santo Protector da Cidade, com missa e procissão, a celebrar anualmente. Há desconhecimento se sempre assim foi, mas no século 19 e 20 essa celebração está documentada e a partir de época mais recente o 24 de Junho passou a ser feriado, considerado como “Dia da Cidade”, o que terminou a partir de 1999.

A sessão iniciou com a apresentação do autor feita pelo administrador do Jornal Tribuna de Macau, que realçou que o lançamento da obra de Manuel Basílio se enquadra no início das comemorações da entrada no quadragésimo ano de publicação do jornal, que vão decorrer durante este ano e que terão o seu momento mais alto em 1 de Novembro de 2022.

De acordo com os historiadores, o Tribuna de Macau já bateu o recorde de longevidade de todas as publicações regulares de Macau em língua portuguesa, desde que em 1822, o jornal “Abelha da China” foi o primeiro jornal local em língua portuguesa, tipo ocidental, publicado na Região.

José Rocha Diniz enalteceu o árduo e desinteressado trabalho de investigação do autor (o livro foi edição do autor) que já tem várias outras obras publicadas sobre Macau, onde nasceu, e manifestou-lhe a continuidade do apoio da Tribuna e da Sociedade Editorial que a edita, em novos trabalhos. In “Jornal Tribuna de Macau” - Macau

Extracto da intervenção de Manuel Basílio

Uma história que dava um filme

A história da “Batalha de Macau” em Junho de 1624 ainda está cheia de hiatos, pois são poucas as fontes em primeira mão, e mesmo elas apresentam contradições. Neste livro o Prof Manuel Basílio apresenta a versão mais credível desta fantástica história que dava um grande filme.

Eis um extracto da sua intervenção no lançamento do livro:

“As primeiras tentativas dos holandeses para tomarem a cidade de Macau ocorreram logo no virar do século XVII, em 1601. Depois voltaram em 1603 e em 1604, mas sem sucesso. Houve ainda uma nova tentativa dos holandeses em 1607, mas as suas embarcações foram atacadas por seis navios portugueses, que os puseram em fuga.

Naquela altura, a cidade de Macau não estava fortificada, porque até então, as autoridades chinesas nunca permitiram a fortificação da cidade, com receio de os portugueses servirem-se dela como defesa contra os chineses.

A fortificação da cidade fora uma constante preocupação dos jesuítas e, por isso, em 1606, construíram à volta do Colégio e da igreja de S. Paulo (inaugurada em 1603), uma cerca muralhada, para a protecção das suas propriedades. (Existe ainda um troço no Beco do Craveiro), na Rua do Monte (Faca, Missó, Craveiro, Porco).

Depois daquelas primeiras tentativas dos holandeses, seguiu-se um período de acalmia, devido à Trégua dos Doze Anos, firmada em 1609 entre a Espanha e as Províncias Unidas (lideradas pela Holanda e Zelândia), e Macau beneficiou dessa trégua. O período da trégua terminou em 1621, e logo no ano seguinte, os holandeses voltaram com uma poderosa esquadra para invadir a cidade de Macau. Os holandeses tinham informações de que a cidade não estava devidamente fortificada e, portanto, poderia ser conquistada com relativa facilidade, com uma força militar de 800 a 1000 homens.

De facto, durante mais de meio século, a cidade de Macau esteve desprotegida, devido às restrições impostas pelas autoridades chinesas. Só em 1613, é que foi obtida autorização das autoridades chinesas para construção de três baluartes, somente para a defesa costeira. Além disso, os jesuítas conseguiram, também, autorização para a edificação de uma fortaleza no alto da colina de S. Paulo do Monte, e essa obra iniciou-se em 1616 e só ficou concluída em 1626, portanto, já depois da invasão dos holandeses.

Portanto, aquele receio de um ataque dos holandeses veio a confirmar-se quando, no dia 22 de Junho de 1622, apareceu ao largo de Macau, uma esquadra composta por 14 navios, além de duas embarcações inglesas.

O ataque foi estudado e planeado in loco. Na noite de 22 de Junho, o Almirante Cornelius Reijersen enviou três homens, acompanhados de um guia chinês, para fazerem o reconhecimento das imediações da cidade e, também, para sondar se os chineses que habitavam nas aldeias chinesas se manteriam neutros, em caso de um ataque dos holandeses. Passaram por aldeias chineses e verificaram que os chineses já tinham abandonado as suas casas, com receio de ataque dos holandeses.

Na manhã seguinte, o Almirante Cornelius embarcou numa lancha com alguns oficiais para fazer o reconhecimento do local mais apropriado para o desembarque das suas tropas.

Entretanto, para desviar a atenção dos portugueses, no dia 23 à tarde, três navios holandeses surgiram ao largo do baluarte de S. Francisco e dispararam alternadamente na direcção do baluarte, e só ao pôr-do-sol é que se retiraram. Como os navios holandeses se encontravam relativamente afastados, os tiros que deram não causaram dano ao baluarte. Foi apenas uma demonstração de força.

Repetiram a mesma cena na manhã seguinte, voltando a dispersar a atenção dos portugueses, para não dar indicações sobre o local do desembarque. Desta vez, aproximaram-se mais do baluarte de S. Francisco e como este baluarte estava equipado com um canhão de longo alcance (uma columbrina), fizeram fogo contra um dos navios – o Gallias, que foi atingido com vários tiros e ficou inutilizado para o combate.

Essas manobras realizadas por navios holandeses eram apenas uma simulação, pois o Almirante Cornelius já tinha decidido que o ataque seria feito por terra.

O local escolhido para o desembarque de 800 soldados foi a Praia de Cacilhas, o qual se realizou na manhã do dia 24 de Junho de 1622, cerca de 2 horas depois do nascer do sol.

Os primeiros invasores conseguiram chegaram à praia, transportados por botes. Em seguida, queimaram um barril de pólvora molhada para fazer uma cortina de fumo, cobrindo, assim, o desembarque dos restantes soldados.

Este ataque deu-se numa altura em que a maioria dos moradores se encontrava em Cantão. Foram lá fazer compras para a próxima viagem para o Japão.

Possivelmente, o Almirante Cornelius sabia disso. Sabia que, além de a cidade não estar fortificada, havia poucos homens capazes de combater. Como estava muito confiante em conseguir, facilmente, tomar a cidade, por isso, não permitiu o embarque dos ingleses, para não partilharem o espólio de guerra.

Para demonstrar alguma resistência aos invasores, um grupo de moradores, liderado por António Cavalinho, entrincheirou-se num banco de areia junto à praia.

Como os defensores não podiam ver o desembarque dos inimigos, devido àquela cortina de fumo, começaram a disparar, ao acaso, e dispararam vários tiros de mosquete contra a cortina de fumo e, por sorte, um dos tiros atingiu no ventre do almirante Cornelius, que caiu ferido, e foi levado de imediato para o seu navio.

Nestas circunstâncias, o veterano capitão Hans Ruffijn assumiu o comando da força atacante, organizou a formação da tropa e preparou 600 homens para invadir a Cidade, deixando duas companhias, ou seja, 200 homens, na rectaguarda, junto à praia, para cobrir a retirada, caso o ataque falhasse.

Como não era possível deter o avanço dos inimigos, António Cavalinho deu ordem de retirada aos seus homens e retrocederam até a um sítio, onde havia uns penhascos e puseram-se de emboscada à espera dos inimigos.

Assim que souberam que o ataque dos holandeses era por terra e não por mar, solicitaram logo o envio de reforços, tendo sido despachados 50 mosqueteiros sob as ordens do capitão João Soares Vivas.

Naquela altura não havia governador de Macau, encarregado da defesa da Cidade. Quem governava era o Capitão-mor da Viagem do Japão, Lopo Sarmento de Carvalho, que levou consigo um punhado de homens para defender a via de acesso à Cidade. Naquele local, não havia sequer muralha ou porta da Cidade. Havia apenas um bambual, onde podiam armar uma emboscada. (O bambual foi destruído pelo então proprietário Filipe Lourenço Matos, em 1791 e transformou-o numa horta. Mais tarde, esta horta foi adquirida por Rita Begman, passando a ser conhecida por Horta Begman. No século XIX, Caetano Gomes da Silva passou a ser o proprietário da Horta e, por fim, foi adquirida por Francisco Volong, que ainda hoje tem nome de rua).

Depois de todos os preparativos, o capitão Ruffijn deu ordens para iniciar a marcha em direcção à Cidade. Enquanto marchavam ao ritmo de tambores e entre gritos e cânticos, às tantas, estavam surpreendidos por não ver gente, nem a mínima resistência à frente deles.

Assim, sem oposição, aceleraram a marcha. Quando o exército holandês chegou ao sítio conhecido por Fontinha, deu-se então o momento decisivo da invasão. No alto da fortaleza do Monte, ainda em construção, estava um padre jesuíta, de nome Giacomo Rho (ou Jerónimo Rho), um grande matemático e astrónomo, que, ao ver o exército inimigo ali concentrado, já dentro do alcance de um tiro de canhão, disparou uns tiros em direcção àquele sítio, um dos quais acertou em cheio num vagão carregado de barris de pólvora.

Deu-se então uma grande explosão, matando mais de uma centena de soldados e ferindo outros tantos. Foi um golpe fatal, que liquidou todas as esperanças dos holandeses. O exército inimigo ficou completamente desorientado. O capitão Ruffijn ainda exortou os seus compatriotas a combaterem. Mas como a desgraça não vinha só, o capitão Ruffijn foi atingido por um tiro e caiu morto.

Naquele momento, as tropas holandesas estavam apavoradas e até desnorteadas, porque estavam sem comando. Vários mercenários desertaram e um dos quais era um japonês, que veio informar aos portugueses que os invasores estavam em desespero, por falta de munições. Devido à escassez de pólvora, os invasores não estavam em condições de continuar a combater.

Vendo-os em pânico, Lopo Sarmento de Carvalho fez sinal para o contra-ataque. Aos gritos de guerra, moradores, filhos da terra e escravos negros juntaram-se às tropas portuguesas e lançaram-se em força contra o inimigo. (Moradores incluíam comerciantes portugueses, espanhóis, filipinos, malaios, frades, padres jesuítas, etc. Portanto, os defensores eram, por assim dizer, uma força das “Nações Unidas”).

Consta que surgiram uns escravos negros bêbados, que se lançaram contra os inimigos, matando todos os que viam à sua frente.

A debandada foi geral. Enquanto os holandeses retrocediam, as duas companhias de rectaguarda, que deveriam proteger a retirada dos seus companheiros, fugiram em pânico para os seus navios, sem disparar um tiro.

Os que conseguiram chegar à praia de Cacilhas, fugiram em botes, um dos quais, muito superlotado, até se afundou. Os que não conseguiram fugir, incluindo os feridos, renderam-se, ficando prisioneiros.

Os holandeses sofreram nesta batalha, conhecida por Batalha de Macau, a sua maior derrota contra os portugueses no Oriente, porquanto, segundo uma estimativa mais fiável, o número de mortos teria sido por volta de 300 soldados, incluindo mercenários japoneses e bandaneses.

Sabe-se que Jan Pieterszoon Coen, Governador-geral das Índias Orientais Neerlandesas, em Batávia (hoje Jacarta), quando recebeu a notícia da derrota, ficou extremamente irritado e amargurado, tendo dito que “desta maneira vergonhosa, perdemos a maioria de nossos melhores homens, juntamente com a maior parte das armas”, visto que morreram na batalha entre oficiais holandeses, sete capitães, quatro tenentes, sete alferes e sete sargentos.”

in “A maior derrota dos holandeses no Oriente” do Prof. Manuel Basílio (edição do autor, Fevereiro de 2022)

Proposta que Festa da Cidade seja na Praça do Tap Seac

Este livro foi escrito para recordar o grande feito de armas alcançado por portugueses contra a invasão dos holandeses, que ocorreu em 24 de Junho de 1622 e que este ano completa 400 anos. Foi uma batalha decisiva para a sobrevivência da cidade de Macau, que ficou conhecida por Batalha de Macau. Caso os holandeses tivessem vencido a batalha, então o rumo da história seria outro e decerto não estaríamos cá. O Dia da Cidade deixou de ser celebrado depois de 1999. No entanto, a partir do ano de 2007, várias associações de matriz portuguesa uniram esforços e organizaram uma festa, designada Arraial de S. João, para reavivar as Festas de S. João, que outrora se realizavam em Macau. Foi uma iniciativa digna de todos os louvores. Agora, como o Dia da Cidade deixou de ser celebrado, proponho que o Arraial de S. João, caso este ano volte a ser realizado, seja designado Festa da Cidade e Arraial de S. João, e que esta Festa da Cidade (em vez de festa do Dia da Cidade) tenha a participação das principais comunidades de Macau, não só portuguesa, como também chinesa, filipina, malaia, tailandesa, indonésia, japonesa, etc. pois todas essas comunidades estiveram ligadas a Macau desde os primórdios da sua fundação. Penso que foi com este espírito que a comunidade chinesa foi convidada a integrar nas Festas de S. João, realizadas nos anos de 1954, 1955 e 1956, no terraço do Mercado de S. Domingos, (inaugurado em 31 de Janeiro de 1950). O sítio que proponho para esta Festa da Cidade é a Praça do Tap Seac, que mais espaçosa e com mais significado, pois está localizada mesmo junto do sítio onde se decidiu a vitória dos portugueses.

Manuel Basílio




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