O livro do prof. Manuel Basílio intitulado “A maior derrota dos holandeses no Oriente”, lançado no Clube Militar na sexta-feira vai ser traduzido para chinês, para ser apresentado em 24 de Junho, o Dia da Cidade. A decisão foi tomada por Jorge Fão, presidente da Assembleia Geral da APOMAC, após o interesse despertado pela minúcia do detalhe investigativo da obra, durante a cerimónia de lançamento da versão em português
Com
a sala composta, o actual presidente dos Estudos Europeus de Macau e
ex-presidente do Leal Senado, José Luís Sales Marques salientou a importância
da batalha de 24 de Junho de 1624, para a sobrevivência de Macau, já que, em
tempos da dominação filipina, o território ainda sem fortificações, parecia
presa fácil para a expansão holandesa a partir da Indonésia.
Sales
Marques destacou que, após essa surpreendente vitória, o Leal Senado fez um
voto solene, pelo qual foi instituída uma festa em honra de São João Baptista,
o Santo Protector da Cidade, com missa e procissão, a celebrar anualmente. Há
desconhecimento se sempre assim foi, mas no século 19 e 20 essa celebração está
documentada e a partir de época mais recente o 24 de Junho passou a ser
feriado, considerado como “Dia da Cidade”, o que terminou a partir de 1999.
A
sessão iniciou com a apresentação do autor feita pelo administrador do Jornal Tribuna
de Macau, que realçou que o lançamento da obra de Manuel Basílio se enquadra no
início das comemorações da entrada no quadragésimo ano de publicação do jornal,
que vão decorrer durante este ano e que terão o seu momento mais alto em 1 de
Novembro de 2022.
De
acordo com os historiadores, o Tribuna de Macau já bateu o recorde de
longevidade de todas as publicações regulares de Macau em língua portuguesa,
desde que em 1822, o jornal “Abelha da China” foi o primeiro jornal local em
língua portuguesa, tipo ocidental, publicado na Região.
José
Rocha Diniz enalteceu o árduo e desinteressado trabalho de investigação do
autor (o livro foi edição do autor) que já tem várias outras obras publicadas
sobre Macau, onde nasceu, e manifestou-lhe a continuidade do apoio da Tribuna e
da Sociedade Editorial que a edita, em novos trabalhos. In “Jornal
Tribuna de Macau” - Macau
Extracto da intervenção de Manuel Basílio
Uma
história que dava um filme
A
história da “Batalha de Macau” em Junho de 1624 ainda está cheia de hiatos,
pois são poucas as fontes em primeira mão, e mesmo elas apresentam
contradições. Neste livro o Prof Manuel Basílio apresenta a versão mais
credível desta fantástica história que dava um grande filme.
Eis
um extracto da sua intervenção no lançamento do livro:
“As
primeiras tentativas dos holandeses para tomarem a cidade de Macau ocorreram
logo no virar do século XVII, em 1601. Depois voltaram em 1603 e em 1604, mas
sem sucesso. Houve ainda uma nova tentativa dos holandeses em 1607, mas as suas
embarcações foram atacadas por seis navios portugueses, que os puseram em fuga.
Naquela
altura, a cidade de Macau não estava fortificada, porque até então, as
autoridades chinesas nunca permitiram a fortificação da cidade, com receio de
os portugueses servirem-se dela como defesa contra os chineses.
A
fortificação da cidade fora uma constante preocupação dos jesuítas e, por isso,
em 1606, construíram à volta do Colégio e da igreja de S. Paulo (inaugurada em
1603), uma cerca muralhada, para a protecção das suas propriedades. (Existe
ainda um troço no Beco do Craveiro), na Rua do Monte (Faca, Missó, Craveiro,
Porco).
Depois
daquelas primeiras tentativas dos holandeses, seguiu-se um período de acalmia,
devido à Trégua dos Doze Anos, firmada em 1609 entre a Espanha e as Províncias
Unidas (lideradas pela Holanda e Zelândia), e Macau beneficiou dessa trégua. O
período da trégua terminou em 1621, e logo no ano seguinte, os holandeses
voltaram com uma poderosa esquadra para invadir a cidade de Macau. Os
holandeses tinham informações de que a cidade não estava devidamente
fortificada e, portanto, poderia ser conquistada com relativa facilidade, com
uma força militar de 800 a 1000 homens.
De
facto, durante mais de meio século, a cidade de Macau esteve desprotegida,
devido às restrições impostas pelas autoridades chinesas. Só em 1613, é que foi
obtida autorização das autoridades chinesas para construção de três baluartes,
somente para a defesa costeira. Além disso, os jesuítas conseguiram, também,
autorização para a edificação de uma fortaleza no alto da colina de S. Paulo do
Monte, e essa obra iniciou-se em 1616 e só ficou concluída em 1626, portanto,
já depois da invasão dos holandeses.
Portanto,
aquele receio de um ataque dos holandeses veio a confirmar-se quando, no dia 22
de Junho de 1622, apareceu ao largo de Macau, uma esquadra composta por 14
navios, além de duas embarcações inglesas.
O
ataque foi estudado e planeado in loco. Na noite de 22 de Junho, o Almirante
Cornelius Reijersen enviou três homens, acompanhados de um guia chinês, para
fazerem o reconhecimento das imediações da cidade e, também, para sondar se os
chineses que habitavam nas aldeias chinesas se manteriam neutros, em caso de um
ataque dos holandeses. Passaram por aldeias chineses e verificaram que os
chineses já tinham abandonado as suas casas, com receio de ataque dos
holandeses.
Na
manhã seguinte, o Almirante Cornelius embarcou numa lancha com alguns oficiais
para fazer o reconhecimento do local mais apropriado para o desembarque das
suas tropas.
Entretanto,
para desviar a atenção dos portugueses, no dia 23 à tarde, três navios
holandeses surgiram ao largo do baluarte de S. Francisco e dispararam
alternadamente na direcção do baluarte, e só ao pôr-do-sol é que se retiraram.
Como os navios holandeses se encontravam relativamente afastados, os tiros que
deram não causaram dano ao baluarte. Foi apenas uma demonstração de força.
Repetiram
a mesma cena na manhã seguinte, voltando a dispersar a atenção dos portugueses,
para não dar indicações sobre o local do desembarque. Desta vez, aproximaram-se
mais do baluarte de S. Francisco e como este baluarte estava equipado com um
canhão de longo alcance (uma columbrina), fizeram fogo contra um dos navios – o
Gallias, que foi atingido com vários tiros e ficou inutilizado para o combate.
Essas
manobras realizadas por navios holandeses eram apenas uma simulação, pois o
Almirante Cornelius já tinha decidido que o ataque seria feito por terra.
O
local escolhido para o desembarque de 800 soldados foi a Praia de Cacilhas, o
qual se realizou na manhã do dia 24 de Junho de 1622, cerca de 2 horas depois
do nascer do sol.
Os
primeiros invasores conseguiram chegaram à praia, transportados por botes. Em
seguida, queimaram um barril de pólvora molhada para fazer uma cortina de fumo,
cobrindo, assim, o desembarque dos restantes soldados.
Este
ataque deu-se numa altura em que a maioria dos moradores se encontrava em
Cantão. Foram lá fazer compras para a próxima viagem para o Japão.
Possivelmente,
o Almirante Cornelius sabia disso. Sabia que, além de a cidade não estar
fortificada, havia poucos homens capazes de combater. Como estava muito
confiante em conseguir, facilmente, tomar a cidade, por isso, não permitiu o
embarque dos ingleses, para não partilharem o espólio de guerra.
Para
demonstrar alguma resistência aos invasores, um grupo de moradores, liderado
por António Cavalinho, entrincheirou-se num banco de areia junto à praia.
Como
os defensores não podiam ver o desembarque dos inimigos, devido àquela cortina
de fumo, começaram a disparar, ao acaso, e dispararam vários tiros de mosquete
contra a cortina de fumo e, por sorte, um dos tiros atingiu no ventre do
almirante Cornelius, que caiu ferido, e foi levado de imediato para o seu
navio.
Nestas
circunstâncias, o veterano capitão Hans Ruffijn assumiu o comando da força
atacante, organizou a formação da tropa e preparou 600 homens para invadir a
Cidade, deixando duas companhias, ou seja, 200 homens, na rectaguarda, junto à
praia, para cobrir a retirada, caso o ataque falhasse.
Como
não era possível deter o avanço dos inimigos, António Cavalinho deu ordem de
retirada aos seus homens e retrocederam até a um sítio, onde havia uns
penhascos e puseram-se de emboscada à espera dos inimigos.
Assim
que souberam que o ataque dos holandeses era por terra e não por mar,
solicitaram logo o envio de reforços, tendo sido despachados 50 mosqueteiros
sob as ordens do capitão João Soares Vivas.
Naquela
altura não havia governador de Macau, encarregado da defesa da Cidade. Quem
governava era o Capitão-mor da Viagem do Japão, Lopo Sarmento de Carvalho, que
levou consigo um punhado de homens para defender a via de acesso à Cidade.
Naquele local, não havia sequer muralha ou porta da Cidade. Havia apenas um
bambual, onde podiam armar uma emboscada. (O bambual foi destruído pelo então
proprietário Filipe Lourenço Matos, em 1791 e transformou-o numa horta. Mais
tarde, esta horta foi adquirida por Rita Begman, passando a ser conhecida por
Horta Begman. No século XIX, Caetano Gomes da Silva passou a ser o proprietário
da Horta e, por fim, foi adquirida por Francisco Volong, que ainda hoje tem
nome de rua).
Depois
de todos os preparativos, o capitão Ruffijn deu ordens para iniciar a marcha em
direcção à Cidade. Enquanto marchavam ao ritmo de tambores e entre gritos e
cânticos, às tantas, estavam surpreendidos por não ver gente, nem a mínima
resistência à frente deles.
Assim,
sem oposição, aceleraram a marcha. Quando o exército holandês chegou ao sítio
conhecido por Fontinha, deu-se então o momento decisivo da invasão. No alto da
fortaleza do Monte, ainda em construção, estava um padre jesuíta, de nome
Giacomo Rho (ou Jerónimo Rho), um grande matemático e astrónomo, que, ao ver o
exército inimigo ali concentrado, já dentro do alcance de um tiro de canhão,
disparou uns tiros em direcção àquele sítio, um dos quais acertou em cheio num
vagão carregado de barris de pólvora.
Deu-se
então uma grande explosão, matando mais de uma centena de soldados e ferindo
outros tantos. Foi um golpe fatal, que liquidou todas as esperanças dos
holandeses. O exército inimigo ficou completamente desorientado. O capitão
Ruffijn ainda exortou os seus compatriotas a combaterem. Mas como a desgraça
não vinha só, o capitão Ruffijn foi atingido por um tiro e caiu morto.
Naquele
momento, as tropas holandesas estavam apavoradas e até desnorteadas, porque
estavam sem comando. Vários mercenários desertaram e um dos quais era um
japonês, que veio informar aos portugueses que os invasores estavam em
desespero, por falta de munições. Devido à escassez de pólvora, os invasores
não estavam em condições de continuar a combater.
Vendo-os
em pânico, Lopo Sarmento de Carvalho fez sinal para o contra-ataque. Aos gritos
de guerra, moradores, filhos da terra e escravos negros juntaram-se às tropas
portuguesas e lançaram-se em força contra o inimigo. (Moradores incluíam
comerciantes portugueses, espanhóis, filipinos, malaios, frades, padres
jesuítas, etc. Portanto, os defensores eram, por assim dizer, uma força das
“Nações Unidas”).
Consta
que surgiram uns escravos negros bêbados, que se lançaram contra os inimigos,
matando todos os que viam à sua frente.
A
debandada foi geral. Enquanto os holandeses retrocediam, as duas companhias de
rectaguarda, que deveriam proteger a retirada dos seus companheiros, fugiram em
pânico para os seus navios, sem disparar um tiro.
Os
que conseguiram chegar à praia de Cacilhas, fugiram em botes, um dos quais,
muito superlotado, até se afundou. Os que não conseguiram fugir, incluindo os
feridos, renderam-se, ficando prisioneiros.
Os
holandeses sofreram nesta batalha, conhecida por Batalha de Macau, a sua maior
derrota contra os portugueses no Oriente, porquanto, segundo uma estimativa
mais fiável, o número de mortos teria sido por volta de 300 soldados, incluindo
mercenários japoneses e bandaneses.
Sabe-se
que Jan Pieterszoon Coen, Governador-geral das Índias Orientais Neerlandesas,
em Batávia (hoje Jacarta), quando recebeu a notícia da derrota, ficou
extremamente irritado e amargurado, tendo dito que “desta maneira vergonhosa,
perdemos a maioria de nossos melhores homens, juntamente com a maior parte das
armas”, visto que morreram na batalha entre oficiais holandeses, sete capitães,
quatro tenentes, sete alferes e sete sargentos.”
in “A maior derrota dos holandeses no Oriente” do Prof.
Manuel Basílio (edição do autor, Fevereiro de 2022)
Proposta
que Festa da Cidade seja na Praça do Tap Seac
Este
livro foi escrito para recordar o grande feito de armas alcançado por
portugueses contra a invasão dos holandeses, que ocorreu em 24 de Junho de 1622
e que este ano completa 400 anos. Foi uma batalha decisiva para a sobrevivência
da cidade de Macau, que ficou conhecida por Batalha de Macau. Caso os
holandeses tivessem vencido a batalha, então o rumo da história seria outro e
decerto não estaríamos cá. O Dia da Cidade deixou de ser celebrado depois de
1999. No entanto, a partir do ano de 2007, várias associações de matriz
portuguesa uniram esforços e organizaram uma festa, designada Arraial de S.
João, para reavivar as Festas de S. João, que outrora se realizavam em Macau.
Foi uma iniciativa digna de todos os louvores. Agora, como o Dia da Cidade
deixou de ser celebrado, proponho que o Arraial de S. João, caso este ano volte
a ser realizado, seja designado Festa da Cidade e Arraial de S. João, e que
esta Festa da Cidade (em vez de festa do Dia da Cidade) tenha a participação
das principais comunidades de Macau, não só portuguesa, como também chinesa,
filipina, malaia, tailandesa, indonésia, japonesa, etc. pois todas essas
comunidades estiveram ligadas a Macau desde os primórdios da sua fundação.
Penso que foi com este espírito que a comunidade chinesa foi convidada a
integrar nas Festas de S. João, realizadas nos anos de 1954, 1955 e 1956, no
terraço do Mercado de S. Domingos, (inaugurado em 31 de Janeiro de 1950). O
sítio que proponho para esta Festa da Cidade é a Praça do Tap Seac, que mais
espaçosa e com mais significado, pois está localizada mesmo junto do sítio onde
se decidiu a vitória dos portugueses.
Manuel Basílio
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