Amílcar
Cabral deve estar a dar voltas na tumba, perante a indiferença dos líderes dos
povos e países tidos, historicamente, como irmãos da Guiné-Bissau. Naquele
país, está em curso um processo de institucionalização do caos, estimulado pelo
próprio presidente da República, cujo desfecho será a transformação do país num
estado falhado e, inevitavelmente, a sua entrada na órbita da francofonia, via
Senegal. É em momentos assim que se confirma que a tão cantada (por alguns)
"lusofonia" não passa de uma mistificação.
Um
grupo de quatro partidos políticos guineenses acaba de emitir uma nota de
repúdio à violenta tentativa do chefe de estado, Sissoco Embaló, de impedir a
realização do congresso do PAIGC, que já devia ter ocorrido no mês que agora
termina e que é visto como o arranque dos preparativos desse partido para as
próximas eleições legislativas e presidenciais (2024). No fim da semana
passada, forças policiais atacaram a sede do PAIGC, onde se realizava o seu
comité central, para tomar decisões acerca do congresso da organização. O
insólito ataque aconteceu na sequência de uma onda de sequestros, agressões e
assédio de militantes e deputados do PAIGC, assim como de membros da sociedade
civil, em todo o país.
Todas
os dados apontam para a responsabilidade pessoal do presidente guineense nesse
estado de coisas. A Guiné-Bissau é um estado semi-parlamentar ou
semi-presidencial (como quisermos), mais próximo do modelo francês do que do
português, mas o chefe de Estado não esconde a sua pretensão de ir além dos
poderes que o modelo lhe permite. Sissoco parece particularmente nervoso com o
crescimento da popularidade do PAIGC e do seu líder, Domingos Simões Pereira.
No
passado dia 1 de fevereiro, o presidente não hesitou em recorrer a uma
"inventona", forjando um golpe de estado que não consegue ser
cabalmente explicado até agora (golpe de estado sem a participação de unidades
militares é um mistério insondável), para resgatar a sua popularidade e,
sobretudo, justificar as medidas repressivas que logo a seguir tomaria. Logo
sete dias depois, a Rádio Capital, uma emissora independente localizada na
capital do país, Bissau, foi atacada por homens armados, que destruíram os
equipamentos da estação e agrediram vários funcionários e jornalistas.
Seguiu-se uma manobra pantomínica, envolvendo o poder judicial, para impedir a
realização do congresso do PAIGC, que deve reconfirmar Domingos Simões Pereira
como seu líder.
O
presidente guineense conta, na sua estratégia de marginalizar o PAIGC, com o
apoio de Nuno Nabiam, que foi primeiro-ministro na sequência das eleições
legislativas de 2019. As referidas eleições foram ganhas pelo PAIGC, mas sem maioria
absoluta, permitindo a Nabiam, impulsionado por Sissoco, fazer uma espécie de
"geringonça", tendo comprado os votos de três deputados eleitos pelo
partido vencedor, o que, juntando os votos de mais outros partidos, lhe
permitiu fazer maioria. Entretanto, atualmente, o presidente e o primeiro-ministro
parecem estar de costas voltadas, por causa de uma história mal contada
envolvendo um avião, drogas e outras "ninharias". Os observadores
consideram, no entanto, que, perante o crescimento do PAIGC e do respetivo
líder, Sissoco e Nabiam acabarão por entender-se novamente.
Enquanto
isso, a CEDEAO resolveu enviar um contingente militar para a Guiné-Bissau, por
pressão do Senegal. Tal força será composta por tropas senegalesas e
nigerianas, o que leva os quatro partidos que se opõem ao presidente (PAIGC,
UM, PCD e PSD) a considerar que isso visa "garantir as condições para que
Umaro Sissoco Emabaló materialize a sua agenda autocrática e realize os
compromissos assumidos no acordo de exploração do petróleo assinado com o
Senegal".
E
a CPLP? João Melo – Angola in “Diário
de Notícias”
Aníbal João da Silva Melo - Poeta e jornalista angolano, nasceu a 5 de setembro de
1955 em Luanda, Angola.
Feitos
os primeiros níveis de ensino no seu país, estudou Direito na Universidade de
Coimbra e, em Luanda, na Universidade Agostinho Neto. Contudo, não concluindo
este curso, licenciou-se em Comunicação Social na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde tirou o mestrado em Comunicação e Cultura.
Regressado
a Luanda, já como jornalista profissional, ingressou na Rádio Nacional de
Angola (RNA) e assumiu a direção de diversos meios de Comunicação Social
estatais, nomeadamente a "Agência Angola - Press Angop", o Jornal de
Angola e o semanário privado Correio da Semana.
Homem
ligado à atividade literária e artística, foi membro fundador da União de
Escritores Angolanos. Nesta condição, foi secretário-geral entre 1992 e 1996 e
Presidente da Comissão Diretiva entre 1996 e 1999.
Como
outros escritores angolanos, nomeadamente Jofre Rocha, Jorge Macedo, Garcia
Bires e Adriano Botelho de Vasconcelos, investiu na autenticidade
afro-angolana, através do empenhamento ideológico-político.
Começando
por se centrar nos temas tradicionais do imaginário africano, cantando depois o
amor e os ideais da revolução, o autor João de Melo vai constituir-se como o
primeiro poeta africano de Língua Portuguesa a "experimentar a poesia
pictórico-visual", conforme textos dos seus livros O Caçador de Nuvens, de
1993 e Limites e Redundâncias. Caracterizada pela mistura de um realismo, aliás
fortemente irónico e desvastador, com algumas "formações"
surrealistas e experimentalistas, a sua poiesis, simultaneamente eco da voz de
um sujeito militante e do coração de um sujeito lírico, surge então híbrida,
tornando-se um marco das novas gerações literárias. Manifestando uma grande
preocupação formal e linguística, os seus textos estabelecem uma relação
fundamental entre a "ética e a estética".
Na
verdade, o autor, assim como muitos outros das décadas de 80 e 90, assume uma
postura de denúncia da corrupção e das contradições do poder, através de um
sujeito de enunciação que, desiludido e desencantado com os seus referentes
revolucionários, abandona o empenhado "canto social coletivo".
Começando a percecionar a "crise das utopias" que vai enformar uma
série de interrogações, estes jovens poetas são veículos de muitas angústias
existenciais e geracionais.
Profundamente
angolana, a poesia de João de Melo intertextualiza com a de outros poetas do
mundo, nomeadamente Álvaro de Campos, Drummond de Andrade e Paulo Leminski.
Muito
diversificada, a sua temática assenta nuclearmente no Mar e na Mulher, dois
topus que se cruzam enquanto configuradores do erotismo: "Navego à vontade
no teu dongo/aliso-lhe como se fosse uma mulher/?"
O
tema da mulher e a sua relação com o mar aparece em João de Melo associado à
figura mítica de "Kianda" (sereia), enquanto símbolo da busca da
angolanidade: " /ah amada o azul terrível do mar/está todo nos teus olhos
negros/eu oiço o grito da Kianda/e ximbico sem parar sem parar."
Um
dos grandes nomes representativos da "res" poética, em Angola, é
autor dos seguintes títulos de poesia: Definição (1985); Fabulema (1986);
Poemas Angolanos (1989); Tanto Amor (1989); Canção do Nosso Tempo (1991); O
Caçador de Nuvens (1993); Limites e Redundâncias,1991 (1997); Jornalismo e
Política. Estudo (1991); Imitação de Sartre e Simone de Beauvoir.Contos (1998).
É diretor da revista África 21 in “Porto Editora”
– João de Melo (Angola) na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora.
[consult. 2022-03-30 18:12:27]. Disponível em
https://www.infopedia.pt/$joao-de-melo-(angola)
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