A questão "mais sensível" na conclusão das
negociações entre Portugal e a China sobre a transferência da administração de
Macau foi a regulamentação oficial das duas línguas, disse à Lusa o embaixador
António Santana Carlos, que liderou o processo
"Os
chineses sabem muito bem o que querem e para alterarem uma decisão é
extremamente complicado, porque há vários centros de decisão: no partido, no
governo, e muitas vezes na presidência", afirmou.
Em
entrevista à Lusa, em Lisboa, o diplomata jubilado recordou as 39 viagens que
fez para Macau durante os três anos e meio em que chefiou o Grupo de Ligação
Conjunto (GLC) em representação de Portugal, a partir de 1996.
"Tenho
um razoável conhecimento da maneira de ser dos nossos amigos chineses, não só
porque vivi intensamente o final do processo de transição, como depois estive
quatro anos em Pequim", referiu.
Atualmente
conselheiro diplomático na Câmara Municipal de Lisboa, Santana Carlos
considerou que, apesar das dificuldades, os objetivos foram cumpridos, no
processo de transição.
"Como
é habitual, aqueles assuntos mais complicados ficam, normalmente para o
fim", reconheceu, referindo-se à insistência da parte portuguesa para que
o português e o mandarim ficassem ambos consagrados como línguas oficiais, por
forma a assim vigorarem na Assembleia Legislativa, na administração e nos
tribunais.
A
medida, defendeu, foi "muito importante para a defesa da língua
portuguesa", uma premissa "fundamental".
Este
foi o assunto "mais sensível" que teve em mãos, dada a oposição da
China: "Foi um processo difícil".
Preferindo
valorizar o resultado final, o embaixador admitiu que foi necessária
"alguma combatividade" e que a discordância entre as partes levou à
suspensão de uma reunião plenária do GLC, devido à falta de acordo quanto à
agenda.
"A
China opunha-se à regulamentação oficial das duas línguas. Nós queríamos
incluir esse ponto na agenda para começar a ser debatido e a China não tinha
instruções e, portanto, dizia que não ou, pura e simplesmente -- que é uma boa
maneira que os chineses têm de manifestar uma opinião negativa -- não respondia
e o assunto ficava pendurado ", lembrou.
"Não
foi fácil de conseguir, foi preciso insistirmos muito e mantermos uma coerência
ao longo de todo esse processo", sublinhou, considerando positivo o
resultado, já que mais tarde viria a ser criado o Fórum Macau, uma plataforma
que acabou por ligar a China aos países de expressão portuguesa.
António
Santana Carlos deparou-se com a diferença de culturas e de regimes. "Nós,
ocidentais, por vezes temos consultas duplas Governo -- Presidência, mas não
com essa linha tradicional que é o partido".
Na
China, prosseguiu, o partido "pronuncia-se sobre tudo. Sobre tudo o que é
importante. E é preciso conciliar esses três centros de decisão no processo.
Portanto, houve alguns assuntos que demoraram um pouco mais de tempo a
resolver".
Para
Portugal, era importante "preservar a identidade e a singularidade"
de Macau para que não fosse "absorvido de uma forma total e rápida"
pela China. "Era fácil! Macau não é um território muito grande. Esses
assuntos foram, talvez os de mais difícil resolução", constatou.
Apesar
de já não ter acompanhado o processo, o diplomata destacou também a construção
do aeroporto de Macau como um passo importante para "dar uma maior
autonomia" ao território administrado por Portugal até dezembro de 1999.
"Esse
foi um dossiê importante, já estava resolvido quando cheguei a Macau",
declarou.
Questionado
sobre o cumprimento das bases que ditaram o acordo entre Portugal e a China fez
um balanço positivo, com uma ressalva: "É claro que Macau não tem uma lei
da greve, mas com a administração portuguesa essa lei também não existia".
Portugal
conseguiu também que não vigorasse a pena de morte em Macau e que as forças
militares chinesas não entrassem no território logo à meia-noite do dia 20 de
dezembro de 1999, mas no dia seguinte.
"Entraram
oito horas depois, mas a transição foi completamente civil. Como não existiam
forças militares em Macau, esse foi o nosso argumento para não ser uma coisa
simultânea, com o final do processo de transição", relatou. In “Notícias
ao Minuto” - Portugal com “Lusa”
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