SÃO
PAULO – Como jornalista ele sabe escrever um texto direto e agradável, mas é
também não só um estudioso da Literatura Portuguesa como um historiador
rigoroso, pois sempre que pode está imerso nos arquivos. Dificilmente faz
citações com base em livros impressos porque, se um historiador do século XIX,
por exemplo, fez alguma citação errada, o equívoco acaba por ser repetido
indefinidamente.
O
fundamental, sabe, é ir direto às fontes, aos documentos da época, que estão
nos arquivos de Portugal e do Brasil. E evitar um olhar anacrônico sobre fatos
e comportamentos dos homens nos séculos passados, apresentando personagens
históricos como bufões, pois é daí que surge essa ênfase no pitoresco, naquilo
que hoje pode soar como engraçado e atrair leitores incautos. Adelto Gonçalves
acaba de publicar O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797, pela Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo (Imesp). Adelto é autor ainda de alguns romances, todos muito bem
escritos, altamente criativos. Seu depoimento:
“O
livro procura analisar os nove anos do governo Lorena (1788-1797), mostrando a
atuação do governador e capitão-general d. Bernardo José Maria da Silveira e
Lorena (1756-1818) para conciliar os interesses da metrópole com as
reivindicações das lideranças locais que, não raro, viam com reservas os
representantes da Coroa. É de se lembrar que Lorena recebeu uma capitania mais
organizada do que os seus antecessores e soube, sobretudo, aproveitar-se disso
para colocá-la numa situação mais favorável em relação às demais da América
portuguesa. Em pouco tempo, a capitania paulista ganhou maior importância
política e econômica, como prova o papel de destaque que teve na gestação do
processo que resultou na separação do Brasil de Portugal”.
“É
de se ressaltar que o período anterior sempre foi apontado por contemporâneos e
historiadores mais antigos como de extrema miséria e de obscurantismo na
história da América portuguesa, que coincide com a perda de sua autonomia em
1748, depois de ter alcançado uma situação destaque, à época da capitania
vicentina, como centro propulsor da penetração para o interior de América, o
que se deu a partir da descoberta das minas de ouro. Este trabalho contesta e
relativiza essa visão, mostrando que essa ideia, provavelmente, fazia parte de
uma estratégia política das elites contemporâneas para reivindicar melhorias,
pois esse quadro não se justifica”.
“Ao
contrário do que a historiografia tradicional sempre defendeu, a capitania de
São Paulo não vivia isolada nem tampouco estava despovoada, sobrevivendo de uma
economia de subsistência, à época da chegada do governador d. Luís Antônio de
Sousa Botelho, o morgado de Mateus (1722-1798), em 1765, quando deixou de ficar
adjudicada à capitania do Rio de Janeiro. Esse período que se iniciara em 1748
sempre foi visto por historiadores mais antigos, como Roberto Simonsen
(1889-1948) e Caio Prado Júnior (1907-1990), como de completa decadência e
isolamento em relação às demais regiões da América portuguesa, em comparação
com as capitanias do Nordeste e da zona de mineração, que apresentavam padrões
de crescimento superiores”.
“Hoje,
esse conceito tem sido revisto ou relativizado, ao reconhecer-se que, se São
Paulo não dispunha de uma economia pautada na grande lavoura monocultura e escravista
nem na extração mineral, teve participação decisiva no avanço em direção ao
Oeste e à descoberta das minas de ouro ao final do século XVII, além de,
geograficamente, localizar-se no entroncamento de importantes circuitos
regionais, terrestres e fluviais. E que esse fator continuou a pesar
decisivamente no rumo do desenvolvimento da capitania”.
“Lorena
era muito ligado ao capitalista Jacinto Fernandes Bandeira, grande negociante
de Lisboa, que tinha livre acesso ao governo no Reino e passara a cuidar de
seus negócios particulares em Portugal. Em contrapartida, Lorena facilitava os
negócios de Bandeira com a América portuguesa. Ou seja: a venalidade constituía
uma prática corriqueira, pois, embora por lei o governador e capitão-general
não pudesse fazer negócios particulares, acabava para fazê-lo por interpostas
pessoas. Lorena seguia também a orientação do ministro Martinho de Melo e
Castro, do Ultramar, que procurava diminuir a influência dos traficantes
fluminenses de escravos, que já haviam estabelecido relações altamente
lucrativas nas possessões portuguesas na África. Não obteria êxito porque, a
essa altura, já houvera uma inversão na relação reino-colônia: ou seja, a
América portuguesa já era economicamente mais poderosa que Portugal”.
“Da
vida privada de Lorena, há registros posteriores, ditados pela tradição oral,
mas não corroborados por documentos de arquivo, segundo os quais ele e sua
comitiva eram gente que não poupava a violência quando falsas promessas e
astúcias não bastavam para a corrupção de donzelas incautas. Diziam que, à
noite, ele costumava invadir sorrateiramente os quintais das propriedades
próximas à casa do governo atrás de donzelas.
Tendo 32 anos de idade ao chegar a São Paulo, Lorena era solteiro e logo
manteria duas amantes paulistas que atuariam como intermediárias em muitos
negócios do governo. Depois de São Paulo, Lorena foi governador e
capitão-general de Minas Gerais e, em 1807, tornou-se vice-rei da Índia,
ficando lá até 1816. Voltou para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1818”. Rivaldo
Chinem - Brasil
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O
Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo –
1788-1797, de Adelto Gonçalves, com prefácio de
Kenneth Maxwell, texto de apresentação de Carlos Guilherme Mota e fotos de Luiz
Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 408 páginas, R$
70,00, 2019. Site: www.imprensaoficial.com.br
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Publicado originalmente no site MegaBrasil (www.megabrasil.com.br).
Rivaldo Chinem é autor vários
livros, como “Terror Policial” com Tim Lopes (Global), Sentença – Padres e
Posseiros do Araguaia” (Paz eTerra), “Imprensa Alternativa – Jornalismo de
Oposição e Inovação” (Ática), “Comunicação Corporativa” (Escala, com prefácio
de Heródoto Barbeiro),
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