O projeto será implantado em escolas de localidades na
fronteira com Portugal, que passarão a ministrar o ensino do português como
língua curricular. E “o papel desempenhado pelo Camões, I.P. em território
espanhol foi, sem dúvida, determinante”, destaca Filipa Soares, coordenadora do
Ensino de Português em Espanha e Andorra
O
projeto das Escolas Bilingues de Fronteira, lançado pela Organização dos
Estados Ibero-americanos (OEI), vai promover o bilinguismo e a
interculturalidade nas escolas das cidades de fronteira de Espanha e Portugal,
bem como do Brasil com os países de língua espanhola com os quais faz
fronteira.
Durante
a Conferência Internacional das Línguas Portuguesa e Espanhola, que decorreu a
21 e 22 de novembro, em Lisboa, o secretário-geral da OEI, Mariano Jabonero,
afirmou que o projeto arrancará no próximo ano letivo (2020-2021) em 10 escolas
do ensino básico espanholas. São estabelecimentos de ensino implantados em
localidades na fronteira com Portugal e que passarão a ter o ensino do
português como língua curricular.
À
margem da Conferência, o presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da
Língua (Camões, I.P.) disse ao ‘Mundo Português’ que o Instituto é responsável
pelo ensino do português do outro lado da fronteira e que este é um projeto a
ter “lugar em todas as zonas de fronteira”. “É um projeto muito importante, é
um dos caminhos para se sedimentar este encontro de culturas: criar um espaço
de conhecimento mútuo de uma e de outra língua”, frisou Luís Faro Ramos,
revelando que está a ser dinamizado com as ‘Consejería de Educación’ de várias
regiões espanholas através “de um contato regular e muito estreito” com a
Coordenação de Ensino de Português em Espanha.
“Trata-se
de um projeto da OEI, com o envolvimento do Ministério de Educação português e
das autoridades educativas espanholas nacionais e autonómicas, mas onde o papel
desempenhado pelo Camões, I.P. em território espanhol foi, sem dúvida,
determinante”, destaca Filipa Soares, coordenadora do Ensino de Português em
Espanha e Andorra.
“É,
sem dúvida, um projeto aliciante que pretende fomentar a interculturalidade e a
convivência entre regiões geograficamente próximas”, acrescenta.
Património linguístico de 270 milhões de falantes
O
projeto das Escolas Bilingues de Fronteira teve o seu lançamento na 30ª Cimeira
Luso-Espanhola, realizada em Valhadolid em novembro de 2018. No documento final
lê-se que Espanha e Portugal comprometeram-se, em matéria de educação, “a
apoiar experiências educativas bilingues em zonas transfronteiriças com a
participação dos sistemas educativos de ambos os países e a participação das
comunidades educativas regionais e locais, as escolas, os professores e as
famílias, para promover a educação bilingue, partilhar práticas, fomentar o
conhecimento e o reconhecimento mútuo, estreitar laços de convivência e valorar
a diversidade cultural incluindo com o apoio e a cooperação das instituições
educativas multiculturais ibero-americanas e a OEI”.
Do
lado português, a dinamização deste novo projeto cabe ao Camões, I.P., que
assumiu em 2010 a rede de Ensino de Português no Estrangeiro (EPE). Filipa
Soares refere que o Instituto criou “um novo paradigma de ensino da língua
portuguesa que, sem descurar o ensino do português como língua de herança e
língua materna, catapultou o interesse pela aprendizagem do português junto da
comunidade hispanofalante, outorgando-lhe um novo estatuto e despojando-o do
estatuto periférico, quase guetizado, a que estava circunscrito”.
Uma
nova forma de ação que “favoreceu a tomada de consciência, por parte da
comunidade espanhola, do valor da língua portuguesa como língua
pluricontinental e pluricêntrica, património linguístico de 270 milhões de
falantes, capaz de abrir um mundo de oportunidades infinitas a nível laboral,
científico e de comunicação num mundo global, contribuindo para o crescimento
exponencial do ensino da língua portuguesa em Espanha”, elogia.
As
Escolas Bilingues de Fronteira são um exemplo da afirmação do projeto iniciado
em 2010 pelo Camões, I.P., mas a sua aplicação no terreno vai materializar-se
por conta dos memorandos de entendimento que o Instituto português assinou com
as diferentes regiões autónomas espanholas, “designadamente com a Andaluzia,
Galiza, Castela e Leão e Extremadura”, recorda a coordenadora do EPE em
Espanha.
Antes
desses houve o Memorando de Entendimento assinado entre o Ministério dos
Negócios Estrangeiros, o Ministério da Educação e Ciência da República
Portuguesa e o Ministério da Educação, Cultura e Desporto do Reino de Espanha,
no âmbito do ensino não superior e da língua, assinado em 2012, no Porto,
durante a 45ª Cimeira Luso-espanhola, quando foi estabelecido “um Plano de
Atuação para a promoção das línguas portuguesa e espanhola nos sistemas
educativos de ambos países, favorecendo o intercâmbio de informação em matéria
educativa, nomeadamente no quadro da formação profissional e da avaliação do
sistema educativo”, recorda Filipa Soares.
Fomentar o bilinguismo desde os primeiros anos
Do
que consta, exatamente, o projeto das Escolas Bilingues de Fronteira? A
responsável pelo EPE em Espanha diz que visa fomentar o bilinguismo e promover
a interculturalidade entre o português e o espanhol, “a partir dos primeiros
anos de escolaridade obrigatória”. “Penso que a grande novidade do projeto é a
interação a nível curricular que se vai estabelecer entre centros educativos a
ambos lados da fronteira”, sublinha.
Soares
diz ser importante destacar a participação “de várias instituições, organismos,
agentes externos e internos”, entre os quais o Camões, I.P, a OEI, os
diferentes ministérios e áreas educativas autonómicas, “todos eles a trabalhar
em conjunto para a afirmação e projeção da língua portuguesa no contexto
educativo espanhol e português”.
Numa
altura em que estão a decorrer contactos ministeriais entre Portugal e Espanha
e os diferentes atores envolvidos neste projeto, avança que ainda estão por
definir os níveis de ensino e o número de alunos que irão participar. “É
preciso saber se os centros educativos que integrarão o projeto são os mesmos
que configuram a atual rede de ensino de português em Espanha ou se serão
incorporadas novas escolas”, explica.
Para
já, pode-se afirmar que as Escolas Bilingues de Fronteira vão acrescentar valor
ao panorama do ensino da língua portuguesa em Espanha. “Penso que o projeto das
escolas bilingues vai reforçar a presença de ambas as línguas nos respetivos
sistemas educativos, impulsando a sua afirmação no mundo como línguas de
comunicação internacional, com valor económico, científico e cultural, capazes
de abrir um leque de oportunidades laborais num mundo global”, defende Filipa
Soares.
A
integração curricular da língua portuguesa, no âmbito desse projeto, deverá
ultrapassar a componente de bilinguismo, abrangendo atividades culturais e
outras iniciativas, até porque, como assinala Filipa Soares, a aprendizagem de
uma língua comporta sempre a organização de outras atividades. “Fomentar o
bilinguismo e a interculturalidade passa obrigatoriamente por conhecer a
cultura do outro”, afirma.
Quanto
os docentes que venham a integrar este projeto, a responsável pelo EPE em
Espanha e Andorra assegura que a formação ministrada aos professores, “não
tendo sido desenhada especificamente a pensar neste projeto”, dará resposta “às
necessidades formativas do mesmo”, já que abranger áreas direcionadas à
didática das línguas e das literaturas, avaliação, escrita criativa em contexto
escolar, comunicação em sala de aula ou tecnologias móveis em contexto
educativo entre outras.
“Uma
das prioridades do Camões, I.P. é o de fomentar um ensino de qualidade, de
excelência, através do desenvolvimento de um plano de formação contínua de
professores em parceria com os agentes educativos locais”, destaca, referindo
que desde 2010 a CEPE Espanha Andorra tem desenvolvido uma ação formativa
permanente, “que tem vindo em crescendo e que visa dar resposta às necessidades
formativas dos professores, quer da rede EPE, quer da rede de ensino dos
professores de português espanhóis”.
Para
o sucesso da implementação e desenvolvimento das Escolas Bilingues de Fronteira
será também determinante o empenho de pais e encarregados de educação. Filipa
Soares considera “elementar” a colaboração de todos e “prioritário” que todos
compreendam “que fomentar a aprendizagem das línguas portuguesa e espanhola é
outorgar ao jovem estudante as ferramentas necessárias para competir num mundo
global, onde o espaço iberoameriano será um ator primordial”.
Mais de 32 mil alunos no ensino integrado
Em
Espanha, o português pode ser estudado como língua estrangeira em todos os
níveis de ensino e tem apresentado “um crescimento exponencial nas Comunidades
Autónomas com as quais o Camões, IP assinou os memorandos de entendimento “para
a implementação, divulgação e promoção da língua e da cultura portuguesa no
sistema educativo não universitário”, indica Filipa Soares.
A
responsável recorda que em 2010 havia 9660 alunos de língua portuguesa naquele
país, dos quais 50 alunos pertenciam à rede autonómica andaluza de ensino e 9610
à rede de ensino assegurada pelo Estado português. “No processo de transição,
com a implementação da rede EPE e a assinatura dos memorandos de entendimento,
houve um crescimento significativo do ensino do português no sistema educativo
espanhol”, sublinha.
No
atual ano letivo (2019/2020), frequentam o ensino do português no básico e no
secundário, em regime de ensino integrado, 32 207 alunos, dos quais 26 451
pertencem à rede de ensino autonómico espanhola.
Através
da Coordenação de Ensino, o Camões, I.P. ainda apoia e financia a organização
de um conjunto de atividades “que promovem o conhecimento da cultura portuguesa
e da diáspora da língua portuguesa”, através da literatura, do teatro ou de
outras expressões artísticas, de que são exemplo os ‘Encontros com a
literatura’, o ‘Vamos ao teatro em português’ e o ‘Portugal no meu Pensamento’.
Filipa
Soares destaca ainda a aposta do Instituto Camões na creditação e certificação
das aprendizagens, quer através dos exames do Camões Júnior, quer através dos
exames de certificação EPE, que reconhecem as aprendizagens dos alunos e
valorizam o currículo académico dos estudantes. Ana Pinto – Portugal in “Mundo
Português”
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