Javalis, veados e outros animais arrasam culturas
Javalis,
veados e corços regressaram aos antigos ‘habitat’ da região Centro, onde agora
se multiplicam e arrasam culturas, levando as famílias a desistir das
explorações.
Os
incêndios de 2017, em que morreram 116 pessoas e extensas áreas florestais
foram destruídas, agravaram a situação, com milhares de animais com valor
cinegético a rondarem as povoações em busca de alimento.
Nas
serras da Lousã e de Sicó, nos distritos de Coimbra e Leiria, onde persistem
marcas físicas e a memória dramática do fogo, até a raposa se aproxima das
habitações. Sempre que pode, assalta os galinheiros.
Mas
há casos em que o canídeo devora os gatos domésticos ou mesmo se afeiçoa às
pessoas.
A
raposa chega a entrar descontraidamente nas casas, como acontece no Talasnal,
lugar do concelho da Lousã que integra a rede turística Aldeias do Xisto.
Reintroduzidos
há 25 anos na serra da Lousã, também os veados e corços foram descendo,
acabando por dizimar jovens plantações de espécies florestais autóctones, como
carvalhos e castanheiros, além de vinhas e outras culturas agrícolas.
Penela,
Miranda do Corvo e Condeixa-a-Nova são municípios onde sobretudo os javalis
causam prejuízos elevados, o que faz esmorecer os agricultores.
Muitos
abandonam a atividade por falta de resposta do Estado.
Às
portas de Penela, Manuel Bernardino, de 71 anos, e a irmã sentem-se
desalentados com a situação.
“Semeei
uns tremoços e os javalis estragaram tudo para andarem a foçar”, afirma o homem
à agência Lusa.
Nas
últimas semanas, “derreteram tudo” num terreno junto ao IC3, corrobora Lucília
Oliveira, explicando, contudo, que “eles não comem o tremoço por ser amargo”.
Batatais,
vinhas e campos de milho têm sido igualmente alvo da fúria dos javalis.
“Este
ano, já lá foram várias noites”, lamenta Manuel Bernardino.
A
Lusa quis saber se fez alguma participação às entidades públicas competentes:
“Para quê?”, responde.
Manuel
Alegre, outro agricultor, integrou as ações que a Confederação Nacional da
(CNA) e a Associação Distrital dos Agricultores de Coimbra (ADACO) promoveram
este ano a exigir que os lesados sejam ressarcidos pelos danos dos diversos
ungulados.
“Há
terras à beira das casas completamente abandonadas. Hoje, o javali está mais
protegido pelos governantes do que os sem-abrigo das cidades”, critica o
agricultor.
Ele
e o coordenador da ADACO, Isménio Oliveira, guiam uma visita à Lusa a locais de
Penela e Condeixa-a-Nova onde a investida dos javalis tem sido impiedosa.
“Não
podemos cultivar nada”, relata Manuel Alegre, apontando para uma vinha onde
esperava colher 60 poceiros de uvas e encheu apenas seis, em setembro, já que
os porcos do mato consumiram a maior parte dos cachos.
O
homem mostra ainda uma horta de couve troncha, que pertence a Manuel Brásio,
totalmente devastada.
Este
proprietário reclamou junto do Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF), do qual recebeu há dias resposta que não o conforma. “Sacodem
a chuva”, resume.
Na
carta do ICNF, a que a Lusa teve acesso, a diretora regional do instituto
refere que as terras em causa integram a Zona de Caça Associativa (ZCA) gerida
pela Associação de Caçadores de Penela.
“A
par das várias ações de correção de densidade, o javali tem sido explorado
todos os anos pelos processos de espera e montaria, com uma média de abates que
ronda os 10 animais por época venatória”, contribuindo a associação para
“minimizar e prevenir a ocorrência dos prejuízos”, alega Teresa Fidélis.
Ao
abrigo da lei em vigor, “não havendo entendimento entre as partes, as
indemnizações podem ser fixadas por um tribunal arbitral”, acrescenta.
Em
qualquer caso, segundo a responsável, “caberá também ao proprietário agrícola
zelar pela proteção do seu património”, instalando cercas ou outros
dispositivos.
No
Rabaçal, arredores de Penela, três explorações de caracóis foram destruídas
pelos javalis, mas os donos nunca foram ressarcidos.
“Há
um sacudir de responsabilidades”, confirma à Lusa Nelson Moita, residente em
Condeixa-a-Velha, que perdeu duas estufas onde produziu caracóis durante seis
anos.
Por
um lado, as ZCA “dizem que não têm capacidade” para indemnizar os lesados, mas
também o ICNF “descarta as responsabilidades”, acentua.
“O
Governo não pode continuar a lavar as mãos como Pilatos, perante prejuízos que
são brutais”, exige Isménio Oliveira, que é também dirigente da CNA.
Após
os fogos de 2017, a situação agravou-se e “tem levado ao abandono da
agricultura familiar”, lamentou.
“O
que os preços baixos e a falta de escoamento não conseguiram estão agora os
animais selvagens a fazê-lo”, acusa.
Entre
lama e pedras revolvidas pelos javalis, Manuel Alegre escolhe o melhor caminho
para as estufas.
Ali
jazem milhares de conchas vazias e as couves que alimentavam os caracóis
secaram.
O
abandono é total. In “Bom dia Europa” – Luxemburgo com “Lusa”
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