Os portugueses já foram muita coisa em Macau, ou não
estivéssemos a falar de quase 500 anos de história. Mas façamos ‘zoom in’ para
as últimas duas décadas, altura em que a cidade regressou à pátria-mãe. Se num
passado muito longínquo os marinheiros foram comerciantes vorazes, antes de
1999 prevalecia uma comunidade sobretudo de funcionários públicos. Após a
passagem de administração para a China mudou (quase) tudo, e aí veio ao de cima
uma característica que quase sempre se cola aos portugueses: a capacidade de
adaptação. Saltaram para o lado do “Macau novo”, aquele que nasceu nos casinos,
todo ele dourado e esplendoroso. Os arquitectos lusos ajudam a projectá-los, os
engenheiros dão-lhes forma, e os advogados são o cimento legal para que a caixa
registadora não pare de tilintar
Olharmo-nos
ao espelho e mostrarmos para fora o que somos, nem sempre é um exercício fácil,
e quando não falamos só de nós, mas de um grupo, o grau de dificuldade é
superlativo. Mas é exactamente isso que uma advogada, um economista, uma
professora, e um jornalista/historiador se propuseram a fazer em relação à
comunidade portuguesa em Macau, nos últimos 20 anos. Se, no passado, se
insuflou do poder real que a administração nos dava, há quem ache que hoje os
portugueses “são praticamente invisíveis”. Ainda assim, continuamos a
contribuir com o “nosso saber fazer” que ajuda ao progresso económico da cidade
que em 2020 será a mais rica do Mundo. E damos ainda um colorido étnico que
retira a Macau o rótulo “de mais uma cidade qualquer do Sul da China”. No
entanto, o futuro — profetizam estes portugueses — é de uma lenta, mas
inexorável diluição da sua existência no território.
Duas
décadas é um período relativamente curto, quando o colocamos em perspectiva com
cinco séculos de história, ainda assim, tempo suficiente para observar mudanças
no papel de uma comunidade. João Guedes, jornalista, e um homem que desenvolveu
um vasto conhecimento sobre a história de Macau e da China, não tem pejo em
afirmar que a transformação dos portugueses depois da passagem de soberania
para a China “foi radical”. “Diria, com um certo exagero, que a comunidade que
havia antes de 1999 desapareceu depois disso”.
Antes
dessa data, os portugueses eram um grupo que “tinha um poder político”, era “a
comunidade de referência” e “quem mandava”. No período anterior à transição,
segundo Guedes, os nacionais eram quase todos funcionários públicos. “O
emigrante português que vinha para aqui fazer um negócio, não existia. Não
havia sequer restaurantes portugueses, normalmente eram três ou quatro e não
mais”, afirma, acrescentando que estes espaços de restauração só pulularam
depois da transição. “A situação alterou-se do dia para a noite”, conclui.
Alteração
no centro do poder
O
economista Albano Martins faz um retrato cru do tom das diferenças que 20 anos
ajudaram a carregar. O homem que lidera uma das associações mais relevantes de
protecção dos animais, a ANIMA, diz que recuar no tempo é lembrar uma
“comunidade que era muito protegida”. A transferência de soberania resultou,
como é normal, numa alteração do centro de poder e de decisão que se deslocou
para a comunidade chinesa que é agora a privilegiada.
“O
acesso à administração de Macau já não existe. Está limitadíssimo. Só a
comunidade chinesa é que o tem, e nota-se que na Função Pública as chefias
portuguesas desapareceram todas”, afirma, ressalvando que no Governo de Edmund
Ho — primeiro Chefe do Executivo da RAEM — a mudança não foi imediata, mas que
depois se tornou inevitável.
Mas
esta nova realidade não é necessariamente má ou negativa. Se olharmos para as
questões económicas, os portugueses ficaram a ganhar, argumenta Albano. “A
verdade é que com a transição houve a possibilidade de alguma comunidade
portuguesa, do ponto de vista económico, ter melhores condições do que com a
administração portuguesa, em que os dinheiros estavam contados”.
Mas
se a dimensão financeira é importante, não será tudo. A questão dos direitos,
das liberdades e das garantias sempre provocou algum receio. Medo infundado,
para Albano Martins. “Mantemos os mesmos direitos. Nem mais, nem menos. Não
acho diferença nenhuma”, defende.
No
entanto, no quotidiano há coisas que se alteraram. Amélia António lembra que,
no passado, havia um serviço de censura através dos meios judiciais. Ele
evidenciava-se em processos de abuso da linguagem, ou a multiplicação de casos
de liberdade de imprensa. “Havia jornais com uma colecção de processos razoável
a correr. Hoje isso não se verifica. Não vejo que a imprensa portuguesa faça
autocensura. Nos chineses, por outro lado, há alguma censura interna”,
contrapõe.
Mas
e vivemos agora melhor ou pior? A professora do Departamento de Português da
UMAC, Maria José Grosso, há várias décadas no território, crê que as coisas
mudaram “para melhor”. Há sobretudo menos diferenças no interior da comunidade.
“Havia pessoas que viviam muito bem, mas havia mais desigualdades sociais. As
pessoas que ocupavam cargos da administração, andavam em carros negros com
motoristas. Hoje as coisas estão mais niveladas”, considera.
Uma
voz informada sobre a realidade dos portugueses em Macau é a da presidente da
Casa de Portugal, Amélia António, que afirma que a diferença mais visível,
aquela que entra pelos olhos adentro, é a transformação etária. Em 1999, a
comunidade “de uma maneira geral era constituída por pessoas mais velhas do que
actualmente”. “Há mais crianças pequenas, vem gente mais nova para o
território, e têm filhos com idades pré-escolar e escolar”, identifica. Para
esta advogada é uma consequência directa dos que saíram e dos que, entretanto,
chegaram à RAEM, muitos deles em início de carreira profissional.
O medo da mudança
Antes
de avançar, vamos dar um passo atrás para compreender o ambiente que se vivia
algum tempo antes de Portugal e da China assinarem o tratado de passagem de
transferência de soberania de Macau, mediado pelos 50 anos de transição regidos
pelo princípio de “um país, dois sistemas”.
Quando
começa a reviver o período antes da viragem de milénio, Amélia António descreve
que “uma parte das pessoas que aqui estavam, tinha história antiga”. “Muitos
tinham vindo para Macau numa fase mais conturbada da história da China.
Mantiveram sempre um certo receio”, declara.
A
esses somaram-se outros que − vindos dos territórios de língua portuguesa em
África que passaram por processos de independência − tinham ficado marcados por
situações de vida complicadas. No entanto, Macau era diferente e, por isso
mesmo, correu tudo de outra forma. No entanto, a psicologia de um grupo tem
muitas nuances. “Aqui não havia nada que pudesse causar esses receios, mas
talvez o peso mental de experiências dos próprios tenha estado na origem desses
receios”, remata a advogada.
João
Guedes lembra que, à época, ficou com a sensação de que os medos eram mais dos
que estavam em Portugal, do que daqueles que viviam em Macau. “Estávamos
habituados a lidar com a China, não haveria nada parecido ao que se passou com
Angola e Moçambique”, sublinha.
A
advogada Amélia António crítica, no entanto, o tempo reduzido que foi dado a
estas pessoas para fazerem escolhas. “Estavam a assimilar a situação e tiveram
que tomar decisões, algumas delas precipitadas”, lamenta. Por isso, houve muita
gente “que saiu por causa das regras de integração” na Administração Pública,
eram pessoas que estavam numa idade em que “à medida que se foram reformando,
regressaram ao país”. Os que voltaram, acredita, foram movidos pela insegurança
e o receio, que se revelaram infundados.
Em
consequência disto, Guedes recorda que muitos regressaram a Macau, anos mais
tarde, “porque as condições de vida em Portugal eram difíceis, e as pessoas
estavam habituadas a um determinado nível de vida aqui, e não o conseguiram
manter lá”, explica.
Uma bolha difícil de furar sem a língua
Albano
Martins – que esteve ligado durante vários anos a diversas entidades públicas e
privadas da área financeira e económica – dá o seu exemplo para ilustrar a
dificuldade de integração dentro da sociedade em Macau. “Vivemos numa bolha
fechada, não tenho dúvidas”, começa por dizer. “Vivo em Macau há 38 anos e
nunca me integrei em comunidade nenhuma”, argumenta. O mesmo declara que nunca
foi considerado como local. “Raramente a comunidade macaense me convida para
algum evento. Nós vivemos num gueto”, enfatiza. Albano acredita que este é o
retrato genérico dos portugueses no território, “tirando um ou outro
profissional” que, dada a sua posição na sociedade, “tem contactos para efectuar
com as várias comunidades”, caso contrário “cada um faz a sua vida”.
Para
o ex-funcionário da Autoridade Económica de Macau isto não é uma crítica, é
apenas uma constatação. “Poucos saem de um rolo de amizades, muito pequeno, não
há grandes sítios onde a comunidade possa estar globalmente”, afere.
O
jornalista João Guedes corrobora da ideia de separação, e dá-lhe uma imagem em
forma de mapa. “Macau é constituído por várias cidades, há a cidade chinesa, há
a pequena aldeia portuguesa, a cidade filipina, há a cidade americana e
australiana e a inglesa. Todas estas cidades convivem neste sítio. Não são
realidades virtuais, e não se misturam”.
As
diferenças culturais, que se reflectem na forma de estar são também uma
componente importante neste fenómeno. Maria José Grosso garante ter muitos
amigos chineses, e não faz diferença entre estes e os portugueses, mas é
inegável que a maneira como interage com uns e com outros “é diferente”. “Os
chineses vêm a minha casa e gostam muito de lá almoçar e jantar, mas o contrário
já não é tão frequente. O amigo chinês convida para ir a um restaurante, mas eu
tenho a sorte de ter um ou dois que me convida a ir a casa”, sublinha.
A
professora reconhece que a sua experiência não é transversal, e que para os
chineses há uma relação entre a amizade e a função. A de Maria José está bem
identificada para eles. “É a de continuar a educar e a passar determinados
conhecimentos, mas posso dizer que em Portugal não é muito diferente”, coloca a
docente em perspectiva.
Maria
José tem ao longo de algumas gerações apreciado a evolução das relações dos
portugueses com os outros grupos, e descreve que não vê grandes diferenças ao
longo dos tempos. “Nos documentos antes dessa data falava-se muito de diálogo
entre a comunidade portuguesa e a comunidade chinesa. E eu a brincar dizia que
o silêncio também é uma forma de comunicação”, garante. “Não há um racismo
evidente entre comunidades. Aqui não o vejo nem da parte dos chineses, nem da
dos portugueses, nem da parte de brasileiros, ou então devo ser uma mulher
privilegiada”, afiança.
A
língua e a dificuldade de os portugueses aprenderem o cantonês e o mandarim
justifica outra parte do distanciamento com os locais. Há muitos que têm um
nível rudimentar de conversação, mas que apenas chega para o dia-a-dia e pouco
mais. Esta especialista diz que estas “são línguas tonais”, e se pronunciarmos
mal um tom “significa logo uma coisa totalmente diferente”. Estas exigem de
quem está a aprender muito trabalho, muito estudo. Talvez por isso, nenhum dos quatro
entrevistados do Ponto Final fale ou escreva cantonês com fluência.
“Não
falo cantonense, escrevo algumas coisas, percebo outras, foi uma opção que fiz.
Em Macau, a língua dos negócios era o inglês, e essa foi aquela em que sempre
apostei”. “Mas quem pretende ficar cá deve falar a língua local, não nos é
feita segregação nenhuma, é assim que deve ser. Se não falarmos a língua local,
estaremos sempre um pouco fora do circuito”, considera.
O
facto de, durante muitos anos, o mundo dos portugueses em Macau se movimentar à
volta do português também não ajudou, segundo Amélia António. “Os macaenses que
dominavam as duas línguas eram um ‘pivot’ das relações da comunidade. As
pessoas não tinham uma grande preocupação de aprender a língua a sério. Diziam
umas coisas, era mais ou menos como a gente brinca com o francês do emigrante
que chega a Portugal, que atira umas coisas que não se percebe muito bem”,
graceja.
A
mesma advogada diz ter a sensação de que antigamente os portugueses “estavam
mais integrados”, porque viviam mais anos em Macau, e, por isso, naturalmente
conheciam mais gente, estabeleciam mais relações de amizade. Já quem chegou
mais recentemente, de uma maneira geral, não tem muito tempo para se integrar.
“Há muita gente que vem dois ou quatro anos, uma comissão ou duas, e depois
volta a casa. As pessoas vêm para aumentar o currículo, ver o Oriente, ter uma
experiência nova, não vão criar grande entrosamento com quem está”, afiança.
Outra
forma de analisar o nível de integração de uma comunidade estrangeira é o
número de casamentos mistos. Apesar da ausência de números oficiais, a
presidente da Casa de Portugal acredita que durante muito tempo eles existiram,
e que “por isso é que havia uma grande comunidade macaense”.
Posteriormente,
os que começaram a vir para esta região da China, estavam já enquadrados numa
missão, e chegavam com a família para um par de anos no território, o que
geralmente não propiciava esse tipo de relações. Mais recentemente, a advogada
afirma que se volta a ver na rua mais casais mistos “porque chegou gente mais
nova” que “vem solteira e livre” e, por isso, “essas situações acontecem”. “Mas
não se trata de um movimento contínuo”, ressalva.
Mudar sempre e em força, mas os portugueses têm poder?
Durante
anos e anos, os portugueses controlaram parte significativa da Função Pública,
e instalaram-se nessas posições. Seriam poucos os que estavam fora dessa
órbita. Entretanto, nos últimos 20 anos
tudo se alterou. A maioria dos que agora vêm, não é para a administração, mas
para empresas privadas. “É gente que, com algumas excepções, tem formação especifica,
em Direito, arquitectura, engenharia, electrónica, ou áreas artísticas”,
identifica Amélia António.
Já
João Guedes salienta a tradição do português na área jurídica de Macau, cidade
em que “as dúvidas se esclarecem em português e a jurisprudência vai-se buscar
a Portugal, porque ela não existe em Macau”. “É onde se sente mais a presença
portuguesa. Os funcionários judiciais, os advogados e os juízes, muitos deles
falam o português, e isso não se verifica nos outros sectores de actividade. É
a grande área da presença nacional”, refere.
O
crescimento da cidade para o Cotai, a ‘strip’ mais rica do Mundo, foi
acompanhada pelos portugueses. Amélia António conta que quando as empresas dos
casinos se instalaram, recorreram a gente que estava nos países de origem das
empresas-mãe, “e não passaram cartão à existência dos portugueses”. “Mas depois
perceberam que era mais fácil recrutar aqui, porque muitos de nós éramos
residentes. Começaram a perceber a vantagem e a qualidade das pessoas. E hoje
têm uma quota razoável em diferentes postos de trabalho”, valoriza.
E
como é que esta reestruturação do posicionamento social se reflectiu no poder
que a comunidade tem no território? João Guedes é peremptório: “Portugal deixou
de ter qualquer poder, entregou-o à comunidade chinesa. Nós é que pensamos,
creio eu, que ainda temos alguma influência em Macau, mas não temos. Temos
alguns elementos da comunidade influentes, mas isso é diferente”.
Por
outro lado, a presidente da Casa de Portugal crê que a capacidade de
influenciar, de apresentar propostas, de certa maneira, se mantém. “Há um
respeito pelo que acrescentamos a Macau. Se a comunidade portuguesa, a cultura
portuguesa, não existissem, a contrabalançar com o restante, Macau era igual a
Zhuhai”.
Esta
diferenciação é muito valorizada quer nos documentos políticos, quer em vários
discursos oficiais. Mas, muitas vezes, a sensação que fica é que estas ideias
são mais retóricas do que práticas. Amélia António concorda com esta leitura da
realidade, e crítica os muitos “lobbys de interesses”, que muitas vezes se
sobrepõem à política do Governo, quer de Macau, quer do Governo Central. “Há
quem se ponha em bicos dos pés em Macau, para se mostrar com mais amor à pátria
do que os outros todos. As pessoas estão convencidas de que mostram o seu amor
à pátria tentando empurrar para a frente, julgam que estão a fazer um grande
serviço, e por isso temos em Macau pessoas mais papistas do que o Papa”,
refere, sublinhando que neste território vive com uma população de ondas. O que
quer dizer isso? “Não está com o espírito de ‘eu pertenço aqui’, como a
população chinesa que é mesmo de Macau”.
Também
Albano Martins não acha que o discurso que coloca Macau como plataforma entre a
China e os países lusófonos tenha muita adesão à realidade, pelo menos numa
dimensão que beneficie os portugueses. “Se me disser que os naturais de Macau
que dominam a língua chinesa podem ser intermediários dessa plataforma, sim
continuam a ser. Macau é uma plataforma quando o empresário português exporta
para cá, mas não para criar mais postos de trabalho para os portugueses que
estão na Europa”, descreve.
Se abanar, ainda cai?
No
imaginário de qualquer português, que mal tenha ouvido falar do território, há
uma imagem que se associa de imediato a Macau: a árvore das patacas. É um termo
muito antigo que ficou na tradição oral. A expressão remonta a tempos
ancestrais, quando os portugueses vieram para Oriente. João Guedes conta que
nessa altura a prioridade número um era o comércio, e os negócios não davam
lucros de 20%, mas sim de 100%, 200% ou 300%. “E ficou a árvore das patacas,
que era a moeda mexicana, que corria aqui em Macau. A região tinha relações com
o México, através de Manila”, justifica.
O jornalista
e historiador acha que, apesar de os tempos serem outros, é natural que os
portugueses continuem a chegar a Macau com essa expectativa, porque este é um
local em que se vive substancialmente melhor em termos económicos. “Aqui não se
pagam impostos. Só isso dá para fazer poupanças, coisas que são inimagináveis
no nosso país”, valoriza.
Em
Macau ganha-se bem porque há pleno emprego, e mesmo com as rendas de casas
exageradamente altas “consegue-se viver bem”. “Pode-se viajar com frequência. É
uma vida descansada. Não vivemos o estereótipo do emigrante que vem ganhar uma
miséria. Aqui trabalha-se muito, mas ganha-se bem”, concretiza.
O
economista Albano Martins não vê a questão da mesma maneira. Na realidade,
observa-a de uma forma diametralmente oposta. “Neste momento, penso que é pouco
interessante. O custo de vida é brutalmente elevado”, defende. A isso soma-se,
na sua opinião, não haver oportunidades para os portugueses “que não tenham
Bilhete de Identidade e Residência (BIR)”. “Os que não têm BIR não têm hipótese
nenhuma de conseguir emprego cá”, identifica.
Albano
dá o exemplo dos médicos, como uma das classes mais destacadas, e na qual se
vêem poucos profissionais vindos de Portugal a chegar ao território. Na opinião
deste economista, o “sonho de Macau” só funciona “para pessoas em início da
vida, e que não se importam de bater com a cabeça, muitas vezes, até encontrar
um emprego”.
Maria
José Grosso discorda, e está convencida que Macau mantém um forte poder de
sedução. A razão mais próxima são os paupérrimos salários que se praticam em
Portugal. “Falo com professores, enfermeiros e ganham muito mal. Os vencimentos
andam na casa dos 1000/1500 euros, são 15 mil patacas”, analisa, apontando para
os rendimentos muito mais atractivos em Macau.
O português: património ou valor?
A
língua é um dos activos históricos, culturais, mas também económicos, mais
valiosos que os portugueses deixaram em Macau. Maria José, professora do Departamento
de Português da UMAC, baliza, entre 1980 e 1999, como o grande período de
ebulição da língua em Macau. Um dos factores de grande interesse, foi o
ingresso à Função Pública em que “era um requisito necessário para subir na
carreira”.
O
IPOR surge e é criado um Departamento de Língua Portuguesa na Universidade de
Macau, onde aparecem os cursos superiores. “Há toda uma efervescência em
relação ao português”, relembra. À época, o tema dominante era o bilinguismo e
a necessidade de o promover. Visto em retrospectiva, Maria José equipara o
ambiente ao de “alguém que sente que vai partir e que quer fazer uma despedida
em apoteose”.
As
expectivas não saem do papel, e depois vive-se um período de limbo, quando se
chega à conclusão de que em Macau seria muito difícil uma implementação massiva
do português e do chinês. “Isso passaria por nós sermos também bilingues”,
relembra.
Esta
professora grante que não é por falta de verbas e de investimento que a língua
portuguesa não tem feito mais progresoss. “São canalizados muitos esforços para
a formação de professores na China, não há nenhuma parte do mundo em que se
tenha feito tanto por isso”, enfatiza.
O
problema é que depois não há consequências. “Não podemos dizer que A, B ou C
têm culpa. É toda uma interacção”, explica, acrescentando que, formalmente, há
muitas coisas a acontecer, mas os investimentos não são bem concebidos e são
desfasados da realidade.
Maria
José não dúvida que a língua portuguesa vai continuar e desta vez não arrisca
grandes prognósticos. Em 1999, pensou que o idioma “ia ficar só ligado às ruas,
ao nome das casas”, mas agora crê que “tudo tem a ver com as mudanças
políticas” que se vão seguir. “Não imaginava que continuasse e desta forma, mas
a própria política linguística da China mudou. Houve a preocupação com o
português. Tem de haver um escoamento para a população ter emprego, e é nessa
conjuntura que a própria China tem uma política pró-português”, que está muito
relacionada com os negócios com os dois grandes países em termos de população
da esfera da língua portuguesa, nomeadamente Brasil e Angola.
Esta
professora acredita que o português é uma língua com futuro, porque é preciso
comunicação para haver mais comércio. Mas ressalva que “há cartas para serem
jogadas”, e “Hong Kong também terá um papel”. A docente projecta que, dentro de
algumas décadas, o português vai continuar a ouvir-se e a estudar-se em Macau,
mas não pela mão dos portugueses ou dos brasileiros, mas dos chineses que hoje
a aprendem.
A diluir
Olhar
para o futuro da comunidade portuguesa não é uma tarefa fácil, mas também não
parece haver muito optimismo. O economista Albano Martins credita que a
presença de Portugal far-se-á se houver “empresas portuguesas que para cá
venham”, mas não acho “que as coisas se vão engrandecer”. “Haverá gradualmente,
à medida que os tempos vão correndo, um regresso da comunidade a Portugal”,
projecta.
Para
Amélia António o quadro está, neste momento, bastante baço. “Muita coisa está a
suceder, aquilo que se está a passar em Hong Kong pode ter uma influência em
Macau. A cortina em relação ao futuro é muito opaca”, explica.
Ainda
assim, quer crer que Macau pode ser uma bandeira importante da China, e que por
razões de diferente natureza “a presença de Portugal continue a fazer a
diferença”. Não é para amanhã nem depois, mas até 2049 as coisas vão-se alterar
muito, segundo João Guedes. O jornalista e historiador olha para a política
chinesa para a região, e aponta a Grande Baía como um projecto que foi criado
para fazer desaparecer Macau e Hong Kong.
Como
resultado, os pouquíssimos portugueses que cá ficarão, “cá continuarão” e “não
haverá solavancos, nem empurrões”. Agora, é quase certo que, “como comunidade,
desapareceremos”. “E isso é natural. Muito naturalmente, vamos caminhar para a
extinção”, remata. João Malta – Macau in “Ponto
Final”
joaomalta.pontofinal@gmail.com
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