Depois de visita ao país, o relator especial* disse que
nação está regredindo, possibilitada por “um sentimento maligno de impunidade”
de pessoas que “envenenam o público, tomam suas terras e destroem o meio
ambiente”
O
Brasil está num caminho trágico de desmantelamento de instituições já
enfraquecidas que foram criadas para proteger as pessoas e o meio ambiente,
alertou um especialista em direitos humanos da ONU.
O
relator especial sobre substâncias tóxicas, Baskut Tuncak, fez uma visita
oficial de duas semanas ao país. Ao divulgar suas conclusões preliminares, o
especialista destacou que gostaria de agradecer ao governo brasileiro pelo
convite e pelas “discussões francas e abertas”.
Crimes ambientais
Tuncak
disse que “após uma série de crimes ambientais horríveis, desde o colapso de
uma barragem de dejetos mortais até uma epidemia de envenenamentos por
pesticidas, seria de esperar que o país adotasse os mais rigorosos controles
ambientais e ocupacionais para substâncias e resíduos perigosos.” Mas, segundo
o especialista, o que está ocorrendo é o oposto.
O
relator apontou que o país está regredindo, possibilitado por “um sentimento
maligno de impunidade” de pessoas que “envenenam o público, tomam suas terras e
destroem o meio ambiente.”
Mariana e Brumadinho
Entre
as questões destacadas por Tuncak estão o colapso de duas barragens de dejetos.
A primeira em 2015, em Mariana, onde 18 pessoas morreram e mais de três milhões
tiveram as vidas afetadas, incluindo comunidades indígenas e tradicionais.
A
segunda aconteceu este ano, em Brumadinho, matando 300 pessoas.
O
relator disse que “após anos de negação por parte do governo e das empresas
envolvidas, os impactos da exposição à lama tóxica do desastre de 2015 agora
são visíveis e continuam sendo ligados a problemas de saúde”. O especialista
afirmou que mesmo assim, “as empresas continuam abusando de sua influência para
impedir que informações de saúde e de segurança” cheguem às pessoas.
Obrigações
Tuncak
disse que “o Brasil está desconsiderando sua obrigação constitucional de
proteger os direitos humanos da exposição a substâncias tóxicas e resíduos
perigosos.” Ele acrescentou que o país “está eliminando ministérios cruciais,
restringindo o financiamento de funções essenciais, eliminando programas-chave,
restringindo o espaço cívico e não aplicando as leis e decisões judiciais
existentes para proteger os direitos humanos de exposições a substâncias
tóxicas.”
Ao
mesmo tempo, o especialista apontou que o Brasil está constantemente
criminalizando e atacando “aqueles que lutam corajosamente para defender seus
direitos à vida, à saúde e ao equilíbrio do meio ambiente, dentre outros
direitos humanos reconhecidos pela Constituição do Brasil.” Ele destacou que o
país segue “permitindo o uso de dezenas de pesticidas altamente perigosos,
banidos por muitos outros países.”
Pesticidas
De
acordo com Tuncak, “as ações ou falta de ação do governo liberou uma onda
catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que envenenarão as
gerações futuras, caso ações urgentes não forem tomadas para realinhar o Brasil
com o caminho do desenvolvimento sustentável.”
O
especialista ressaltou ainda o aumento no desmatamento e o número de incêndios
na Amazônia e nas savanas brasileiras. Segundo ele, existe uma possível
influência de sinalizações do governo sobre mudanças nos regimes de uso da
terra, em prol de acelerar e aumentar a produção da agricultura e mineração.
Tuncak acredita que “muitos dos problemas ilustram o desrespeito histórico das
empresas no Brasil pelos direitos e decência humana.”
Envenenamento
Como
exemplo, o especialista citou a comunidade de Piquiá de Baixo, que está sendo
“envenenada há décadas”. Para ele, embora um progresso tenha sido feito “no
sentido de reassentar essa comunidade tão resiliente, em casas onde possam
viver com dignidade, as políticas caóticas e os cortes orçamentários do governo
ameaçam abandonar essa comunidade para aguentar mais abuso dos seus direitos
pela Vale, Viena Siderúrgica e Gusa Nordeste por tempo indeterminado."
Tuncak
observou que “por décadas, o Brasil ajudou o mundo a encontrar soluções para
questões cruciais de meio ambiente e de direitos humanos por meio do trabalho
brilhante da sociedade civil e pesquisadores.” Para ele, é “desanimador ver as
autoridades desmantelando tantos canais de colaboração e até mesmo tentando
criminalizar esses atores.”
O
especialista acredita que seja crucial “uma mudança radical na relação entre
governo e a sociedade civil” para melhorar o difícil cenário que observou.
As conclusões e recomendações completas do
especialista serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em
setembro de 2020.
*Os relatores de direitos humanos têm mandato
independente das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho. ONU News – Nações Unidas
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