Lisboa
– Na mochila dos jovens lusófonos que tiram uma licenciatura em Portugal estão
sonhos e vontade de ajudar o país de origem, mas quando chegam deparam-se com
problemas materiais e de adaptação que chegam a prolongar o tempo do curso.
As
dificuldades destes estudantes começam logo antes de chegarem a Portugal, uma
vez que só após a inscrição estar garantida é que o visto começa a ser tratado,
o que em alguns casos demora meses.
“As
embaixadas demoram muito tempo a tratar do visto. Há casos em que os alunos
chegam a Portugal em Março, apesar de o ano lectivo começar em Setembro”, contou
à Lusa o presidente da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa,
Diogo Gomes.
Trata-se
de “uma desvantagem acrescida, pois chegam quando o comboio já está a meio”. As
outras prendem-se com a forma como as próprias aulas são dadas, o que no seu
caso foi “um choque”.
“Na
Guiné-Bissau, talvez devido às carências da população, há mais condescendência
dos professores, que ajudam inclusive na elaboração dos apontamentos. Quando cá
cheguei tive de aprender a fazer os meus apontamentos e a estudar sem ajuda”,
disse.
Em
Portugal desde 2010, Diogo Gomes não sofreu qualquer impacto com a língua, pois
já frequentara o ensino secundário em Portugal, mas reconhece que esta é uma
dificuldade para muitos jovens.
E
critica a postura de alguns professores que se “limitam a dar a matéria”, sem
levar em conta as diferentes formas de preparação dos alunos e os verdadeiros
dramas por que alguns passam quando, no caso dos bolseiros, os pagamentos se
atrasam.
Diogo
Gomes aponta ainda o clima como outro desafio para estes estudantes quando
deixam a Guiné-Bissau e que influencia “a motivação e até o aproveitamento”.
O
número de estudantes guineenses a tirar a licenciatura em Portugal tem
aumentado exponencialmente. Chegam porque querem obter uma formação de qualidade
e voltar para ajudar o país, mas isso “depende das condições na Guiné-Bissau”,
disse.
Jess
Gomes trabalha na embaixada de São Tomé e Príncipe em Lisboa. Chegou a Portugal
em 2008 para tirar uma formação na área da comunicação, mas acabou a estudar
contabilidade numa universidade.
Os
estudantes são-tomenses deparam-se com dificuldades na obtenção do visto, o que
atrasa o seu ingresso nas instituições de ensino.
“Há
casos em que os alunos perdem a inscrição nas universidades, porque o visto não
chega a tempo”, disse.
Para
Jess Costa, a vida destes estudantes é mais facilitada quando têm família para
ajudar, mas muitos têm de trabalhar para suportar as despesas.
No
decorrer da sua formação, os alunos são-tomenses deparam-se com algumas
dificuldades decorrentes das próprias disciplinas, como a Matemática, disse.
Apesar
de admitir que o sonho com que estes estudantes chegam a Portugal é regressarem
para ajudar o país, Jess Costa reconhece que muitos acabam por ficar, pois
conseguem “empregos e salários mais atractivos”.
O
angolano Luís Vitorino chegou a Portugal em 2012 para fazer um curso de
pilotagem e mais tarde estudou contabilidade numa universidade em Setúbal.
O
actual presidente da Associação de Estudantes Angolanos em Portugal considera
que estes alunos procuram essencialmente “uma maior diversificação da
especialização” e a existência de “cursos não disponíveis em Angola”.
Mas
se até há algum tempo estes estudantes tinham como meta regressar a Angola,
hoje em dia não é assim: “São mais os que preferem ficar cá, o que se deve ao
actual contexto socioeconómico angolano”, disse.
As
rotinas do sistema de ensino português são, na opinião de Luís Vitorino, o que
provoca um maior impacto na adaptação destes estudantes que, por causa do
sotaque, são muitas vezes incompreendidos pelos professores.
“Os
professores não percebem os estudantes e muitas vezes não há a preocupação de
tentarem saber o que querem dizer”, disse.
Rúben
Moreira, presidente da União de Estudantes Cabo-verdianos de Lisboa, está
preocupado com a demora na emissão dos vistos que conduz a um atraso no
ingresso destes alunos nas universidades.
“Este
atraso é, em muitos casos, responsável pela falta de aproveitamento durante o
primeiro ano”, referiu, acrescentando as dificuldades decorrentes dos atrasos do
pagamento das bolsas.
Para
Rúben Moreira, os professores ajudam a ultrapassar algumas das dificuldades nos
primeiros tempos, agudizadas com a existência de disciplinas que não foram
devidamente abordadas no ensino secundário em Cabo Verde.
“Quando
ingressei em Agronomia, tive de aprender Química, o que não era novidade para
os alunos portugueses, mas sim para mim, pois nunca tinha estudado esta
disciplina”, exemplificou.
Rúben
Moreira destaca a solidariedade cabo-verdiana que muitas vezes abre as portas
da casa para receber um familiar ou amigo que pretende estudar em Portugal.
E
considera que esta saída de Cabo Verde representa hoje em dia o primeiro passo
para novos horizontes, os quais não passam necessariamente por regressar.
“Os
estudantes não estão a pensar em regressar a Cabo Verde, mas sim a aproveitar
as oportunidades no mundo”, referiu.
Em
relação aos brasileiros, que são os estudantes lusófonos em maior número em
Portugal, um artigo publicado recentemente na Revista Interdisciplinar da Mobilidade
Humana, do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), referiu que “a
falta de aceitação da língua portuguesa como é escrita e falada no Brasil” foi
apontada pelos estudantes brasileiros como “uma falha no acolhimento de
Portugal”.
“A
falta de informações sobre o funcionamento do sistema académico e problemas nas
interacções em sala de aula com outros alunos e com professores resultou,
muitas vezes, em má compreensão dos conteúdos ministrados nos cursos”, lê-se no
artigo.
Segundo
a Direcção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), o número de
alunos que completaram o ensino secundário no estrangeiro e estavam inscritos
no ano lectivo de 2018/2019 nos estabelecimentos de ensino superior portugueses
era de 35 755, mais 27% do que no ano lectivo anterior.
Destes
alunos, 15 373 (62%) tinha concluído o ensino secundário no Brasil, 3338 (13%)
em Cabo Verde, 3246 (13%) em Angola e 1484 (6%) na Guiné-Bissau. In “Inforpress”
– Cabo Verde com “Lusa”
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