Investigadores portugueses do Gulbenkian Institute for
Molecular Medicine (GIMM) descobriram que a acumulação do pigmento amarelo
bilirrubina, uma substância considerada um “produto residual” do organismo,
protege contra a malária ao matar os parasitas que causam a doença

Segundo
uma investigação publicada na revista científica Science, a equipa liderada por
Miguel Soares, investigador principal no GIMM, descobriu que a acumulação do
pigmento amarelo bilirrubina é, na verdade, uma resposta adaptativa do corpo
que confere proteção contra a malária.
É
comum os doentes com malária grave desenvolverem icterícia, uma condição que se
manifesta pelo amarelecimento da pele e dos olhos, devido exatamente à
acumulação do pigmento amarelo bilirrubina.
Segundo
comunicado da GIMM, esta descoberta inovadora revela um mecanismo inesperado de
defesa do hospedeiro que pode ser explorado como estratégia terapêutica em
futuros tratamentos para a malária.
“Para
nosso espanto, descobrimos que talvez a função mais importante da bilirrubina é
de nos proteger contra a malária através de um mecanismo que não antecipávamos:
mata o parasita”, explica Miguel Soares, coordenador do estudo.
Para
a investigadora Ana Figueiredo, primeira autora do estudo, que finaliza o seu
doutoramento com Miguel Soares no GIMM, “descobrir que uma molécula produzida
pelo próprio organismo durante a infeção pode proteger contra a malária dá-nos
uma nova perspetiva sobre os mecanismos de defesa do corpo e abre
possibilidades entusiasmantes para o futuro”.
Segundo
o comunicado da GIMM, os parasitas do género Plasmodium, que causam a
malária, infetam e multiplicam-se no interior dos glóbulos vermelhos que
circulam no sangue. Nessas células, alimentam-se de hemoglobina — a proteína
que utiliza o ferro, contido dentro de uma estrutura molecular chamada hemo,
para transportar oxigénio. No final do seu ciclo de expansão, provocam a lise
(rutura) dos glóbulos vermelhos, libertando o restante da hemoglobina que não
ingeriram, na corrente sanguínea.
De
acordo com o comunicado, o laboratório liderado por Miguel Soares tem
demonstrado, ao longo dos anos, que, quando a hemoglobina é libertada na
corrente sanguínea, larga o hemo que é altamente tóxico para o hospedeiro e é a
causa do desenvolvimento de formas graves de malária. Para evitar a acumulação
do hemo na circulação, o hospedeiro induz uma série de reações bioquímicas
complexas que culminam na produção de bilirrubina, um pigmento amarelo que se
pensava não ser mais que um “produto residual” tóxico.
Segundo
a explicação científica, divulgada pela GIMM, “a conjugação da bilirrubina no
fígado permite a sua excreção no intestino e limita a acumulação de bilirrubina
na circulação. Quando há acumulação de bilirrubina na circulação, o mesmo é
considerado como sendo revelador de uma disfunção do fígado”. Esta associação,
de acordo com o centro de investigação, contribuiu, ao longo de séculos, para a
ideia de que a icterícia não é mais do que uma resposta patológica (causadora
de doença).
Contudo,
um número crescente de descobertas tem vindo a demonstrar que a bilirrubina tem
várias funções biológicas importantes, o que levou a equipa a explorar esta
hipótese no contexto da malária.
“Através
de várias experiências complementares, tanto in vivo como in vitro,
demonstrámos que a bilirrubina bloqueia a proliferação e virulência (capacidade
de induzir doença) dos parasitas Plasmodium dentro dos glóbulos
vermelhos, impedindo-os de se alimentarem e de produzirem energia, o que conduz
à sua morte”, explica Ana Figueiredo.
A
malária continua a ser uma doença com elevada mortalidade a nível global,
especialmente entre crianças com menos de cinco anos. Só em 2023, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) estimou cerca de 560.000 mortes por malária em todo o mundo.
“Esta
descoberta abre portas para explorar até que ponto esta estratégia natural de
defesa do organismo pode ser usada terapeuticamente, de forma a aliviar o
enorme impacto da malária nas populações humanas”, conclui Miguel Soares. In “Bom dia
Europa” - Luxemburgo