I
Autor
multifacetado, Silas Corrêa Leite (1952) volta às livrarias com novo livro de
poemas, Lampejos (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019), que reúne 25
peças em que o poeta coloca em prática a poesia como libertação da alma. E o
faz como uma forma de ter em mãos um mundo mais tranquilo que o mundo de todos
os dias, alheando-se dos momentos difíceis por meio da busca do sonho e do
desejo.
Em
outras palavras: a palavra poética seria a ponte por onde a alma do poeta
passaria para o futuro, ou seja, para a vida eterna, como se constata no poema
que tem por título exatamente “Morte” e no qual ele diz que: Quando a morte
vier me buscar / estarei sentado à beira do caminho / Escrevendo meu último
poema para o luar cor de prata / com minha lupa de restos de calendários
vencidos... / A morte – a mais bela mulher que jamais vi – dirá, / toda vaidosa
e pintada para a guerra das estrelas / – Vamos, poeta, se apresse, vamos, é
hora... / Eu a olharei, entregue, e a tomarei nos braços / Então a abraçando
forte e seguro como uma ilha eterna de / estúdio de luz / E finalmente assim embarcaremos na canoa furada da noite, /
e juntos / Como unha e carne / seremos um só / Como um voo de Ícaro para o céu
de todas as honras...
Com
imagens triviais, Silas Corrêa Leite explora temas como o mar e o tempo, a vida
e a morte, a alma e o corpo, o “eu” poético e o amor em todos os níveis,
inclusive o amor filial e o maternal e o paternal, com versos bem lapidados, às
vezes até enveredando pelo barroco, para concluir com explosões épicas, pois,
se algo sabe fazer com quase perfeição, é a maneira habilidosa com que manipula
as palavras.
Leia-se,
por exemplo, este poema que leva por título “Saudade”: Mãe, às vezes, quando
vou dormir ensimesmado / Na fronha de algodão cor de neve / encardida – com
lágrimas de saudades de ti / Ainda parece que vejo teu rosto; / parece que no
pano a tua voz como uma cantilena terreal / me diz / – Dorme, guri, dorme... /
Então eu fecho os olhos chorando escondido da vida / E minha saudosa lembrança
de ti / abraça minha angústia noturna no travesseiro / E acaricia com tintas de
imenso amor eterno / o desalinho de minha saudade de órfão triste.
II
Liricamente
épicos e epicamente irônicos, os seus poemas não têm a vocação de chocar o
leitor, mas, antes de tudo, atraí-lo, de maneira sibilina, para a arte de amar
o próximo. Seguindo um ensinamento de Goethe (1749-1843), Silas Corrêa Leite
faz também da dor um poema, como se pode ver em “Ausências”, que abre o livro: Quantas
vezes, em silêncio, / te pedi perdão, no íntimo / Mas não reconhecias/ minha
voz na tua alma. / Já era tarde demais. /Fiquei / Me fingindo de morto / Mas
eras uma saudade viva. / Eu tinha morrido naquele dia / que disseste Adeus, /
dentro de ti / e ficaste. Ficaste como uma corda estendida no abismo / do que
restamos nós.
A ansiedade diante do que pode ser o fim
atravessa todo este pequeno volume, pois “o verdadeiro poema é uma fulgurante
agonia ou um êxtase precário, conciliação impensável e todavia existente da
nossa realidade e do nosso sonho”, como observou o professor e filósofo luso
Eduardo Lourenço (1923-2020), ao comentar a poesia de Eugénio de Andrade
(1923-2005) em Obras completas. Tempo e poesia, vol. III (Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 127).
É o que se pode intuir de “Último poema”, que encerra a obra de Silas Corrêa Leite: Quando farei meu último poema? / Pergunto a mim mesmo / Um lápis de marceneiro na mão / Uma borracha em formato de coração / e uma folha de papel de pão. / O destino como um esquilo serelepe diz, vá em frente / O ocaso como uma lesma lerda agoniza e pede perdão. / Sem escrever não sou nada / Sou bananeira que já deu goiaba... / Escrevivi cada ilha, cada janela, chorume, porão... / Vai se ver até já morri / e mal-e-mal / sou só mesmo esse um último poema de rastro de travessia / deixado no chão.
III
Nascido
em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, e tendo vivido sua juventude
na mítica cidade paulista de Itararé, localizada na divisa entre os Estados de
São Paulo e Paraná, Silas Corrêa Leite é poeta, romancista, letrista, professor
aposentado, bibliotecário, desenhista, jornalista, resenhista, ensaísta,
conselheiro diplomado em Direitos Humanos e membro da União Brasileira de
Escritores (UBE), além de blogueiro e ciberpoeta.
De
origem humilde, foi aprendiz de marceneiro, tendo começado a escrever aos 16
anos. Em 1970, migrou para São Paulo, onde se formou em Direito e Geografia,
sendo especialista em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, além
de ter cursado extensões e pós-graduações nas áreas de Educação, Filosofia,
Inteligência Emocional, Jornalismo Comunitário e Literatura na Comunicação,
curso este que fez na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo (USP).
Nos
últimos tempos, o romancista lançou também Gute-Gute,
barriga experimental de repertório (Rio de Janeiro, Editora Autografia,
2015); Goto, a lenda do reino encantado
do barqueiro noturno do Rio Itararé (Florianópolis, Clube de Autores
Editora, 2013), romance pós-moderno, considerado a sua melhor obra; Tibete,
de quando você não quiser ser gente, romance (Rio de Janeiro, Editora
Jaguatirica, 2017); O lixeiro e o presidente (Curitiba, Kotter
Editorial, 2019), romance social; Ele está no meio de nós (Curitiba,
Kotter Editorial, 2018); e Transpenumbra do Armagedon (São
Paulo, Desconcertos Editora, 2021).
Em
2018, publicou Planeta Bola – futebolices, catecismo corinthiano &
acontecências (Porto Alegre, Editora Simplíssimo), que reúne croniquetas,
comentários, poemas e homenagens a antigos atletas do Sport Clube Corinthians
Paulista, de São Paulo.
Como
poeta e ficcionista, consta de mais de cem antologias, inclusive no exterior,
como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea, de Treton,
Itália, Christmas Anthology, de Ohio, Estados Unidos, e Revista
Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seu texto
“O estatuto do poeta” foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo.
É
autor do primeiro livro interativo da Internet, o e-book O rinoceronte de
Clarice, que reúne onze ficções, cada uma com três finais, um feliz, um de
tragédia e um terceiro politicamente incorreto, que virou tema de tese de
mestrado na Universidade de Brasília (UnB) e de doutoramento na Universidade
Federal de Alagoas (UFAL). Foi finalista do Prêmio Telecom, em Portugal, em
2007.
É
autor ainda, entre outros, de Porta-lapsos, poemas (São Paulo, Editora
All-Print, 2005) e Campo de trigo com corvos, contos (Joinville-SC, Editora
Design, 2005), obra finalista do prêmio Telecom, Portugal 2007, e O homem
que virou cerveja, crônicas hilárias de um poeta boêmio (São Paulo, Giz
Editorial, 2009), livro ganhador do Prêmio Valdeck Almeida de Jesus, Salvador-Bahia,
2009. Adelto Gonçalves - Brasil
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Lampejos, de Silas Corrêa Leite. Belo Horizonte: Sangre Editorial, 32 páginas, 2019. Site: www.sangreeditorial.com.br Site do autor: poetasilascorrealeite.com.br E-mail do autor: poesilas@terra.com.br
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o
poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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