UM POEMA
«… um poema
é a pedra duma escola
com palavra giz
para a gente apagar
ou guardar».
(Saúl Dias)
“O comboio que andava de chinelos” é título do livro de poesia escrito pelo escritor e poeta Pedro Pereira Lopes; é livro com o qual, Lopes ganhou o concurso literário prémio Maria Odete de Jesus, ano 2016, cujo tema foi a “Paz em Moçambique”. Este concurso tinha como objectivo: «contribuir para o incentivo à leitura, despertar o gosto pela poesia e incentivar e valorizar a produção literária infanto-juvenil». Tem ilustrações de Walter Zand.
[Lopes
dedica este livro a duas mulheres – que têm [mantenho este tempo verbal por
razões próprias] a afoiteza de escrever para crianças, jovens e adolescentes –
Angelina Neves e Fátima Langa, esta última com obras – [de entre várias que
escreveu] – como: O rapaz e a raposa, 2012; O coelho e a água,
2012, ambas em bilingue (português e cicopi). Publicou, ainda, a primeira obra
em braille. Ao escrever em cicopi, sua língua materna, mostrava a preocupação
em ver a sua obra lida, mesmo por aqueles que não falam português. E, em
braille, para ter uma literatura inclusiva; leva a sua obra, também, para as
crianças com deficiência visual. – terão sido estas e outras razões, creio, que
fizeram que Lopes dedicasse este livro a esta escritora, por valiosa
contribuição que deu à literatura moçambicana.]
É
um livro com 17 poemas e igual número de figuras. Todas a cor. A combinação
destas figuras a cor com textos tem um impacto para a criança-leitora. Motiva-a
a manusear o livro. Deste acto, nasce-lhe o gosto pelo livro, pela leitura;
desde cedo, cultiva-se-lhe esta paixão. Nasce-se-lhe o amor pelo “verbo” –
entenda-se como metáfora.
Os
poemas que compõem este livro são de versos curtos, porém, profundos, isto é,
com uma boa mensagem. Educativa. Posso dar o exemplo do poema CRUZAR A AVENIDA,
pág. 33, em que o autor chama a atenção aos meninos ao atravessar a estrada,
para evitarem acidentes: «Quem me oferece a mão/ para atravessar a avenida?//
Quem me dá atenção/ para vigiar a esquerda?// Quem me abre o coração/ para
espiar a direita?// Aqui não fico o dia inteiro/ não há sinal nem sinaleiro!//
A avenida não pára parada/ e eu não quero ser atropelada!», e este DENTINHO,
pág. 17: «Tenho um novo dente/ é pequeno e afiado// nasceu de noite/ de
repente// para fechar a baliza/ que eu tinha à frente.// É branco como leite/ e muito cometente/ que
belo enfeite/ para se ter de repente»., em que se nota um ensinamento; uma
transmissão de valor estético dental.
Lopes
apresenta os seus versos em diferentes formas gráficas. É um estilo que ele adopta. Uma criatividade
pura. Por exemplo, o poema POEMINHA BRINQUEDO, «Um poema brinquedo/ nem é poema
de verdade/ é poeminha poemeto/ coisa de criança sem idade»; cuja ilustração
que o acompanha é um pião, xindiri, a arrumação dos versos deste poema é
interessantíssima: parece-se com um traçado ou marcas desenhadas pelo pião em
movimento, naquele seu gira-gira, ao ser “açoitado”. Belíssima
arrumação.
Esta
técnica de pôr os versos, dando-os a ideia de movimento, é, quanto a mim, para
espevitar, à criança, o interesse pela leitura do livro. É bem divertida. Os poemas POEMINHA DO
ARCOS-ÍRIS, AS PALAVRAS, SONHO, O GATO ROMEU E O VÔ ABREU, [neste, as palavras
dão-nos a impressão de estarem a se perseguir [entre aspas], talvez à mesma
velocidade levada pelo gato(!) e, o signo onomatopeico: “PLOFT!”, a acompanhar
os tracejados [= signos cinéticos] – propositadamente, colocados pelo
ilustrador – que indicam o movimento e a queda. Outros signos onomatopeicos
patentes no livro: MIAU! MIAU!]. e de admirar esta sincronia entre o poeta e o
ilustrador Zand.
Vamos
ver alguns poemas, claro, não na forma gráfica em que o autor os apresenta:
POEMINHA, «O bolo da rã/ é branco como lã/ tem gosto de avelã/ e no meio uma
vela.// A vela é da irmã/ coaxa aqui e
acolá/ e, então vejam lá/ pôs uma fita nela.// Cantaram aos anos da rã/ e falou
a irmã tagarela/ sopraram todos a vela/ e comeram o bolo da lã». Pedro Pereira
Lopes brinca com a anáfora, usa, ainda, o encadeamento, a metáfora e a
comparação, neste poema. Lopes dispõe os versos – isto, já o tinha dito – numa
forma que faz transparece um movimento. Aliás, o próprio título do livro, já
nos dá essa ideia.
E,
em POEMINHA BRINCADEIRA, pág. 27, «Maria brinca na areia/ enche o pote e sorri/
se passam por ela, ri// faz do quintal cozinha/ mistura água e areia/ e faz
papas de aveia.// Faz também chá/ serve uma bolacha/ e come de mentirinha.//
Brinca e o tempo foge/ suja o vestido bege/ e põe-se logo a chorar.// Tocada
pela aflição/ aparece a sua avozinha/ e com água e sabão/ fica a Maria/
lim-pi-nha». Lopes traz-nos um sujeito poético do género feminino que brinca
com areia e água… fica aflita por ter sujado o seu vestido. Chora. Várias
lições tiram-se deste poema.
Conclusão:
este livro de Lopes educa. Tem uma linguagem simples. Poemas lindos, cujas
ilustrações estão, sob ponto de vista temático e artístico, bem ajustadas aos
textos. É um livro que, mesmo um leitor-adulto poderá lê-o com volúpia. Bom
livro para a iniciação à leitura de textos poéticos. Cativa, finalmente!
Recomenda-se!
Parte
das obras do autor: O homem dos 7 cabelos (2012, prémio Lusofonia 2010), Kanova
e o segredo da caveira (2013), Viagem pelo mundo num grão de pólen e outros
poemas (2014), A história do João Gala-Gala (2017), em co-autoria com o Chico
António (músico), O comboio que andava de chinelos (2019). Organizou várias
antologias. Matos Matosse – Moçambique in “O País”
Matos Matosse -
Professor, escritor, poeta e ensaísta literário
Sem comentários:
Enviar um comentário