Por
muito pouco, o Zé Carioca não foi um… tatu a comer insectos. Em Agosto de 1941,
os desenhadores Franklin Thomas e Norman Ferguson, que acompanharam Walt Disney
na sua viagem ao Brasil, chegaram a fazer esboços de um simpático tatu-bola a
tocar pandeiro.
No
entanto, de tanto ouvir piada de papagaio, algumas delas contadas pelo
jornalista Gilberto Souto, Walt Disney mudou de ideia e optou por outro animal
da fauna brasileira para representar o país num dos seus próximos filmes: o
papagaio.
A
visita do ‘pai’ do Mickey Mouse ao Brasil começou em 17 de Agosto de 1941
quando ele, a mulher, Lillian, e uma equipa de 16 profissionais, oito
desenhadores e oito animadores, desembarcaram no Rio de Janeiro. Do aeroporto
Santos Dumont, parte da comitiva seguiu para o Hotel Glória, o primeiro cinco
estrelas do Brasil; e parte para o Copacabana Palace, um dos mais tradicionais
da orla carioca.
O
motivo oficial da visita de Walt Disney ao Brasil foi a divulgação de
“Fantasia” (1940), a terceira longa-metragem de animação dos estúdios Disney. A
estreia no dia 23 de Agosto, no Pathé Palácio, na Cinelândia, Centro do Rio,
foi tão famosa que contou até com a presença do então Presidente da República
Getúlio Vargas e da primeira-dama Darcy Vargas.
No
dia seguinte, Walt Disney tirou o dia de folga para visitar o Grémio Recreativo
Escola de Samba Portela. Saiu de Copacabana às cinco da tarde e seguiu para
Madureira. Na Azul e Branco, assistiu a um ensaio da escola fundada em 1923 e
conheceu o sambista Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela.
Reza
a lenda que este Paulo, teria sido uma das fontes de inspiração para o Zé
Carioca. Mas, não foi a única. A ideia do papagaio, por exemplo, foi baseada no
comediante Manuel Vicente Alves, o Dr. Jacarandá (1869-1948), um tipo
folclórico das ruas do Rio. Ele gostava de usar, entre outros adereços, casaco,
chapéu-palheta, gravata-borboleta e guarda-chuva. “Pode confiar em mim”,
gostava de dizer aos clientes. “Sou igual a jacarandá: pau para toda obra”.
Na
sua passagem pelo Rio, Walt Disney conheceu alguns brasileiros ilustres. O
compositor Heitor Villa-Lobos foi um deles. O cartunista José Carlos, foi
outro. Durante um jantar no Copacabana Palace, J. Carlos deu de presente ao
visitante a ilustração de um papagaio a abraçar o Pato Donald. Premonição para
Walt Disney?
“Ao
longo desses 80 anos, o Zé Carioca sofreu muitas alterações no visual. Trocou o
tradicional casaco e a gravata-borboleta, por pulôver ou camiseta branca. Numa
fase, usou boné. Noutra, ténis”, exemplifica o investigador Marcus Ramone. “É o
meu personagem Disney favorito. Ao contrário de outras aventuras em
quadradinhos da Disney, que se passavam em Patópolis, as do Zé desenrolavam-se
no Rio de Janeiro.
Havia
muitos elementos familiares ao público brasileiro, a começar pela condição
social do personagem”.
Mas,
o Zé Carioca não estaria completo se não fosse o músico paulista José do
Patrocínio Oliveira, o Zezinho. Um dos integrantes do conjunto musical Bando da
Lua, que acompanhava a cantora Carmen Miranda, foi ele quem emprestou a voz ao
Zé Carioca no filme “Salud, Amigos (1942)”, que marcou a estreia do mais
brasileiro dos personagens da Disney no cinema.
Ao
todo, Walt Disney e a sua trupe passaram 23 dias no Rio.
Na
sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), um dos repórteres quis saber
se a viagem tinha motivação política. “Não me preocupo com esses assuntos.
Bastam-me os meus próprios problemas para me preocupar bastante…”, respondeu o
entrevistado, segundo o jornal O Globo, de 19 de Agosto de 1941.
Polémicas
à parte, Walt Disney não veio ao Brasil só para lançar Fantasia. A viagem fazia
parte da Política de Boa Vizinhança, estratégia política adoptada pelo
presidente Franklin Roosevelt para angariar a simpatia de aliados
latino-americanos na Segunda Guerra Mundial.
“O
Zé Carioca surgiu com uma perspicácia que beira a malandragem. Além disso, é um
fã que adora o Pato Donald. Isso demonstra o que é, no entendimento dos
artistas da Disney, ser um ‘bom amigo'”, analisa o historiador Alexandre Maccari
Ferreira, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM).
Poucos
dias antes de desembarcar no Rio, Walt Disney teve a oportunidade de ouvir,
pela primeira vez, o samba-exaltação “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Foi
em Belém (PA), onde o avião em que viajavam pousou para abastecer. Estava
hospedado no Grande Hotel, na capital paraense, quando notou que o conjunto
musical só tocava canções estrangeiras. Intrigado, pediu ao maestro que
executasse alguma música típica do Brasil. O pianista, então, arriscou alguns
acordes de Aquarela do Brasil, composta dois anos antes. Walt Disney só veio a
conhecer o compositor no último dia de sua visita ao Rio.
O
primeiro comentário que ouviu a respeito de Aquarela do Brasil não foi lá muito
encorajador. “O coqueiro que dá coco? Você queria que ele desse o quê?”,
desdenhou o cunhado. Ary encolheu os ombros. De lá para cá, Aquarela do Brasil
teve 322 regravações: de Carmen Miranda a Elis Regina, de Bing Crosby a João
Gilberto, de Frank Sinatra a Plácido Domingo.
Zé
Carioca e Aquarela do Brasil estrearam juntos no cinema. Foi no dia 24 de
Agosto de 1942, quando os cinemas brasileiros exibiram Saludos Amigos.
Nos EUA, a estreia só aconteceu seis meses depois, em 6 de Fevereiro de 1943.
Zé Carioca fez tanto sucesso que voltou a dar o ar da sua graça em duas outras
longas-metragens: The Three Caballeros (1944) e Melody Time (1948).
In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”
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