Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Internacional - O mais brasileiro dos personagens da Disney faz oitenta anos de vida

Por muito pouco, o Zé Carioca não foi um… tatu a comer insectos. Em Agosto de 1941, os desenhadores Franklin Thomas e Norman Ferguson, que acompanharam Walt Disney na sua viagem ao Brasil, chegaram a fazer esboços de um simpático tatu-bola a tocar pandeiro.

No entanto, de tanto ouvir piada de papagaio, algumas delas contadas pelo jornalista Gilberto Souto, Walt Disney mudou de ideia e optou por outro animal da fauna brasileira para representar o país num dos seus próximos filmes: o papagaio.

A visita do ‘pai’ do Mickey Mouse ao Brasil começou em 17 de Agosto de 1941 quando ele, a mulher, Lillian, e uma equipa de 16 profissionais, oito desenhadores e oito animadores, desembarcaram no Rio de Janeiro. Do aeroporto Santos Dumont, parte da comitiva seguiu para o Hotel Glória, o primeiro cinco estrelas do Brasil; e parte para o Copacabana Palace, um dos mais tradicionais da orla carioca.

O motivo oficial da visita de Walt Disney ao Brasil foi a divulgação de “Fantasia” (1940), a terceira longa-metragem de animação dos estúdios Disney. A estreia no dia 23 de Agosto, no Pathé Palácio, na Cinelândia, Centro do Rio, foi tão famosa que contou até com a presença do então Presidente da República Getúlio Vargas e da primeira-dama Darcy Vargas.

No dia seguinte, Walt Disney tirou o dia de folga para visitar o Grémio Recreativo Escola de Samba Portela. Saiu de Copacabana às cinco da tarde e seguiu para Madureira. Na Azul e Branco, assistiu a um ensaio da escola fundada em 1923 e conheceu o sambista Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela.

Reza a lenda que este Paulo, teria sido uma das fontes de inspiração para o Zé Carioca. Mas, não foi a única. A ideia do papagaio, por exemplo, foi baseada no comediante Manuel Vicente Alves, o Dr. Jacarandá (1869-1948), um tipo folclórico das ruas do Rio. Ele gostava de usar, entre outros adereços, casaco, chapéu-palheta, gravata-borboleta e guarda-chuva. “Pode confiar em mim”, gostava de dizer aos clientes. “Sou igual a jacarandá: pau para toda obra”.

Na sua passagem pelo Rio, Walt Disney conheceu alguns brasileiros ilustres. O compositor Heitor Villa-Lobos foi um deles. O cartunista José Carlos, foi outro. Durante um jantar no Copacabana Palace, J. Carlos deu de presente ao visitante a ilustração de um papagaio a abraçar o Pato Donald. Premonição para Walt Disney?

“Ao longo desses 80 anos, o Zé Carioca sofreu muitas alterações no visual. Trocou o tradicional casaco e a gravata-borboleta, por pulôver ou camiseta branca. Numa fase, usou boné. Noutra, ténis”, exemplifica o investigador Marcus Ramone. “É o meu personagem Disney favorito. Ao contrário de outras aventuras em quadradinhos da Disney, que se passavam em Patópolis, as do Zé desenrolavam-se no Rio de Janeiro.

Havia muitos elementos familiares ao público brasileiro, a começar pela condição social do personagem”.

Mas, o Zé Carioca não estaria completo se não fosse o músico paulista José do Patrocínio Oliveira, o Zezinho. Um dos integrantes do conjunto musical Bando da Lua, que acompanhava a cantora Carmen Miranda, foi ele quem emprestou a voz ao Zé Carioca no filme “Salud, Amigos (1942)”, que marcou a estreia do mais brasileiro dos personagens da Disney no cinema.

Ao todo, Walt Disney e a sua trupe passaram 23 dias no Rio.

Na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), um dos repórteres quis saber se a viagem tinha motivação política. “Não me preocupo com esses assuntos. Bastam-me os meus próprios problemas para me preocupar bastante…”, respondeu o entrevistado, segundo o jornal O Globo, de 19 de Agosto de 1941.

Polémicas à parte, Walt Disney não veio ao Brasil só para lançar Fantasia. A viagem fazia parte da Política de Boa Vizinhança, estratégia política adoptada pelo presidente Franklin Roosevelt para angariar a simpatia de aliados latino-americanos na Segunda Guerra Mundial.

“O Zé Carioca surgiu com uma perspicácia que beira a malandragem. Além disso, é um fã que adora o Pato Donald. Isso demonstra o que é, no entendimento dos artistas da Disney, ser um ‘bom amigo'”, analisa o historiador Alexandre Maccari Ferreira, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Poucos dias antes de desembarcar no Rio, Walt Disney teve a oportunidade de ouvir, pela primeira vez, o samba-exaltação “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Foi em Belém (PA), onde o avião em que viajavam pousou para abastecer. Estava hospedado no Grande Hotel, na capital paraense, quando notou que o conjunto musical só tocava canções estrangeiras. Intrigado, pediu ao maestro que executasse alguma música típica do Brasil. O pianista, então, arriscou alguns acordes de Aquarela do Brasil, composta dois anos antes. Walt Disney só veio a conhecer o compositor no último dia de sua visita ao Rio.

O primeiro comentário que ouviu a respeito de Aquarela do Brasil não foi lá muito encorajador. “O coqueiro que dá coco? Você queria que ele desse o quê?”, desdenhou o cunhado. Ary encolheu os ombros. De lá para cá, Aquarela do Brasil teve 322 regravações: de Carmen Miranda a Elis Regina, de Bing Crosby a João Gilberto, de Frank Sinatra a Plácido Domingo.

Zé Carioca e Aquarela do Brasil estrearam juntos no cinema. Foi no dia 24 de Agosto de 1942, quando os cinemas brasileiros exibiram Saludos Amigos. Nos EUA, a estreia só aconteceu seis meses depois, em 6 de Fevereiro de 1943. Zé Carioca fez tanto sucesso que voltou a dar o ar da sua graça em duas outras longas-metragens: The Three Caballeros (1944) e Melody Time (1948). In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”

 

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