No
passado mês de abril, foi lançado o livro “O Regresso dos que nunca partiram:
Memórias e histórias da emigração de São Roque do Faial” da autoria de Octávio
Carmo e Odília Abreu. O livro reúne fontes documentais e testemunhos de
emigrantes oriundos da Madeira (Portugal) que fizeram do Brasil o seu novo lar
e enalteceram a sua terra de origem através da transmissão e preservação da
cultura madeirense.
O
livro editado pela Casa do Povo de S. Roque do Faial, freguesia (vila) do
Concelho de Santana, na Região Autónoma da Madeira é considerado um caso de
estudo ao estar centrado nas vivências de uma freguesia, cujos fluxos
migratórios refletem a realidade da Região.
A
publicação reúne fontes documentais, registos de petições de passaportes,
entrevistas à especialistas, assim como relatos de vida dos emigrantes e seus
descendentes. Este livro quer ser o “regresso” que não foi possível para
tantos, que, embora tenham saído dali, foram sempre inteiros no seu amor pela
terra. “Nunca partiram” traz a divulgação do livro.
A
publicação está dirigida ao público em geral, que tenha interesse pela análise
dos movimentos migratórios da Região Autónoma da Madeira, assim como todos os
emigrantes e seus descendentes que procuram informação sobre as suas raízes, de
forma especial os que partiram de S. Roque do Faial. A publicação incluí
capítulos dedicados também a outros destinos como o Havaí, a Venezuela,
Trinidad e Tobago, entre outros.
A
realidade da emigração em São Roque do Faial, tem estado no centro do projeto
“Memórias de S. Roque do Faial - As vozes dos emigrantes”, que nasceu no ano
2013.
A
investigação levada a cabo desde então tem dado voz a exemplos concretos de
quem viveu na pele as várias etapas do “itinerário migratório”, narrando as
contingências que os levaram a deixar a ilha no século XX, devido a escassez de
terrenos, as dificuldades econômicas e, nalguns casos, a fome.
Para
trás ficavam terras, casas, benfeitorias, às vezes mesmo filhos, quando o
dinheiro não chegava para as passagens de todos. Alguns dos testemunhos
recolhidos permitem, em particular, evocar uma situação particularmente
dolorosa: os que nunca regressaram.
Brasil, o destino esquecido
Falar
da emigração para o Brasil é mencionar uma emigração esquecida. Centenas de
famílias venderam os seus bens e partiram, sem ter a oportunidade de voltar.
Muitos apelidos desapareceram por completo da vila de S. Roque do Faial, na
Madeira, mas as suas raízes espalharam-se por território brasileiro e hoje podemos
afirmar que existe uma “segunda” freguesia, formada pelos seus emigrantes e
descendentes na cidade de Osasco, a 5ª maior do Estado de São Paulo.
Os
registos de requerimentos de passaportes para o Brasil de 1872 a 1924 revelam
que o país latino-americano foi o principal destino na época citada, com um
total 111 requerimentos.
Entre
os anos 1950 e 1960 do século XX, com base na informação relativa às fichas
consulares do Consulado do Brasil no Funchal e nos registos de estrangeiros no
Brasil, rumaram ao país sul-americano aproximadamente 380 pessoas – 114 eram
menores de idade.
A
influência madeirense está presente ao longo de todo o país: nas padarias; na
vida cultural; nas Casas da Madeira, onde se dança o bailinho; no Santuário
Nossa Senhora do Rosário de Fátima em S. Paulo; nos clubes de futebol como ‘A
Portuguesa’; na mistura de sons e sabores; nas bordadeiras do Morro de S.
Bento, que entre linhas e agulhas bordaram uma segunda Madeira, nessas encostas
que lembravam as ruas inclinadas da sua terra natal; no sacrifício dos que
lavraram as fazendas do café e abriram os seus negócios, guiados pelo espírito
empreendedor.
Sobre o livro
“O
Regresso dos que nunca partiram: Memórias e histórias da emigração de São Roque
do Faial” é fruto de uma investigação sobre os fluxos migratórios de S. Roque
do Faial levada a cabo ao longo de sete anos. Através da análise de fontes
documentais, de registos de petições de passaportes, de entrevistas à
especialistas, assim como de relatos de vida dos emigrantes e seus
descendentes, esta publicação é a reconstrução da trajetória de centenas de
famílias que partiram rumo ao desconhecido à procura de uma vida melhor.
Esta
é uma investigação sobre a vida real, a dor, o amor: recordamos o sentimento de
tantas mães e avós que viram partir os seus filhos e netos para terras
distantes. Há uma diferença entre ‘estar’ numa terra e ‘ser’ dessa terra. Quem
parte nunca deixa de ser e muitos dos que nunca lá estiveram, como os filhos ou
netos dos emigrantes, têm-na como referência do que são.
Não
é fácil falar do não-regresso, do não-reencontro e como é que estas realidades
marcam a vida concreta de quem vive noutro país. Sabemos que há muitos motivos
para estes não-regressos, para além da impossibilidade de reunir recursos
econômicos para concretizar a visita à terra natal: há quem nunca quis voltar;
quem perdeu raízes e deixou de querer reencontrar-se com um passado que lhe
passou a parecer vazio; quem se integrou de tal forma no local de destino que
passou a ter outra terra como referência identitária; quem não tinha nada para
“mostrar” como prova do sucesso da emigração e ficou refém desta vergonha; quem
morreu jovem ou vítima de violência e acidentes…
A
ilha ficou longe, cheia de imagens, sentimentos e significados- a terra natal,
o calor do lar familiar, a lembrança desse ser querido que já partiu, as
brincadeiras de criança.
“Eu
vou bem graças a Deus, só com muitas saudades que nem tenho tido vontade de
escrever, quando começo choro, mas o que se há de fazer, cada um com as suas
dores”.
Estes
nossos antepassados merecem ser olhados de outra forma, sobretudo aqueles que
foram, mais do que emigrantes, construtores de uma sociedade nova num mundo
desconhecido, com as ferramentas de que dispunham e procurando replicar as
sociabilidades que lhes eram familiares.
Os autores
Octávio Carmo,
natural de São Roque do Faial, Madeira, nasceu a 11 de maio de 1976.
Jornalista, tem licenciatura em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa
(UCP) e pós-graduação em patrimônio religioso, pela mesma instituição.
Colaborou com projetos do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja e
do Centro de Estudos de História Religiosa da UCP.
Odília Abreu,
natural da Venezuela, nasceu em 1979. Licenciada em Comunicação Social pela
Universidade do Minho (UM)- Portugal, tem pós-graduação em Informação
Internacional e um Mestrado em Comunicação Social pela Universidade Complutense
de Madrid- Espanha. Dedica-se à coordenação de projetos de cooperação
internacional para o desenvolvimento.
Para
mais informação, conheça o Projeto Memórias S. Roque do Faial em:
www.facebook.com/memorias.srf. In “Mundo Lusíada” - Brasil
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