Uma
folheada em panfletos de um hotel na Califórnia fez a jornalista Tina Evaristo
descobrir que o Vale do Silício e o Brasil estão intrinsecamente unidos pelo
passado. Em 2018, durante uma viagem a trabalho a San José, polo tecnológico
próximo a São Francisco, Tina deparou com a propaganda de um museu dedicado à
família de uma das figuras mais enigmáticas da história brasileira. A região
foi o local onde viveu e prosperou Pedro de Alcântara Brazileiro de Saisset,
filho bastardo do imperador Pedro I.
A
curiosidade e o tempo disponível durante a pandemia levaram a jornalista a
empreender uma pesquisa. O trabalho envolveu a leitura de cartas e documentos e
reuniões virtuais com uma pesquisadora americana, que estuda a família Saisset
há 20 anos, e com uma pesquisadora francesa. O esforço culminou em um blog,
cujas postagens começaram em fevereiro e terminarão em 7 de setembro, no
bicentenário da Independência do Brasil.
Em
março deste ano, um mês após o início do blog, Tina voltou à Califórnia, onde
manteve reuniões diárias com a pesquisadora americana. “Acordávamos e
passávamos os dias respirando Pedro de Saisset”, diz Tina, que pretende ir à
França em outubro para continuar a pesquisa. “Tive de ler muitos documentos em
francês e em português do século 19. Até comprei uma lupa para entender a
caligrafia”, recorda a jornalista.
Para
a jornalista, Pedro de Saisset tem muito menos reconhecimento no Brasil do que
merece. “Ele [Pedro de Saisset] nunca foi tratado como um ser humano, mas como
um problema pela família imperial e pelos amigos de dom Pedro I. Pela impressão
que tenho, após ler várias cartas, foi o único irmão de dom Pedro II que
poderia apresentar uma ameaça ao poder oficial. Porque era inteligente,
visionário, trabalhador e conseguiu acumular uma fortuna nos Estados Unidos”,
afirma Tina.
No
Vale do Silício, o legado da família é prestigiado até hoje. Mantido pela
Universidade de Santa Clara, o museu cujo panfleto deu origem à pesquisa
homenageia Ernst de Saisset, filho de Pedro que virou pintor.
A
filha mais nova, Isabel, doou toda a fortuna à mesma universidade, ao morrer,
consolidando o mecenato da família. “Existe uma grande possibilidade de o nome
ter sido dado em homenagem à princesa Isabel”, destaca a jornalista.
Mistérios
Quase
200 anos após o nascimento, Pedro de Saisset ainda tem a biografia envolta em
mistérios. Nascido em Paris, em 28 de agosto de 1829, era filho da modista
Henriette Josephine Clémence de Saisset, que secretamente deixou o Brasil
grávida de dom Pedro I. A viagem teve a aceitação do marido de Henriette, o
comerciante francês Pierre Joseph Felix de Saisset, que fechou um acordo com o
imperador para assumir a criança em troca de ajuda financeira.
Em
1848, pouco antes de fazer 19 anos, Pedro de Saisset foi para o Rio de Janeiro
cuidar dos negócios do pai adotivo, que tinha uma loja de tecidos e de roupas
na Rua do Ouvidor. A temporada em terras cariocas, no entanto, durou apenas
seis meses. Em fevereiro de 1849, Saisset abandonou o Rio escondido da família
e pegou um navio em direção à Califórnia.
Os
motivos para deixar repentinamente o Brasil estão entre os principais mistérios
em torno no filho bastardo do imperador. Com base nas cartas, Tina diz que ele
pode ter fugido ao saber do parentesco com dom Pedro I. “Não consigo imaginar
ele chegando ao Brasil, depois de todo o escândalo, e ninguém contar quem ele
era de verdade”, acrescenta a jornalista. Ela pondera, no entanto, que a
hipótese precisa de investigação.
Prosperidade
Na
viagem para os Estados Unidos, Pedro de Saisset teve todas as economias
roubadas pelo capitão do navio. Chegando à Califórnia, sem recursos,
inicialmente virou estivador, aproveitando-se da movimentação trazida pela
corrida ao ouro. O sonho americano, no entanto, realizou-se. Em cinco décadas
de vida na Califórnia, Saisset conquistou riqueza e prestígio, exercendo por
mais de 30 anos a função de cônsul da França em San José.
Segundo
Tina Evaristo, em breve, o blog publicará uma estimativa do valor atualizado da
fortuna acumulada por ele.
Pedro
de Saisset casou-se com Maria Palomares, viúva que tinha três filhos. Com ela,
teve seis filhos, dos quais quatro sobreviveram. O mais velho, Pierre, estudou
música na França. O segundo, Ernst, estudou pintura em Paris e tem um museu em
sua homenagem na Califórnia. A terceira, Henriette, casou-se e teve filhos, mas
as crianças morreram. A mais nova, Isabel, perdeu o noivo pouco antes do
casamento e teve uma vida reclusa até 1951, quando morreu e encerrou a linhagem
dos Saisset.
De
acordo com a jornalista, o blog não se encerrará após narrar os últimos dias de
Pedro de Saisset. “Após 7 de setembro, pretendo contar sobre os filhos. Tive
acesso a algumas correspondências e a tudo da família. A história não para por
aí. Tem a segunda geração”, destaca Tina.
Na
viagem que pretende fazer à França, a jornalista tentará desvendar um dos mistérios
que apareceram no blog. Aquela que é, supostamente, a única imagem de Henriette
Josephine Clémence (mãe de Pedro), a fotografia de uma pintura arquivada no
porão do Museu Ernst de Saisset, teve a autoria questionada após ser publicada
no site.
Um
leitor disse que a pintura seria cópia de um retrato da cantora lírica Maria
Malibran, exposto no Musée de La Vie Romantique, em Paris. “A imagem que está
no blog foi feita por mim na Califórnia. A pintura tem a assinatura de Ernst
com o título ‘Vovó’. Agora, estou tentando conversar com o museu na França”,
explicou à EBC a jornalista. In “Mundo Brasil” – Brasil com “Agência Brasil”
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