De
09 a 18 de setembro, a sexta edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de
Artes Cênicas, realizada pelo Sesc São Paulo, volta a ser um evento presencial,
com uma programação na unidade do Sesc em Santos e também em teatros, espaços
públicos e edifícios históricos da cidade em parceria com a Prefeitura de
Santos, além de Cubatão.
Em
dez dias de atividades, estão programados 36 espetáculos de múltiplas
linguagens em teatro, dança, performance e teatro de rua para todas as idades.
Participam
desta edição representantes da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba,
Equador, Espanha, México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela, além do Brasil,
com artistas de Sergipe, Rio Grande do Norte, o Distrito Federal, Rio de
Janeiro e São Paulo. Há, ainda, atividades formativas, uma instalação
interativa na unidade e um encontro que reúne programadores e diretores de
festivais cênicos internacionais e nacionais.
“A
cultura proporciona a oportunidade de reduzir fronteiras e fortalecer diálogos
entre povos diversos. O MIRADA surgiu em 2010 com o objetivo de apresentar
experiências cénicas dos países da América Latina, Espanha e de Portugal,
favorecendo diálogos entre criadores e público a fim de propiciar trocas e
reflexões sobre heranças comuns e identidades particulares” diz diretor do Sesc
São Paulo, Danilo Santos de Miranda.
200 anos – A
sexta edição acontece no mês do bicentenário da Independência do Brasil. Esta
efeméride é refletida em parte dos espetáculos vindos da América Latina, de
Portugal e da Espanha, que abordam criticamente os sintomas da colonização e os
processos migratórios.
País homenageado – Com nove peças escaladas na programação, Portugal é o
país a ser homenageado desta edição. As obras lusitanas refletem a diversidade
cênica do país. São montagens críticas às identidades históricas forjadas na
esteira do colonialismo: a conquista por meio do genocídio de povos originários
seguida do processo colonizador com a escravidão africana.
É
o caso de Brasa, do artista performativo e visual Tiago Cadete, cujo trabalho
se concentra em grupos migratórios entre Portugal e Brasil. Em
Estreito/Estrecho, a coprodução luso-chilena entre o Teatro Experimental do
Porto (TEP) e o Teatro La María (CHI), faz sátira ao problematizar a figura do
navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521). Ou ainda Cosmos, com
atrizes de ascendências cabo-verdiana, portuguesa e angolana, que revisitam
mitologias africanas e europeias para propor o nascimento de um novo mundo.
Outras
criações tateiam a saúde das democracias no seu entorno. As montagens
portuguesas Os Filhos do Mal e “Viagem a Portugal, última paragem ou o que nós
andámos para aqui chegar” abordam memórias, heranças e consequências do regime
salazarista e a Revolução dos Cravos, que pôs fim a quatro décadas dessa
ditadura. A primeira peça traz à cena filhos, netos, bisnetos e sobrinhos de
presos políticos; a segunda recupera arquivos para falar de direitos, de
injustiças e de convicções humanistas.
Da
América do Sul, região onde golpes militares são historicamente frequentes, o
grupo equatoriano La Trinchera expõe em QUIMERA o conflito fictício e
microscópico, criado pelo diretor Nixon García Sabando, entre dois soldados
fronteiriços ao perceberem que a demarcação da faixa limítrofe daquelas terras
simplesmente desapareceu. No solo Tijuana, do grupo mexicano Lagartijas Tiradas
al Sol, o ator Lázaro Gabino Rodríguez questiona a noção de democracia social a
partir de sua experiência como trabalhador precarizado da maior cidade do
estado de Baixa Califórnia, que faz fronteira ao norte com o estado da
Califórnia, nos Estados Unidos da América.
Da
Argentina, Erase, do diretor Gustavo Tarrío, trata-se da ditadura civil-militar
(1976-1983) de seu país a partir duma passagem inusitada e com certa dose de
humor: quando representantes da ala mais conservadora da Igreja Católica
interditaram fascículos semanais da revista “Erase una Vez… El Hombre” (“Era
uma Vez… O Homem”) e bolaram um número especial que combinava, em nível de
delírio, conteúdos sobre neandertais, sapiens e o criacionismo da doutrina
bíblica.
O
Grupo Cultural Yuyachkani, do Peru, que completou 50 anos em 2021, traz à esta
edição do Festival Discurso de Promoción, uma reflexão nas heranças ligadas a
estruturas sociais coloniais. A peça foi produzida por ocasião do bicentenário
da independência peruana.
Mudanças climáticas e sequelas ambientais – Bioma de maior biodiversidade do mundo, a Amazónia é
mote de dois espetáculos: Teatro Amazonas, idealizado pela coreógrafa espanhola
Laida Azkona Goñi e o videoartista chileno Txalo Toloza-Fernández, que faz um
inventário das violências no norte do país a partir de viagens aos estados do
Amazonas e do Pará; e La Luna en el Amazonas, dirigido pelos irmãos Heidi
Abderhalden e Rolf Abderhalden, do grupo Mapa Teatro, de Bogotá.
A
narrativa passa-se principalmente na porção territorial do país vizinho onde,
em 2019, foi noticiada a existência de comunidades indígenas que vivem isoladas
por autodeterminação. Vila Parisi, do Coletivo 302, de Cubatão (SP), com
direção de Douglas Lima e orientação de Eliana Monteiro, do Teatro da Vertigem
(SP), parte da memória e dos relatos de quem vivia no bairro operário da
Baixada Santista nos anos 1980 (considerado o mais poluído do mundo na altura),
para colocar em cena reflexões sobre aspectos ambientais e sociais na
atualidade.
Outros
olhares à cena – Em Hamlet, artistas adolescentes e adultos com Síndrome de
Down apropriam-se da tragédia de Shakespeare com irreverência crítica e traços
pop na criação do Teatro La Plaza, companhia do Peru. Na versão da diretora e
dramaturga Chela de Ferrari, o protagonista é o coletivo de oito atuantes. Hay
que tirar las vacas por el barranco conta com artistas da Venezuela, Espanha e
Brasil e mostra a esquizofrenia do ponto de vista de quem convive com pessoas
que têm a doença. A peça, que une os grupos La Caja de Fósforos, La Máquina
Teatro e Circuito de Arte Contrajuego, encena cinco relatos de pacientes ou
familiares cujas vidas foram enredadas por graves afeções mentais crônicas, mas
abre espaço para o humor em meio a aspectos clínicos e de convivência.
Brasil – Língua
Brasileira, do coletivo Ultralíricos (SP), com banda sonora de Tom Zé, sob
direção de Felipe Hirsch, está no último dia da Mostra com esse espetáculo que
procura traçar a epopeia dos povos que formaram o português falado no país, os
seus mitos e cosmogonias, passando pelas remotas origens ibéricas, por romanos,
bárbaros e árabes, pela África e a América Nativa.
A
Companhia de Teatro Heliópolis (SP), em parceria com a dramaturga convidada
Dione Carlos (SP), apresenta CÁRCERE ou Porque as Mulheres Viram Búfalos. A
peça conta as trajetórias das irmãs gémeas Maria dos Prazeres e Maria das
Dores, negras, moradoras da periferia e marcadas pelo encarceramento dos
parentes.
Dispostos
num grande tabuleiro na obra O que meu corpo nu te conta? – espetáculo
autodefinido e imersivo com narrativas íntimas, do Coletivo Impermanente (SP) e
o diretor Marcelo Varzea – artistas revezam-se a cada sessão para expor
histórias autobiográficas ficcionais em que abordam temas como assédio sexual,
machismo, homofobia, discriminação etária, gordofobia, racismo, pedofilia,
infertilidade e compulsão.
Todos os públicos – No solo da companhia portuguesa Formiga Atómica, o
ator Miguel Fragata apresenta para o público infantil A Caminhada dos
Elefantes, que narra uma história sobre a finitude inscrita no livro da vida de
cada ser humano.
O
espaço do picadeiro, território da diversidade por excelência, surge reconfigurado
no espetáculo espanhol …i les idees volen (…e as ideias voam), do coletivo
Animal Religion. Nele, a arena é habitada principalmente por Quim Girón, que
utiliza recursos não verbais para interagir com a plateia mirim. Outro
representante do Nordeste brasileiro, o espetáculo de rua Mar de Fitas Nau de
Ilusão, do Grupo Imbuaça, com 45 anos de atividade em Aracaju (SE), leva o seu
estandarte à praça pública para saudar as bases de uma gramática cénica
alimentada por canções, danças e expressões da oralidade da literatura de
cordel. Sob direção de Iradilson Bispo, nove atores interpretam mais de 20
músicas, entre elas a da primeira montagem, Teatro Chamado Cordel.
Atividades formativas – Na programação também estão atividades formativas e um
encontro que reunirá dezenas de programadores internacionais e nacionais de
festivais cênicos de todo o mundo.
Estão
previstas rodas de conversa, intercâmbios, oficinas, atuações, lançamentos de
livros e outras variantes de encontros abertos. Uma dessas ações é a Salas de
Dramaturgia Virtual, uma plataforma on-line em que dramaturgos de diferentes
lugares do Brasil (Aldri Anunciação, Dione Carlos, Lucas Moura, Ave Terrena,
Victor Nóvoa, Leonarda Glück, Paulo Henrique Sant’ Anna e Daniel Veiga)
compartilharão um processo coletivo de escrita sob o olhar do público.
Com
a proposta de pôr o público a pensar nos caminhos da decolonialidade na arte,
está prevista uma roda de conversa com os artistas brasileiros Lindolfo Amaral
(do espetáculo Mar de Fitas, Nau de Ilusão), Davi Guimarães (de Cárcere ou
porque as mulheres viram búfalos), Nixon García Sabando (de Quimera); Jorge
Baldeón (de Discurso de Promoción), bem como Geni Núñez (ativista indígena,
psicóloga e escritora) e Harry de Castro (cantor, ator, dançarino, pesquisador
de música brasileira, e diretor artístico). A atividade será mediada pela
dramaturga Dione Carlos.
Um
dos mais importantes grupos de teatro brasileiro compartilhará com o público a
fase atual do seu próximo trabalho. Rodeio, do Teatro da Vertigem, estreará em
breve. Na obra, o grupo propõe-se a investigar o ambiente rural brasileiro,
especialmente as regiões Sudeste e Centro-Oeste, estendendo-se para o Norte, no
estado de Rondónia. Com mediação do crítico teatral Amilton Azevedo.
Em
Teatro das Bordas – Enfrentando a Metrópole, os grupos contarão as suas
experiências e desafios em trabalhar fora dos eixos principais e privilegiados
da produção cultural brasileira. Participam da conversa Manoel Cerqueira, do
Grupo Imbuaça, Miguel Rocha, da Companhia de Teatro Heliópolis e Lípari, do
Coletivo 302, com mediação de Júnior Brassalotti (ator e produtor cultural). Em
Como estar juntos?, os participantes conversam sobre as novas formas de
estarmos juntos e as possibilidades de parcerias (virtuais ou presenciais) após
a pandemia da Covid-19. Estão convidados Gonçalo Amorim, do Teatro Experimental
do Porto e Alexis Moreno, do Teatro La María, ambos do espetáculo
Estreito/Estrecho, Gustavo Tarrío, de Érase e Orlando Arocha, de Hay que tirar
las vacas por el barranco; com mediação de Eliana Monteiro (diretora no grupo
Teatro da Vertigem).
A
programação completa das atividades formativas está disponível em:
Caderno de Reflexões – O Sesc promove o lançamento do Cadernos de Reflexões
sobre as Artes Cénicas na rede Ibero-americana, uma publicação em formato de
revista com ensaios e artigos sobre a teatralidade contemporânea, a sua
extensão pela América Latina, Portugal e Espanha, as suas expressões singulares
em cada país e as suas difusões e circulações. Os textos reflexivos que compõem
a publicação desta primeira edição foram escritos por nomes expressivos do
campo das artes e da cultura da Ibero-América: Alberto Ligaluppi (Argentina),
Conchi León (México), Miguel Rubio Zapata (Peru), Octavio Arbeláez Tobón
(Colômbia), Pamela Lopes Rodrigues (Chile), Patrícia Portela (Portugal) e do
Brasil: Alexandre Dal Farra, Fernando Yamamoto, Marcio Abreu e Paula Autran.
MIRADA
– Festival Ibero-Americano de Artes Cénicas - 09 a 18 de setembro de 2022. In “Mundo
Lusíada” - Brasil
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