Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Moçambique - O papel da escola na construção de sonhos individuais em “O Menino que Usava Uma Pessoinha” de Eme Simbin

Pela Editora Viseu, no Brasil em 2019, edita-se “O menino que usava uma pessoinha” da Eme Simbin, uma moçambicana que sonha em educar as crianças por via da literatura.

De acordo com a Ananaz (2018), a literatura infantil divide-se em dois momentos fundamentais: a escrita e a oralidade, na comunicação das mães para com os filhos de modo a explicar os fenómenos naturais por via oral e a escrita que surge no século XVII através do registo do que se contava na oralidade. Teve o seu início marcado por Perrault, entre 1628 e 1703, através dos livros como “Mãe Gansa”, “O Barba Azul”, “Cinderela’’, “A Gata Borralheira”, “O Gato de Botas” e etc. Tendo como função educar crianças através da leitura e escrita.

Analiso o livro em três dimensões:

  1. O Espaço na Narrativa;
  2. O papel da Escola na Criação da Motivação;
  3. O Simbolismo na Escrita da Eme Simbin.

Aos seis anos, o menino alto e forte, rico, criado com mordomias, sonha em ser piloto de aeronaves e durante cinco anos acumulou a experiência de um amigo de seu pai que é piloto.

O uso de expressões nas línguas locais de Moçambique, desperta a consciência humana e moçambicana, pois, embora haja o português como língua oficial, há necessidade de criarmos um espaço para oficializar as nossas línguas locais e como forma de manifestar esse sonho a autora vai introduzindo na língua portuguesa impondo o uso e conhecimento desses termos que o faz sabiamente, contextualizando o leitor sobre a sua significância.

1 - O Espaço na Narrativa

O escritor na sua primeira obra tem tendência a ser autobiográfico e Eme Simbin, também o é, embora fale de todos nós em vozes como a de Chiquito, personagem principal do conto, também fala de sí mesma, quando descreve este cenário que decorre na escola que nos fez crescer (a Eme, a mim e entre outros), a Escola Primária Unidade 11 (de Xai-Xai).

2 - O Papel da Escola na Criação da Motivação

O concurso lançado pela escola é narrado como um estímulo que incitou aos meninos e meninas na busca do troféu prometido pelo director da escola ao vencedor da corrida.

Quantas Lurdes Mutola, se escondem nas escolas e no dia-a-dia? Motivação é o caminho para descoberta do que há de mais secreto e por vezes místico, na vida de uma pessoa.

Stélio Craveirinha, recordista nacional de atletismo que representou Moçambique nos jogos olímpicos de Moscovo em 1980, primeiro treinador, responsável pela descoberta e preparação da menina de ouro, Lurdes Mutola, assim como Elisa Cossa e Argentina da Glória, dedicou-se na formação de atletas deste país, embora tenha morrido desconhecido por todos. O livro nos traz a escola como o lugar de descoberta e preparação de talentos, o lugar de esperança e de desenho do projecto de construção da personalidade de cada um, não apenas em corridas, mas sim em qualquer área, o papel da escola na construção de sonhos individuais.

O desespero de Chicão ao ver seu colega José, um menino mais hábil que ele na corrida, fê-lo desalentado, mas a mãe cumpre com o seu papel de apoio ao professor estimulando ao seu filho a lutar pelos seus sonhos e projectos, ao lembrar-lhe que pode confiar no brinquedo designado pessoinha que pode atender seus desejos.

Diz a mãe na Pag 14: “- Bom, peça ao pessoinha para correr contigo. O pessoinha tem poderes.”

A esperteza e trapaças caracterizam a cena narrada pela Eme, ensinando aos meninos a serem tolerantes e respeitosos, e que a posse de bens materiais não justifica estar acima dos outros, não justifica o egocentrismo e arrogância de Chiquito que usou o seu brinquedo “pessoinha” para vencer a primeira e segunda etapas do concurso e na última etapa que queria vencer sozinho como se o seu guia de sorte não existisse. Quando nos esquecemos de onde viemos, tal como, nos esquecemos dos nossos pais que são os nossos deuses, os nossos ancestrais, nossas crenças, jogamos a sorte afora, somos vazios, entramos em prantos tal como o Chicão “nome adoptado para claque na escola”, Por outro lado o “ferrarani” tal como era conhecido o José, menino pobre, mostra a insurreição pela miséria, pela indiferença com que é encarado no seio de amigos por ser pobre que mesmo correndo num concurso escolar quase que ninguém olha para ele, mas é o vencedor que fica com o troféu porque a justiça e honestidade são os caminhos de luz que constroem a realidade de quem sonha e luta de forma íntegra pelos seus sonhos.

Rompe com os estereótipos ao citar as festas religiosas que distinguem uns dos outros, a discriminação racial, social e económica, através da festa de encerramento do concurso que mexe com a cidade de Xai-Xai no seu todo, através das danças executadas por meninos de pés descalços, através da comunhão entre os ricos e pobres que a autora narra no seu conto.

3 - O Simbolismo na Escrita da Eme Simbin

Simbolismo, foi movimento literário que surgiu na França no século XIX e consagra-se ao culto do vago, do etéreo, do subjectivo e do mistério. Valoriza a parte espiritual e oculta, utiliza o símbolo como recurso expressivo e introduz a visão egocêntrica. Usa o hermetismo, uma tradição filosófica e religiosa através de pensamentos simbólicos como quando descreve os personagens egocêntricos do conto, a presença do vago, a busca do sonho de ser piloto e de ganhar um troféu, da mística e histórica mafurreira onde discursou o Presidente Samora aquando da chama da unidade anunciando a independência de Moçambique em 1975. As danças tradicionais e músicas de raiz que perfazem a moçambicanidade.

É assim que se estreia a Eme, trazendo a escola como o lugar de construção de sonhos e acima de tudo, de construção de personalidades do futuro, mesmo quando a sociedade por vezes esquece “a escola ou o professor que forma tais personalidades”. Deusa d’Africa – Moçambique in “O País”

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Eme Simbin - Natural de Maputo, Sul de Moçambique. É a terceira e penúltima filha de Zacarias Simbine e Gracite Chongo Simbine. Passou toda a sua infância no Xai-Xai, cidade a cerca de 200 Km de Maputo, onde frequentou o Jardim Infantil de Xai-Xai e depois a Escola Primária Unidade 11. Na mesma cidade, estudou na Escola Primária EP2 de Tavene e depois na Escola Secundária Joaquim Chissano. Em 2005, ainda com 17 anos mudou-se para a Cidade da Beira, no centro de Moçambique onde se formou em Ensino de Biologia pela Universidade Pedagógica. De seguida, ainda na Beira, tornou-se docente da Universidade Pedagógica. Em 2011 mudou-se para a cidade do Porto, em Portugal, onde morou por dois anos frequentando o curso de Mestrado em Ecologia Ambiente e Território na Universidade do Porto. Regressou à Beira em 2013, mas em 2015 voltou a deixar a cidade, mudando-se para Campinas, em São Paulo, no Brasil. Hoje, está a finalizar o doutoramento em Ecologia na Unicamp, e entre os seus estudos mergulha na imaginação. Imagina um mundo melhor, especialmente para as crianças. Deseja um mundo onde todo o ser humano possua as condições de saúde, alimentação, educação, habitação e segurança necessárias para viver livre e com dignidade. O menino que usava uma pessoinha”, Editora Viseu, Brasil - 2019

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Deusa D’África - Nasceu em 1988 em Moçambique. É mestre em Contabilidade e Auditoria e actualmente é professora na Universidade Pedagógica e na Universidade Politécnica. É Gestora Financeira do Projecto Global Fund – Malária. Começou a escrever poesia em 1999, inspirada pela poesia de Noémia de Sousa. É autora de várias obras (prosa e poesia) publicadas na imprensa, destacando-se as premiadas no Concurso Literário Internacional Alpas do Brasil: A Voz das Minhas Entranhas e O Limpopo das Nossas Vidas. Muitos dos seus poemas encontram-se publicados no Jornal Notícias, O País, Pirâmide, Diário de Moçambique e Xitende. Deusa D’África viu alguns dos seus trabalhos editados no Brasil e outros traduzidos para sueco.

 

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