Pela
Editora Viseu, no Brasil em 2019, edita-se “O
menino que usava uma pessoinha” da Eme Simbin, uma moçambicana que sonha em
educar as crianças por via da literatura.
De
acordo com a Ananaz (2018), a literatura infantil divide-se em dois momentos
fundamentais: a escrita e a oralidade, na comunicação das mães para com os
filhos de modo a explicar os fenómenos naturais por via oral e a escrita que
surge no século XVII através do registo do que se contava na oralidade. Teve o
seu início marcado por Perrault, entre 1628 e 1703, através dos livros como
“Mãe Gansa”, “O Barba Azul”, “Cinderela’’, “A Gata Borralheira”, “O Gato de
Botas” e etc. Tendo como função educar crianças através da leitura e escrita.
Analiso
o livro em três dimensões:
- O Espaço na Narrativa;
- O papel da Escola na Criação da Motivação;
- O Simbolismo na Escrita da Eme Simbin.
Aos
seis anos, o menino alto e forte, rico, criado com mordomias, sonha em ser
piloto de aeronaves e durante cinco anos acumulou a experiência de um amigo de
seu pai que é piloto.
O
uso de expressões nas línguas locais de Moçambique, desperta a consciência
humana e moçambicana, pois, embora haja o português como língua oficial, há
necessidade de criarmos um espaço para oficializar as nossas línguas locais e
como forma de manifestar esse sonho a autora vai introduzindo na língua
portuguesa impondo o uso e conhecimento desses termos que o faz sabiamente,
contextualizando o leitor sobre a sua significância.
1 - O Espaço na Narrativa
O
escritor na sua primeira obra tem tendência a ser autobiográfico e Eme Simbin,
também o é, embora fale de todos nós em vozes como a de Chiquito, personagem
principal do conto, também fala de sí mesma, quando descreve este cenário que
decorre na escola que nos fez crescer (a Eme, a mim e entre outros), a Escola
Primária Unidade 11 (de Xai-Xai).
2 - O Papel da Escola na Criação da Motivação
O
concurso lançado pela escola é narrado como um estímulo que incitou aos meninos
e meninas na busca do troféu prometido pelo director da escola ao vencedor da
corrida.
Quantas
Lurdes Mutola, se escondem nas escolas e no dia-a-dia? Motivação é o caminho
para descoberta do que há de mais secreto e por vezes místico, na vida de uma
pessoa.
Stélio
Craveirinha, recordista nacional de atletismo que representou Moçambique nos
jogos olímpicos de Moscovo em 1980, primeiro treinador, responsável pela
descoberta e preparação da menina de ouro, Lurdes Mutola, assim como Elisa
Cossa e Argentina da Glória, dedicou-se na formação de atletas deste país,
embora tenha morrido desconhecido por todos. O livro nos traz a escola como o
lugar de descoberta e preparação de talentos, o lugar de esperança e de desenho
do projecto de construção da personalidade de cada um, não apenas em corridas,
mas sim em qualquer área, o papel da escola na construção de sonhos
individuais.
O
desespero de Chicão ao ver seu colega José, um menino mais hábil que ele na
corrida, fê-lo desalentado, mas a mãe cumpre com o seu papel de apoio ao
professor estimulando ao seu filho a lutar pelos seus sonhos e projectos, ao
lembrar-lhe que pode confiar no brinquedo designado pessoinha que pode atender
seus desejos.
Diz
a mãe na Pag 14: “- Bom, peça ao pessoinha para correr contigo. O pessoinha tem
poderes.”
A
esperteza e trapaças caracterizam a cena narrada pela Eme, ensinando aos
meninos a serem tolerantes e respeitosos, e que a posse de bens materiais não
justifica estar acima dos outros, não justifica o egocentrismo e arrogância de
Chiquito que usou o seu brinquedo “pessoinha” para vencer a primeira e segunda
etapas do concurso e na última etapa que queria vencer sozinho como se o seu
guia de sorte não existisse. Quando nos esquecemos de onde viemos, tal como,
nos esquecemos dos nossos pais que são os nossos deuses, os nossos ancestrais,
nossas crenças, jogamos a sorte afora, somos vazios, entramos em prantos tal
como o Chicão “nome adoptado para claque na escola”, Por outro lado o
“ferrarani” tal como era conhecido o José, menino pobre, mostra a insurreição
pela miséria, pela indiferença com que é encarado no seio de amigos por ser
pobre que mesmo correndo num concurso escolar quase que ninguém olha para ele,
mas é o vencedor que fica com o troféu porque a justiça e honestidade são os
caminhos de luz que constroem a realidade de quem sonha e luta de forma íntegra
pelos seus sonhos.
Rompe
com os estereótipos ao citar as festas religiosas que distinguem uns dos
outros, a discriminação racial, social e económica, através da festa de
encerramento do concurso que mexe com a cidade de Xai-Xai no seu todo, através
das danças executadas por meninos de pés descalços, através da comunhão entre
os ricos e pobres que a autora narra no seu conto.
3 - O Simbolismo na Escrita da Eme Simbin
Simbolismo,
foi movimento literário que surgiu na França no século XIX e consagra-se ao
culto do vago, do etéreo, do subjectivo e do mistério. Valoriza a parte
espiritual e oculta, utiliza o símbolo como recurso expressivo e introduz a
visão egocêntrica. Usa o hermetismo, uma tradição filosófica e religiosa
através de pensamentos simbólicos como quando descreve os personagens
egocêntricos do conto, a presença do vago, a busca do sonho de ser piloto e de
ganhar um troféu, da mística e histórica mafurreira onde discursou o Presidente
Samora aquando da chama da unidade anunciando a independência de Moçambique em
1975. As danças tradicionais e músicas de raiz que perfazem a moçambicanidade.
É
assim que se estreia a Eme, trazendo a escola como o lugar de construção de
sonhos e acima de tudo, de construção de personalidades do futuro, mesmo quando
a sociedade por vezes esquece “a escola ou o professor que forma tais
personalidades”. Deusa d’Africa – Moçambique in “O País”
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Eme Simbin - Natural
de Maputo, Sul de Moçambique. É a terceira e penúltima filha de Zacarias
Simbine e Gracite Chongo Simbine. Passou toda a sua infância no Xai-Xai, cidade
a cerca de 200 Km de Maputo, onde frequentou o Jardim Infantil de Xai-Xai e
depois a Escola Primária Unidade 11. Na mesma cidade, estudou na Escola
Primária EP2 de Tavene e depois na Escola Secundária Joaquim Chissano. Em 2005,
ainda com 17 anos mudou-se para a Cidade da Beira, no centro de Moçambique onde
se formou em Ensino de Biologia pela Universidade Pedagógica. De seguida, ainda
na Beira, tornou-se docente da Universidade Pedagógica. Em 2011 mudou-se para a
cidade do Porto, em Portugal, onde morou por dois anos frequentando o curso de
Mestrado em Ecologia Ambiente e Território na Universidade do Porto. Regressou
à Beira em 2013, mas em 2015 voltou a deixar a cidade, mudando-se para
Campinas, em São Paulo, no Brasil. Hoje, está a finalizar o doutoramento em
Ecologia na Unicamp, e entre os seus estudos mergulha na imaginação. Imagina um
mundo melhor, especialmente para as crianças. Deseja um mundo onde todo o ser
humano possua as condições de saúde, alimentação, educação, habitação e
segurança necessárias para viver livre e com dignidade. “O menino que
usava uma pessoinha”, Editora Viseu, Brasil - 2019
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Deusa D’África -
Nasceu em 1988 em Moçambique. É mestre em Contabilidade e Auditoria e
actualmente é professora na Universidade Pedagógica e na Universidade
Politécnica. É Gestora Financeira do Projecto Global Fund – Malária. Começou a
escrever poesia em 1999, inspirada pela poesia de Noémia de Sousa. É autora de
várias obras (prosa e poesia) publicadas na imprensa, destacando-se as
premiadas no Concurso Literário Internacional Alpas do Brasil: A Voz das
Minhas Entranhas e O Limpopo das Nossas Vidas. Muitos dos seus poemas
encontram-se publicados no Jornal Notícias, O País, Pirâmide, Diário de
Moçambique e Xitende. Deusa D’África viu alguns dos seus trabalhos editados no
Brasil e outros traduzidos para sueco.
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