O novo modelo da atribuição de apoios por parte da Fundação Macau está a prejudicar as contas da Casa de Portugal e a situação agravou-se com o surto de Covid-19 em Macau, que deixou os serviços públicos parados. “Os problemas acumulam-se e agravam-se”, afirmou Amélia António ao Ponto Final, assumindo dependência financeira relativamente à Fundação Macau. No entanto, a presidente da Casa de Portugal diz não temer pelo futuro da associação. Até porque a Casa de Portugal “é um pilar importante na manutenção da identidade de Macau”, diz
A
questão burocrática do novo método de atribuição de subsídios por parte da
Fundação Macau está a prejudicar as contas da Casa de Portugal, que, ainda sem
contar com duas tranches dos apoios das autoridades, tem de recorrer a
empréstimos bancários. Além disso, o surto que parou quase na totalidade a
cidade está a atrasar o processo. “Os problemas acumulam-se e agravam-se”,
confessa Amélia António ao Ponto Final.
“O
modelo de funcionamento destes subsídios foi alterado de uma maneira que não é
compatível com o funcionamento das associações que têm uma actividade
permanente”, critica a presidente da Casa de Portugal, que está à frente da
associação de matriz portuguesa há 17 anos.
Então,
quais são essas alterações promovidas pela Fundação Macau que, na opinião de
Amélia António, têm prejudicado algumas associações? Antigamente, as
associações apresentavam, entre Agosto e Setembro, os seus planos para o ano
seguinte e a Fundação Macau, após apreciação do conselho de curadores,
anunciava quais as actividades que iria financiar. Mais tarde, em Janeiro, as
associações apresentavam o relatório às autoridades e, até Março, a Fundação
transferia a primeira de duas tranches dos apoios.
Após
as alterações promovidas este ano, os apoios passam a estar divididos em três
tranches, sendo que a última delas só é disponibilizada depois de as contas
serem aprovadas pela Fundação. “Dantes, assim que as contas fossem
apresentadas, o processo andava; e depois, se a associação tinha alguma coisa a
devolver, devolvíamos à Fundação. Este acerto era feito posteriormente, no
decurso do ano seguinte”, conta Amélia António, acrescentando que este novo
método atrasa o processo e as associações não podem receber os subsídios já
aprovados sem que as contas da totalidade do ano estejam fechadas. “E as contas
do ano não se podem fechar em Janeiro”, salienta. Além disso, de acordo com os
novos procedimentos, as contas de cada associação têm de ser auditadas, o que
atrasa ainda mais o processo.
Novos métodos da Fundação Macau não são compatíveis com
associações que promovem actividades permanentes
“Este
funcionamento não é compatível com uma associação que tem uma actividade
permanente com obrigações permanentes”, sublinha a presidente da Casa de
Portugal. Amélia António frisa que a Casa de Portugal não está a pedir mais
dinheiro, as críticas têm como foco os novos métodos de atribuição dos
subsídios que estão a obrigar a associação a recorrer ao crédito bancário.
Devido
às alterações – e também ao surto que parou os serviços públicos durante um mês
e meio – a Fundação Macau ainda não transferiu a última tranche dos apoios
referente ao ano passado e, além disso, também ainda não disponibilizou a
primeira tranche de 2022. A última tranche de 2021 “devia ter chegado há vários
meses”.
Amélia
António já tinha denunciado à TDM Rádio Macau que a Casa de Portugal não
conseguiu pagar dois meses de rendas dos espaços onde funcionam as suas
oficinas. A presidente da associação tinha indicado também à emissora que a
Casa de Portugal tem estado a viver do crédito bancário, mas já foi atingido o
limite de pedidos de adiantamento ao banco. Além disso, explica Amélia António,
“o banco empresta com juros, portanto, agrava os custos”. Os juros não são
reembolsáveis pela Fundação Macau.
Dependência da Fundação Macau?
Num
artigo de opinião publicado no blogue Delito de Opinião e no Ponto Final, o
advogado Sérgio de Almeida Correia considerou “deprimente” ver as dificuldades
em que está a Casa de Portugal e indicou que os problemas financeiros da
instituição “colocam-nos a todos, portugueses, uma vez mais, numa situação de
pedintes”.
“Pessoalmente,
dispenso os subsídios da Fundação Macau, visto que entendo que essa dependência
é péssima para a prossecução dos objectivos da Associação, entre os quais está,
também, a assunção de uma dimensão cívica que passa, pelo menos no papel, pela
defesa dos direitos consignados na Lei Básica a favor dos portugueses”,
afirmava o advogado no artigo de opinião, lançando um apelo ao Governo
português “para que se debrucem sobre esta questão que começa a assumir
contornos de um miserabilismo deplorável, no sentido de ser tomada uma posição
consequente”.
“Porque
das duas uma: ou é do interesse de Portugal e dos portugueses ter instituições
em Macau que dêem continuidade e projecção à sua presença, ou não é. Se não é,
então que o digam e o transmitam aos dirigentes da Casa de Portugal”, lê-se no
artigo de Sérgio de Almeida Correia. O Ponto Final endereçou questões na
passada quinta-feira ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e também
ao Consulado-Geral de Portugal em Macau para saber se as autoridades
portuguesas têm estado atentas aos problemas financeiros da instituição, mas
até agora não obteve respostas.
Em
resposta ao artigo de opinião de Sérgio de Almeida Correia, Amélia António
afirma que “é evidente que [a Casa de Portugal] está dependente dos apoios [da
Fundação Macau], como todas as associações, praticamente”. “Temos de ser
realistas e ter os pés no chão”, afirma.
A
presidente da associação lembra que, apesar de a Casa de Portugal ser uma
instituição de cariz portuguesa, é uma instituição de Macau: “A Casa de
Portugal, independentemente de uma parte do seu objecto estar mais virado para
os interesses e necessidades da comunidade portuguesa, é uma instituição de
Macau. Uma associação constituída em Macau, de acordo com a lei local. Do ponto
de vista do funcionamento da associação, tem os direitos e deveres de qualquer
outra associação em Macau”.
“Se
desenvolvemos actividades culturais, é normal que vá às instituições que, no
território, ajudam esse tipo de actividades e, de acordo com as normas que
existem para todas, vá fazer propostas de actividades e pedir subsídios”,
refere. Amélia António afirma: “Nós, enquanto associação com responsabilidade
cultural, não devemos abdicar dos direitos que temos enquanto associação de
Macau”. No entanto, a presidente da Casa de Portugal reconhece que, “pelas
características da associação e por uma parte ter a ver com a cultura e
presença portuguesa em Macau”, o Governo português “tem obrigação de dar
apoio”.
Casa de Portugal sugere apoio na vinda de formadores
portugueses
Que
apoio poderia o Governo português oferecer? Amélia António explica que Portugal
tem um fundo destinado às actividades de associações de cariz português no estrangeiro,
mas não se coaduna com os moldes da Casa de Portugal, já que “também foi
pensado para associações diferentes e exige um planeamento a longo prazo que
nós não conseguimos fazer”.
Por
outro lado, Amélia António conta que tem sugerido às autoridades portuguesas
apoio extra-monetário, porque “nem tudo se resolve com dinheiro”: “ Portugal
tem instituições, fundações, etc., e, se houvesse coordenação, essas
instituições poderiam apoiar a actividade cultural que se faz aqui. Uma
fundação poderia libertar um formador para vir aqui fazer formação numa
determinada área. Outra poderia fazer o mesmo relativamente a outra área da
cultura. E aí era possível fazer actividades com gastos menores, porque os
formadores viriam através dessas instituições”.
A
vinda a Macau de profissionais e formadores de várias áreas através de
instituições portuguesas “traria um dinamismo diferente, refrescava ideias”.
“Isso poderia ter um efeito extremamente positivo e era uma ajuda sem ser o
mandar dinheiro”, frisa.
“Um pilar importante na manutenção da identidade de Macau”
Apesar
das dificuldades, Amélia António garante que não teme pelo futuro da Casa de
Portugal. “É um pilar importante na manutenção da identidade de Macau. E, nessa
medida, a existência da Casa não está em causa”, afirma.
Para
a líder da Casa de Portugal, não tem havido má vontade das autoridades locais.
Trata-se de uma questão de prioridades: “Atravessamos um período muito difícil
que já é muito longo e o Governo tem-se focado noutras prioridades e
preocupações e, por isso, não estará tão sensível para estas questões
culturais”. “Se calhar, [o Governo] olha de maneira menos atenta e focada [para
a Casa de Portugal] porque se calhar está assoberbado com preocupações de
dimensão maior”, justifica.
“Com
20 anos de Casa de Portugal e com o apoio e manifestações de apreço pelo
trabalho desenvolvido que fomos tendo ao longo dos anos, não é de repente que
há uma inversão completa da visão ou da forma de pensar [da parte das
autoridades]”, conclui. André Vinagre – Macau in “Ponto
final”
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