O
Governo timorense executou ontem uma ordem de despejo administrativo do maior
grupo artístico e cultural timorense, a Arte Moris, atirando para a rua dezenas
de obras de arte, incluindo da colecção permanente.
“Veio
uma equipa da Direcção de Terras e Propriedades, escoltada pela polícia, com
uma ordem de despejo administrativo. Disseram-nos que era a decisão final e que
não havia mais negociações”, disse à Lusa Iliwatu Danabere, director executivo
da Arte Moris, organização que o Governo expulsou para dar o espaço ao Conselho
dos Combatentes da Libertação Nacional (CCLN).
“Disseram
que tínhamos que retirar tudo em três dias, mas explicámos que isso era
impossível porque havia muitas coisas a retirar. Tentamos negociar antes com o
Governo para encontrar uma solução, mas hoje [ontem] vieram apenas com esta
ordem para executar”, considerou.
Durante
a acção de despejo de ontem, as autoridades retiraram dezenas de obra de arte
do interior do complexo – que foi museu provincial durante o tempo de ocupação
indonésia de Timor-Leste e que a Arte Moris utiliza há mais de 18 anos.
Inicialmente
carregaram camiões de caixa aberta com as obras, transportadas sem qualquer
cuidado, atirando-as depois para um monte no exterior do complexo.
“Foram
os próprios funcionários que retiraram as obras, deixando-as na rua, já que nós
não temos condições para tirar nem nenhum local para onde as levar. Pensei que
iam levar as obras para algum local, que diziam ter preparado, mas depois
atiraram apenas as obras aqui para o chão”, lamenta Danabere, olhando para as
obras amontoadas.
“Penso
que as pessoas com quem negociámos tiveram pressões de outras entidades que
querem usar o espaço e por isso executaram a ordem e mandaram-nos para a rua.
Estão aqui as nossas melhores obras, incluindo da colecção permanente e dos
artistas mais veteranos.
Questionado
sobre a importância que as autoridades dão ao sector artístico e cultural e aos
jovens timorenses, Danabere disse que a ação de despejo de ontem “fala por si”.
“Pensei que com todas as negociações, iríamos chegar a uma boa solução, mas com
esta acção mostram que nós e a minha organização não têm qualquer valor ou
qualquer importância”, afirmou.
O
colectivo Arte Moris envolve mais de 100 pessoas, incluindo artistas plásticos
e elementos da organização Tertil, de teatro, e de pelo menos cinco grupos
musicais, incluindo o Galaxy e o Klamar, dois dos mais famosos de Timor-Leste.
O
despejo ocorre depois de vários meses de silêncio das autoridades timorenses e
após tentativas de negociações da direcção da Arte Moris, que em Julho recorreu
junto do Ministério da Justiça pela decisão de expulsão do local. Esse recurso
respondeu a uma ordem de desocupação remetida ao colectivo pelo Ministério da
Justiça no passado dia 8 de Julho.
A
polémica começou em 2020 quando a Arte Moris soube pela imprensa que o espaço,
que serve de ‘casa’ ao projecto desde 2003, em Comoro, Díli, ia ser entregue ao
CCLN, cujo presidente, Vidal de Jesus Riak Leman, disse ter sido informado da
decisão pelo primeiro-ministro, Taur Matan Ruak.
A
decisão foi tomada pelo primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, tendo suscitado
críticas de vários dirigentes timorenses. O secretário-geral da Fretilin, Mari
Alkatiri, um dos três partidos no Governo e primeiro-ministro na altura em que
o espaço foi parcialmente cedido à Arte Moris, questionou a forma como o
processo foi conduzido.
O
ex-Presidente da República e patrono da Arte Mortis, José Ramos-Horta, é ainda
mais crítico ao considerar que nada tem faltado aos veteranos, “nem em recursos
pecuniários, nem materiais”, e que a decisão de despejar a Arte Moris é “triste
e chocante” para o país.
Na
altura, em declarações à Lusa, Ramos-Horta questionou se “este Governo quer ser
também o Governo que matou a Arte Moris”, e adiantou que o executivo “pode
facilmente encontrar outro lugar” para o CCLN.
“Os
veteranos, representados pelas legítimas e legalizadas associações, têm tido
todos os privilégios concedidos pelo Estado, e merecidamente. Basta vermos os
orçamentos dedicados aos veteranos desde 2007 e 2008”, salientou.
“Agora,
irem correr do lugar um grupo artístico, cultural, de jovens, que ao longo de
20 anos revelaram enorme dedicação, sacrifícios, empenho a produzir arte,
animar a vida cultural da cidade e do país, não cabe na cabeça de ninguém”,
defendeu.
Em
vez de despejar a Arte Moris, o Governo devia “ter tido a sensibilidade de ter
financiado a reabilitação desse espaço, de financiar pelo menos em parte a arte
e a cultura em Timor-Leste, através deste e de outros grupos”, acrescentou.
Actualmente
a residir em Itália, Gabriela Gansser, cofundadora com Luca Gansser do projecto
da Arte Moris em 2003 – e por onde já passaram grande parte dos principais
artistas da arte contemporânea mais recente do país – lamentou numa mensagem
enviada à Lusa a ação de despejo.
“A
colecção da Arte Moris é a primeira e única grande colecção de arte do período
pós-indonésio e já faz parte do património cultural timorense”, vincou.
“A
Arte Moris deveria poder continuar, com novos contratos e há até doadores que
estão disponíveis para poder financiar a reconstrução e a recuperação do
espaço”, afirmou. In “Ponto Final” – Macau com “Lusa”
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