Dominique Day é presidente do Grupo de Trabalho de Especialistas* das Nações Unidas sobre Afrodescendentes. Após visita oficial a Lisboa, Setúbal e Porto, o grupo aponta alegações de casos de brutalidade por agentes policiais, violência racial física e verbal e faz cerca de 40 recomendações ao governo português
Após
passar cerca de uma semana em Portugal, a presidente do Grupo de Trabalho de
Especialistas das Nações Unidas sobre Afrodescendentes expressou surpresa com o
que viu e ouviu nas suas visitas. Dominique Day lamenta que “o país não consiga
abraçar a riqueza e a diversidade” da sua população.
Day
e outras duas especialistas em direitos dos afrodescendentes estiveram em
Lisboa, Setúbal e Porto a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Tiveram encontros e conversas com representantes do governo, do setor da
Justiça, da sociedade civil e da população.
Preso no passado
Nesta
segunda-feira, Dominique Day falou com a ONU News após a conclusão da visita de
trabalho. Em Lisboa, a especialista afirmou que “a identidade portuguesa ainda
está presa ao passado”.
Dominique
Day declarou que Portugal tem o que chamou de “uma narrativa colonial tóxica” e
para haver mudanças, é preciso reconhecer o “papel poderoso que o país teve na
construção social de raça.”
A
especialista em direitos humanos observou que o país tem acolhido muitos
migrantes e que existe diversidade no território. Mas a maneira como a questão
racial é encarada surpreendeu a presidente do Grupo de Trabalho da ONU.
Piadas
O
documento apresentado na conclusão da visita ao país traz 85 pontos, com muitas
menções à violência física e verbal. As especialistas que estiveram em Portugal
ouviram, por exemplo, vários relatos sobre “piadas racistas e até sobre a
comparação de pessoas afrodescendentes a macacos”.
As
relatoras notaram que estes hábitos permitem um ambiente propício para a
violência racial”, refletindo ainda, nas palavras de Dominique Day, “uma
mentalidade bastante enraizada na valorização do passado colonial”.
Na
conversa com alguns portugueses, a presidente do Grupo de Trabalho da ONU ouviu
diversos relatos sobre alegações de casos de brutalidade dos agentes da polícia
contra afrodescendentes.
Segundo
Dominique Day, essas pessoas relataram situações de abuso de autoridade, de
abordagens policiais quase que diárias em alguns bairros, sujeitando os
cidadãos à revista pessoal, além de relatos de violência física em todas as
cidades visitadas. Na maioria dos casos, segundo Day, a impunidade acompanha os
atos violentos.
Mulher espancada
Dois
casos chamaram ainda mais a atenção da especialista: o de uma mulher negra que
teria sido espancada por alguns agentes da polícia dentro de um autocarro e o
de um presidiário que morreu em Lisboa sob custódia. O laudo indica o preso
teria falecido de causas naturais.
Após
a família do jovem afrodescendente angariar fundos, contratar um advogado e
procurar a mídia, mostrando inconsistências do caso foi reaberta a investigação
para descobrir a causa da morte.
O
Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes reconhece, entretanto, algumas
iniciativas de Portugal, como a criação do Observatório Independente sobre
Discurso de Ódio, Racismo e Xenofobia e a adoção do Plano Nacional de Combate
ao Racismo e à Discriminação.
Quarenta recomendações
Ao
concluir a visita, o grupo entregou ao governo português o documento com os
principais pontos do que foi observado no país, incluindo cerca de 40
recomendações de combate ao racismo e à xenofobia.
Entre
as principais está um pedido para investigações independentes sobre alegados
casos de violência policial, além de ação para interromper a violência da
polícia contra afrodescendentes.
Outra
recomendação é para uma revisão do currículo escolar e do material de ensino
sobre História e o passado colonial português, para que reconheçam o tráfico e
o comércio de escravos e a contribuição dos afrodescendentes para a construção
de Portugal, seu desenvolvimento e diversidade.
O
Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes quer ainda que o país “acabe
com a narrativa apologista e negacionista em torno do colonialismo”.
*As
especialistas, que trabalham de forma independente, não são contratadas pelas
Nações Unidas e nem recebem salários, deverão apresentar um documento completo
sobre a visita a Portugal ao Conselho de Direitos Humanos em 2022. ONU News –
Nações Unidas
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