Mais de um quarto de século da história cabo-verdiana é contada nos 323 números do jornal Notícias de Cabo Verde, que estavam em Lisboa e regressam agora ao arquipélago, oferecidos pela filha do último diretor
Em
1931, o primeiro exemplar do jornal privado Notícias de Cabo Verde noticiava,
com destaque e uma fotografia, a chegada do novo governador Amadeu Gomes
Figueiredo ao território.
O
jornal custava um escudo e foi fundado por Manuel Ribeiro de Almeida,
empresário de sucesso na ilha cabo-verdiana de São Vicente, com uma particular
paixão pelas artes e ideias.
O
número um explicava, no editorial, o programa do Notícias de Cabo Verde: “Fazer
a propaganda e a defesa da nossa terra e lutar pelo seu progresso material e
moral”.
A
publicação durou 31 anos, com uma periodicidade instável, e relatou nas suas
edições a história de um Cabo Verde que lutava contra a fome, num mundo
atravessado por uma guerra mundial, e ilustrado com muitas fotografias das
principais figuras de um Portugal que ainda queria ser imperial.
Como
a edição de 23 de Junho de 1939, com uma primeira página preenchida com a
fotografia de Óscar Carmona, a propósito da visita do chefe de Estado português
ao arquipélago cabo-verdiano.
O
Notícias de Cabo Verde foi o primeiro a relatar alguns acontecimentos marcantes
da história deste país africano, como a revolta de Nhô Ambrôze, uma
manifestação em 1934 de um grupo que percorreu várias ruas da cidade do
Mindelo, ostentando um pano preto a servir de bandeira, contra a miséria e a
fome.
Também
noticiou o “Desastre da Assistência” na cidade da Praia, em Santiago, uma
catástrofe que ocorreu em 1949, quando a parede dos Serviços Cabo-verdianos da
Assistência ruiu, matando 232 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, que ali
acorriam por terem fome.
Em
mais de um quarto de século, as edições deste jornal deram conta do início e
fim da Segunda Guerra Mundial, a luta do arquipélago contra a malária,
escreveram sobre as figuras nacionais e locais, com destaque para a cidade do
Mindelo, em São Vicente, onde era feito, sublinhando as visitas das mais altas
personalidades ao território.
Ao
longo destas edições, que estão reunidas em três volumes A3, de capa rija e cor
verde com letras douradas, encontram-se textos e poemas de nomes sonantes da
literatura cabo-verdiana, como Osvaldo Osório, Armando Vieira, Jorge Miranda
Alfama e Mário Fonseca.
A
publicidade dava igualmente conta de produtos e negócios no território e na
metrópole, assinalava efemérides, como o primeiro centenário do Mindelo (1838 —
1938), com direito a primeira página e edição especial, ao nível do conteúdo e
do papel.
O
jornal foi impresso na sociedade de Tipografia e Publicidade, fundada por
Manuel Ribeiro de Almeida, na qual foram impressas publicações emblemáticas,
como a revista Claridade (1936), no âmago de um movimento de emancipação
cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana.
A
última edição do Notícias de Cabo Verde foi à estampa em 28 de Agosto de 1962,
sob a direcção de Raul Ribeiro, irmão de Manuel Ribeiro de Almeida, e a
principal notícia era a visita a Cabo Verde do então ministro do Ultramar,
Adriano Moreira.
A
filha de Raul Ribeiro, Helena Neto, proprietária da inédita colecção de
jornais, tem a ambição de que estes exemplares sejam vistos pelo maior número
de pessoas e desloca-se esta semana ao Mindelo, onde vai oferecer a coleção à
biblioteca municipal.
“A ideia é permitir que as obras sejam consultadas, porque não sou eterna, já tenho esta idade” (87 anos), disse à agência Lusa Helena Neto, conhecida como Milene Neto, e que gostaria que os jornais fossem microfilmados para poderem estar disponíveis para todos e para sempre.
Helena Neto, conhecida como Milena, vive em Portugal desde os 10 anos. Cresceu a ver um álbum “muito especial” elaborado pelo pai, Raul Ribeiro, que foi o último diretor do jornal Notícias de Cabo Verde (1931 – 1962) e era um apaixonado pela fotografia.
As fotos inéditas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral: “O
meu pai foi o primeiro a abrir a porta do avião”
Fotografias
inéditas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral na ilha cabo-verdiana de São
Vicente, tiradas há mais de cem anos por Raul Ribeiro e também na posse da
filha vão igualmente ser oferecidas ao arquipélago.
O
álbum que Milena Neto guardou até hoje é de cartão e cada página apresenta três
a quatro fotografias da aventura dos dois portugueses que, em 1922, realizaram
com sucesso a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.
A
ilha de São Vicente, onde Milena Neto nasceu, foi a segunda paragem da viagem
de Gago Coutinho (cartógrafo/navegador) e Sacadura Cabral (piloto), que saíram
de Lisboa em 30 de março de 1922, com destino às Canárias, tendo como meta
final o Brasil.
Voaram
800 milhas desde as Canárias até São Vicente (Cabo Verde), onde os esperavam
uma comissão de honra, de que fazia parte o pai de Milena Neto.
“O
meu pai foi o primeiro a abrir a porta do avião”, contou a filha de Raul
Ribeiro, o autor da reportagem fotográfica, com as imagens devidamente
legendadas.
As
fotografias relatam a passagem e estadia dos dois aviadores no Mindelo, onde
repararam o hidroavião “Lusitânia”, mostrando imagens do aparelho, populares a
observar os aventureiros e marinheiros da Armada a guardarem o avião.
Uma
das fotografias mostra Gago Coutinho e Sacadura Cabral a regressarem de uma
sessão solene na Câmara Municipal e a entrarem no Palácio do Governo, onde
ficaram hospedados.
Outras
imagens retratam a dupla a sair do Palácio para um chá em casa do cônsul
inglês, bem como Sacadura Cabral à conversa com um mecânico e pessoal da
aviação marítima.
Helena
Neto gostaria que o álbum tivesse sido entregue antes, nomeadamente no ano
passado, que assinalou os cem anos após o feito, muito comemorado em Cabo
Verde, mas só agora conseguiu este propósito.
Recorda que achava graça estudar esta travessia na escola, pois tinha em casa um relato muito especial da viagem, que irá entregar ao presidente da Câmara Municipal do Mindelo na próxima semana, tendo o objetivo de o mesmo ser exposto na Biblioteca Municipal. In “Balai Cabo Verde” – Cabo Verde e MadreMedia / Lusa - Portugal
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