O levantamento das restrições antipandémicas trouxe a Macau um recorde de turistas de Hong Kong, muitos dos quais descobrem a gastronomia portuguesa através de um prato falsamente atribuído a Portugal
O
pedido mais frequente que os turistas de Hong Kong fazem ao chegar ao In
Portuguese Food é ‘pou gwok gai’, que em cantonês quer dizer galinha
portuguesa. José Alves, proprietário do restaurante, não se cansa de explicar:
“Galinha de caril não é um prato português e eu não vou copiar o que os outros
têm”.
A
designação e o bom nome deste prato macaense têm levado muitos turistas a
procurar no território a cozinha portuguesa. “Perguntam se tenho comida genuína
portuguesa, eu respondo que sim, e depois dizem: Então quero ‘pou gwok gai'”,
conta à Lusa José Alves, explicando que o prato foi “criado em Moçambique pelos
indianos”.
Por
volta das oito da noite de quinta-feira, os clientes que se encontram no In
Portuguese Food são de Hong Kong e do interior da China. Logo à entrada, onde
Alves janta sozinho, ouve-se música portuguesa. Turistas vão parando lá fora,
detêm-se à frente do menu, elaborado em chinês, português e inglês.
Cerca
de 25% dos clientes que visitaram o espaço durante o ano novo lunar são da
região vizinha, estima o responsável. “Desde que abriram as fronteiras, noto
que há mais turistas de Hong Kong a comer nos restaurantes, principalmente nos
portugueses”, acrescenta José Alves, que admite ter “grandes expetativas” em
relação a este grupo de visitantes com “maior poder de compra”.
Os
números oficiais sustentam isso mesmo: das 451 mil pessoas que passaram por
Macau na primeira semana da festividade, 165 mil vieram da ex-colónia
britânica, ou seja, 36,6%.
Denny
Lui, natural de Hong Kong, passou pelo 86 da rua Correia da Silva por um acaso.
À mesa, encontra-se para já um prato de ameijoas e outro de arroz de marisco,
mas Lui e as três pessoas que o acompanham encomendaram ainda uma dose de
leitão e outra de sardinhas. “Natural e simples”. É assim que Lui define a
gastronomia portuguesa, outro acaso nesta passagem por Macau. “Vim para jogar”,
afirma. À mesa, todos se riem. O homem prossegue: “Passei metade do dia no
casino”. Ganhou? “Não o suficiente para pagar este jantar”.
Do
In Portuguese Food até ao Santos, outro restaurante português na vila da Taipa,
são poucos minutos a pé. Uma instalação com luzes néon, junto à rua do Cunha,
ilumina quem por aqui passa à noite. Turistas atravessam com urgência o largo.
Sentados entre a multidão, grupos de jovens olham o telemóvel, duas mulheres
picam tripas de vaca, negócio que faz fila ali perto.
Jeff
e Jack, também de Hong Kong, mandaram vir no Santos ‘pou gwok gai’. “[A
comida] tem um sabor semelhante à de Hong Kong”, realça Jeff. “Existem
paladares especiais e diferentes”, contrapõe Jack.
“Os
turistas de Hong Kong e do interior da China pedem muito ‘pou gwok gai’
e eu digo que só tenho galinha com molho fricassé, que é parecida e que é o que
eu sirvo”, conta à Lusa Santos Pinto, explicando que a popular galinha
portuguesa, “que não é um prato português”, é confecionada com coco.
Também
nesta casa benfiquista, com as paredes revestidas com cachecóis do clube de
futebol português, os turistas de Hong Kong têm chegado em peso durante o
Festival da Primavera, na sequência do levantamento da restritiva política
‘zero covid’, em vigor nos últimos três anos. “São cerca de 30%”, calcula
Santos Pinto.
“Eles
entram aqui e dizem ‘long time no see you’, porque já eram meus clientes.
Muitos amigos de Hong Kong não vinham há muito, algumas crianças cresceram, eu
tirava fotos com elas e agora aparecem mais velhas. Tem sido uma alegria muito
grande receber estas pessoas todas, só não tenho mãos a medir”, diz o
alentejano de Montemor-o-Novo.
Antes
da pandemia, também Andrew Lawrence, empresário sul-africano a trabalhar em Hong
Kong há mais de duas décadas, tinha por hábito vir ao território todas as
semanas. Regressou na quinta-feira pela primeira vez desde a mudança da
estratégia de Macau para a pandemia. À mesa, sabores que faziam falta: ameijoas
à Bulhão Pato, entrecosto grelhado, uma garrafa da Quinta do Crasto – “o vinho
português é ótimo e de preço acessível, não é?” “Agora que estive em Portugal,
aprecio mais e percebo melhor a origem da comida”, diz.
A
longa ligação de Lawrence a Macau e à comunidade portuguesa levou o
sul-africano a aprender a língua e a investir numa casa em Lisboa, através do
programa dos vistos ‘gold’. “E ainda a apoiar o Sporting”, completa. In “Ponto
Final” - Macau
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