Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Macau - Turistas de Hong Kong descobrem cozinha portuguesa à boleia de falso prato nacional

O levantamento das restrições antipandémicas trouxe a Macau um recorde de turistas de Hong Kong, muitos dos quais descobrem a gastronomia portuguesa através de um prato falsamente atribuído a Portugal

O pedido mais frequente que os turistas de Hong Kong fazem ao chegar ao In Portuguese Food é ‘pou gwok gai’, que em cantonês quer dizer galinha portuguesa. José Alves, proprietário do restaurante, não se cansa de explicar: “Galinha de caril não é um prato português e eu não vou copiar o que os outros têm”.

A designação e o bom nome deste prato macaense têm levado muitos turistas a procurar no território a cozinha portuguesa. “Perguntam se tenho comida genuína portuguesa, eu respondo que sim, e depois dizem: Então quero ‘pou gwok gai'”, conta à Lusa José Alves, explicando que o prato foi “criado em Moçambique pelos indianos”.

Por volta das oito da noite de quinta-feira, os clientes que se encontram no In Portuguese Food são de Hong Kong e do interior da China. Logo à entrada, onde Alves janta sozinho, ouve-se música portuguesa. Turistas vão parando lá fora, detêm-se à frente do menu, elaborado em chinês, português e inglês.

Cerca de 25% dos clientes que visitaram o espaço durante o ano novo lunar são da região vizinha, estima o responsável. “Desde que abriram as fronteiras, noto que há mais turistas de Hong Kong a comer nos restaurantes, principalmente nos portugueses”, acrescenta José Alves, que admite ter “grandes expetativas” em relação a este grupo de visitantes com “maior poder de compra”.

Os números oficiais sustentam isso mesmo: das 451 mil pessoas que passaram por Macau na primeira semana da festividade, 165 mil vieram da ex-colónia britânica, ou seja, 36,6%.

Denny Lui, natural de Hong Kong, passou pelo 86 da rua Correia da Silva por um acaso. À mesa, encontra-se para já um prato de ameijoas e outro de arroz de marisco, mas Lui e as três pessoas que o acompanham encomendaram ainda uma dose de leitão e outra de sardinhas. “Natural e simples”. É assim que Lui define a gastronomia portuguesa, outro acaso nesta passagem por Macau. “Vim para jogar”, afirma. À mesa, todos se riem. O homem prossegue: “Passei metade do dia no casino”. Ganhou? “Não o suficiente para pagar este jantar”.

Do In Portuguese Food até ao Santos, outro restaurante português na vila da Taipa, são poucos minutos a pé. Uma instalação com luzes néon, junto à rua do Cunha, ilumina quem por aqui passa à noite. Turistas atravessam com urgência o largo. Sentados entre a multidão, grupos de jovens olham o telemóvel, duas mulheres picam tripas de vaca, negócio que faz fila ali perto.

Jeff e Jack, também de Hong Kong, mandaram vir no Santos ‘pou gwok gai’. “[A comida] tem um sabor semelhante à de Hong Kong”, realça Jeff. “Existem paladares especiais e diferentes”, contrapõe Jack.

“Os turistas de Hong Kong e do interior da China pedem muito ‘pou gwok gai’ e eu digo que só tenho galinha com molho fricassé, que é parecida e que é o que eu sirvo”, conta à Lusa Santos Pinto, explicando que a popular galinha portuguesa, “que não é um prato português”, é confecionada com coco.

Também nesta casa benfiquista, com as paredes revestidas com cachecóis do clube de futebol português, os turistas de Hong Kong têm chegado em peso durante o Festival da Primavera, na sequência do levantamento da restritiva política ‘zero covid’, em vigor nos últimos três anos. “São cerca de 30%”, calcula Santos Pinto.

“Eles entram aqui e dizem ‘long time no see you’, porque já eram meus clientes. Muitos amigos de Hong Kong não vinham há muito, algumas crianças cresceram, eu tirava fotos com elas e agora aparecem mais velhas. Tem sido uma alegria muito grande receber estas pessoas todas, só não tenho mãos a medir”, diz o alentejano de Montemor-o-Novo.

Antes da pandemia, também Andrew Lawrence, empresário sul-africano a trabalhar em Hong Kong há mais de duas décadas, tinha por hábito vir ao território todas as semanas. Regressou na quinta-feira pela primeira vez desde a mudança da estratégia de Macau para a pandemia. À mesa, sabores que faziam falta: ameijoas à Bulhão Pato, entrecosto grelhado, uma garrafa da Quinta do Crasto – “o vinho português é ótimo e de preço acessível, não é?” “Agora que estive em Portugal, aprecio mais e percebo melhor a origem da comida”, diz.

A longa ligação de Lawrence a Macau e à comunidade portuguesa levou o sul-africano a aprender a língua e a investir numa casa em Lisboa, através do programa dos vistos ‘gold’. “E ainda a apoiar o Sporting”, completa. In “Ponto Final” - Macau


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