Miguel Caldeira trabalhou na programação da emissora durante anos de instabilidade no país de língua portuguesa. O profissional lembra que a rádio ajudava as famílias deslocadas a decidir o momento de voltar para casa e ainda popularizou a língua portuguesa
As
Nações Unidas marcaram neste 13 de fevereiro o Dia Mundial da Rádio. Este ano,
a data celebra a importância do veículo em situações de conflito, comemorando
também os 75 anos das Missões de Paz da ONU.
A
ONU News conversou com o português Miguel Caldeira, que esteve à frente das
transmissões de rádio em Timor-Leste durante os anos de instabilidade política
na nação do sudeste asiático.
O rádio como único meio de comunicação
Ele
relata que o noticiário era uma das únicas formas de levar informações à
população e lembra que, com a falta de recursos, os programas dependiam de
voluntários e “muita coragem” para irem para o ar.
“A
rádio era sem dúvida o principal informador. As pessoas, sobretudo que viviam
longe da capital ou das duas principais cidades, só recebiam notícias através
da rádio. As notícias chegavam a conta gotas, porque embora houvesse uma rádio
de comunidade, em cada um dos distritos de Timor, não havia muitas vezes
eletricidade e os voluntários que trabalhavam nas diferentes rádios não tinham
total disponibilidade para informar. Muitas vezes, eles próprios também não
tinham acesso a essa informação, mas quando tinham, era com muita coragem e
muita dedicação que se deslocavam até estas casas. Eu lembro que num dos
distritos, a rádio parava na casa de banho, tinham uma mesa de mistura por cima
da retrete e era lá que se fazia, sem qualquer vergonha.”
As
Nações Unidas atuaram em Timor-Leste de 1996 até 2012. Até 2002, a organização
apoiou a transição para independência e eleições no país. No entanto, o país
ainda sofreu com a instabilidade política e crises humanitárias, estendendo o
mandato da missão por mais uma década.
Crise social e política
Miguel
Caldeira contou à ONU News as suas memórias de quando esteve no país em 2006,
em meio a uma crise política e social pela qual o Timor-Leste passava.
Em
visita a um campo de deslocados, onde viviam cerca de 100 mil pessoas, ele pode
observar a importância da rádio não só para levar notícias, mas também para que
as pessoas pudessem saber quando era seguro voltar para casa.
“O
rádio acabava por ser, mais uma vez, essa única fonte de informação. O governo
usava e nós fazíamos programas de rádio para mostrar às populações como é que
estava a situação em casa, se era ou não seguro regressar e para dar opções.
Muitas destas pessoas e famílias não tinham nada, tinham a roupa que tinha no
corpo e pouco mais. O governo disponibilizava material de construção, por exemplo,
e de transporte, para as famílias regressarem a casa. Muitas destas pessoas
tinham esses pequenos rádios nas tendas para ouvir e aqueles que não tinham
rádio, nós pusemos altifalantes nos carros e íamos até aos campos e as pessoas
sentavam se à volta, e mais uma vez, através do áudio, conseguia perceber quais
eram as opções e muitas dessas famílias acabaram por regressar a casa. Enfim,
graças à rádio”.
Língua portuguesa em Timor-Leste
Segundo
o jornalista, o rádio também foi um importante meio para a popularização da
língua portuguesa em Timor-Leste.
“Timor-Leste
é um país com duas línguas oficiais. Também o indonésio é muito falado, mas o
tétum e o português acabam por ser as línguas oficiais do país. E o programa,
um dos programas que criámos, significava ‘reconciliação’. Esse programa e
esses programas de rádio que começaram em tétum, percebemos que era importante
também começar a promover conteúdo em português e criamos uma relação tanto
para a televisão como para a rádio, de falantes de português, jovens que não
eram jornalistas, mas que conheciam e tinham muito interesse na língua. Foram
eles que começaram a desenvolver conteúdos em português para que as populações
pudessem, muitas delas, reconciliar-se umas com as outras depois destes, destas
convulsões sociais e políticas que aconteceram no país”.
Timor-Leste
tem o tétum e o português como línguas oficiais. Durante a última Assembleia
Geral, o presidente do país asiático, José Ramos-Horta, afirmou à ONU News que
até 2030, metade da população deve falar português.
Segundo
ele, no começo dos anos 2000, apenas 1% da população era lusófona. Atualmente,
o governo acredita esse número já chegue a 40%.
Caldeira
explica que o tétum é uma língua maioritariamente falada e com algumas
variantes. Embora ele domine o idioma, o jornalista revelou que quando não
sabia alguma palavra, trocava pelo português e todos eram capazes de entender.
Informação para população em deslocamento
Sobre
a data, a chefe de comunicações estratégicas do Departamento de Operações de
Paz das Nações Unidas, Francesca Mold, afirmou que as redes de rádio operadas
nas missões são vitais para atingir comunidades diversificadas e de grande
escala, especialmente em locais onde a penetração da Internet é fraca e a
população é muito móvel devido a conflitos e deslocamentos.
Em
mensagem, ela deixou o seu agradecimento aos que trabalham em estações de rádio
de manutenção da paz, em situações difíceis e às vezes perigosas, pelo imenso
esforço para ajudar a proteger as comunidades e construir a paz.
Francesca
Mold também reconheceu o trabalho das demais emissoras, especialmente às redes
independentes que ajudam a compartilhar informações baseadas em factos e a
dissipar a desinformação.
Ela
afirma que essas plataformas promovem o diálogo inclusivo, abordam questões de
interesse para as populações locais e espalham mensagens de paz. ONU News –
Nações Unidas
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