Segundo
livro da poeta israelense Tal Nitzán publicado no Brasil traz poemas que
constituem libelos em favor da paz no Oriente Médio
I
Pessoa
extremamente sensível, que coloca a sobrevivência da espécie humana acima de
todas as possíveis divergências étnicas ou políticas, o que a leva a lutar há
anos pelo fim do domínio de Israel sobre as terras conquistadas na guerra de
1967, a poeta israelense Tal Nitzán (1961) acaba de ter publicado o seu segundo
livro no Brasil, Atlântida (Belo Horizonte, Ars et Vita Editora, 2022), que
reúne 40 poemas tirados de obras já publicadas, majoritariamente traduzidos
pelo jornalista Moacir Amâncio, doutor em Língua Hebraica, Literatura e Cultura
Judaica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) daquela instituição. Com esse
livro, a autora conquistou o Prêmio da Universidade de Bar-Ilan (Tel Aviv), em
Israel.
Dos
69 poemas reunidos na antologia, 31 foram traduzidos por Moacir Amâncio e os
demais por Gustavo Carvalho, Flavio Britto, Luca Argel, Maria João Cantinho,
Maria Teresa Mota e Guilherme Gontijo Flores, também autor do prefácio. Desses,
onze peças traduzidas por Luiz Gustavo Carvalho e duas por Luca Argel contaram
com a participação da autora, profunda conhecedora da Literatura Espanhola e
Hispano-americana e que também conhece o idioma português. Aliás, sua
participação nas traduções já havia ocorrido por ocasião da publicação de seu
livro de estreia no Brasil, O ponto da ternura (São Paulo, Editora Lumme,
2013), que teve 28 textos traduzidos por Moacir Amâncio e versões adicionais
traduzidas por Maria Teresa Mota, Flávio Britto, Maria João Cantinho, Luiz
Gustavo Carvalho e Luca Argel (as duas últimas com participação da autora).
Tal
Nitzán já publicou sete livros de poesia: Doméstica (2002), Uma noite
comum (2006), Café soleil blu (2007), A primeira a esquecer
(2009), Olhar a mesma nuvem duas vezes (2012), Até o átrio interior
(2015), em parceria com o artista israelense Tsibi Geva, e Atlântida
(2019), que ganha agora sua versão em português.
É
romancista, tradutora e editora. Nasceu em Jaffa, mas, filha de pais
diplomatas, já morou em Bogotá, Buenos Aires e Nova York e, agora, reside em
Tel Aviv. É bacharel em História da Arte e Estudos Latino-Americanos e mestre
em Literatura pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Recebeu diversos prêmios
por sua obra, entre os quais o Prêmio Mulheres Escritoras, o Prêmio Ministro da
Cultura de Israel para Jovens e Livro de Estreia, o Prêmio de Poesia da
Universidade Hebraica e o Prêmio do Primeiro-Ministro de Israel para
Escritores. Traduziu para o hebraico obras de Jorge Luis Borges (1899-1986),
Pablo Neruda (1904-1973), Octavio Paz (1914-1998) e Federico García Lorca
(1898-1936), entre outros.
II
Da
poesia de Tal Natzán, o que se pode dizer é que constitui uma das vozes mais
expressivas da literatura escrita em hebraico hoje. E que não perde a sua força
e beleza lírica quando traduzida para outros idiomas. Trata-se de uma poesia
que “nos atinge em português com essa lâmina de beleza”, como observa no
prefácio o professor, poeta, tradutor e ensaísta Guilherme Gontijo Flores, doutor
em Letras Clássicas pela USP, ao destacar que os seus poemas “têm um impacto
maciço e sólido, um baque verdadeiro de linguagem sobre o corpo”.
É
o que se pode comprovar no poema “Tesouro”: No inverno os guardas arrancaram
o cobertor da / pele dos habitantes do jardim. Um deles não verá o dia. / Na
primavera foram lançadas garrafas cegas / nas casas assinaladas, que se
incendiaram. À noite busquei refúgio em teu corpo / como um menino se abriga na
amoreira. / Ouvir somente a tua respiração / apoiar-me em ti da cabeça aos pés
e por um instante / não ver nuvens de veneno e de ocaso / acumulando-se
pesadas. / Que mais te direi. / Que és
na minha pobreza o tesouro oculto / que a mão deles não alcançará. / Que eu
seja na tua pobreza o tesouro oculto / que o saber deles não alcançará.
De
fato, em quase todos os poemas de Tal Nitzán o que transparece é um cenário de
perdas. Inconformada com a intransigência dos homens em não buscar um diálogo
que faça do Oriente Médio um território de paz, a poeta mostra-se sempre uma
testemunha veraz da instabilidade em que se vive na região, a ponto de ninguém
saber se, daqui a alguns minutos, será vítima de um míssil ou de um
desmoronamento provocado por bombas ou de uma bala perdida. Como ativista
política, mostra-se apenas a favor dos fracos e oprimidos, sem tomar partido de
dirigentes israelenses ou palestinos. Tanto que já organizou o livro Com
caneta de ferro: poesia de protesto israelense 1984-2004, antologia que
reúne textos que se opõem à invasão por Israel do território palestino.
Esse
dia a dia terrível de quem vive no Oriente Médio pode-se respirar, por exemplo,
através dos versos de “Khan Yunis” (título que remete a um subúrbio de Gaza,
zona de conflito quase permanente): (...) Orgulho da família! Só tem dois
anos / e já sabe gritar para a mamãe que se abaixe / quando os tiros voarem para
dentro de casa. / ‘A janela da qual virá o vento, fecha e deita para
descansar’, / tu citas, mas nossas balas eficientes, / atravessam portas,
paredes, vidraças. Ao vento, oscila agora / a placa eivada de tiros / com tua
advertência ingênua: / Atenção! Famílias moram aqui! Attention! Families
live here! / E dos reservatórios furados / a água escorre pelas faces da
casa.
Essa
preocupação com o futuro dos inocentes também se sente em versos como os do
poema “Cobertura”, no qual a poeta mergulha com olhos e alma na vertigem de um mundo
alucinado e sua voz traduz a ânsia e o tormento de uma população que não sabe
se o fim de sua existência pode estar logo ali, no fim da rua: Nesta hora
escura / todas as crianças são iguais. Nesta treva basta a palavra
“crianças” / para que se encolha de medo. / A boca do caminhão se
escancara, Salima / Matria procura tesouros na imundície, / já estará enterrado
no monte de lixo / cobertura, a mão busca os cobertores / enrolados em sua
candidez, / cobertores que nem tinham caído. / Ahmed Zar´uma não subirá
mais / no brinquedo do grande blindado, / seu coração agita-se no peito magro /
sob o alvo do fuzil. Assim, com os pulsos sobre a cabeça, / o amor está
amarrado ao terror.
III
Tal
Natzán publicou também seis livros infantis e é autora de dois romances: Cada
e toda criança (Achuzat Bayit, 2015) e O último passageiro (Am
Oved, 2020). Editou três antologias de poesia: duas são seleções de poesia
latino-americana e uma, With an Iron Pen, coleção de poesia
hebraica de protesto, que também saiu na Espanha, França e Estados Unidos. Seus
poemas foram traduzidos para mais de vinte idiomas e várias seleções de seu
trabalho publicadas em inglês, alemão, espanhol, francês, português, italiano,
lituano e macedônio. Adaptou ainda versões do romance Dom Quixote, de
Miguel de Cervantes (1547-1616), e peças de William Shakespeare (1564-1616) para
jovens leitores.
É
considerada a maior tradutora de literatura hispânica para o hebraico, trabalho
que foi reconhecido com o Prêmio Tchernychovski de Tradução e a Medalha de
Honra da Presidência do Chile por suas versões de poemas de Pablo Neruda. Traduziu
para o hebraico também obras em prosa publicadas em inglês. Foi editora de Latino,
uma série de literatura latino-americana de traduções para o hebraico, e de Mekomi,
que significa Local em hebraico, uma série livros de prosa hebraica
original. Editou ainda a revista literária independente Orot (que quer
dizer Luzes em hebraico). É fundadora e editora da revista literária online
Ha-Mussach, que significa A Garagem, da Biblioteca Nacional de
Israel. Adelto Gonçalves - Brasil
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Atlântida, de Tal Nitzán, com prefácio de Guilherme Gontijo Flores.
Belo Horizonte: Editora Ars et Vita, 94 págs., R$ 45,00, 2022. E-mail: contato@artsetvita.com Site: www.arsetvita.com
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor
de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015) e Os Vira-latas da Madrugada (Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, LetraSelvagem, 2015),
e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo
1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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