O
que estaria pensando o governador Tarcísio de Freitas, diante da platéia
repleta de bolsonaristas enfeitiçados pelo charme de Michèlle Bolsonaro no
Teatro Municipal de São Paulo, diante do risco da esposa do ex-presidente
inelegível, convertida numa sacerdotisa evangélica, lhe tomar a esperada
candidatura à presidência contra Lula em 2026?
Pior
ainda para Tarcísio, sondagens eleitorais feitas pelo PL e PP confirmam não
existir outra alternativa senão Michelle em termos de popularidade e
preferência dentro do eleitorado evangélico e de extrema-direita. Além disso,
Michelle tem força e carisma próprios, enquanto Tarcísio só existe apoiado em
Bolsonaro.
A
última esperança de Tarcísio talvez seja essa: a de Bolsonaro proibir à esposa
ir além da pretendida candidatura a senatoria. Neste caso, Michelle, mesmo
picada pela mosca azul da ambição, teria de pensar duas vezes antes de se
rebelar, pois foi ela mesma quem construiu sua imagem de esposa fiel e
obediente, segundo os preceitos da Bíblia. Em todo o caso, seria estranho os
partidos e os grupos dos machões anti-feministas escolherem uma mulher, de
rosto e corpo bons para capa de revista, como candidata ideal à presidência.
E
seriam essas as únicas razões capazes de impedir ao Brasil ter uma presidenta,
quando já houve a Dilma e mesmo uma Eva na Argentina? Não! Existe outra muito
mais difícil de suplantar: como reagiriam os filhos de Bolsonaro, eles que
sempre se imaginaram serem os herdeiros do pai Bolsonaro e donos dessa
dinastia?
Uma
solução para descartar Michelle seria a de convencer Bolsonaro de partir para o
exílio. Num país bem distante como a Hungria, deveria estar acompanhado de sua
esposa, como manda o figurino evangélico. Caso Michelle divorciasse por não
saber fazer um bom goulashe, não teria mais o apoio do eleitorado evangélico.
Entretanto, essa hipótese, que parecia unir a família Bolsonaro, foi destruída
pelo vazamento do vídeo de segurança da embaixada magiar em Brasília, no qual
se via o ex-presidente chegar de cafeteira e travesseiro com a intenção de
testar o quarto de hóspede do embaixador.
Mas
alguém poderia lembrar uma outra hipótese, levantada por um canal youtube de
esquerda, diante do sucesso do show montado em plena avenida Paulista pelo
pastor Silas Malafaia: seria o lançamento da dobradinha Malafaia, para
presidente, e Michelle, para vice-presidente. Mesmo sem sondagem feita, seria a
fórmula capaz de agradar a todos, até aos filhos de Bolsonaro. A supremacia do
machismo continuaria assegurada com alguém batalhador e guerreiro como um rei
Daví e, na vice-presidência, Michelle seria uma espécie de dama de honra, mesmo
porque sem formação política e econômica poderia ser uma catástrofe como
presidenta. Ou Tarcísio presidente com Michelle vice?.
60
anos depois, alguém se lembra do Golpe de 1964?
Esquece
isso! Foi esse o pedido do presidente Lula ao ministro Sílvio Almeida, dos
Direitos Humanos, para evitar confrontos e choques com os militares? Em todo o
caso, o ministro não teve outra opção senão a de cancelar o ato, destinado a
relembrar 60 anos depois, no Museu da República, em Brasília, as vítimas das
perseguições desencadeadas pelos golpistas de 1964.
E
por que motivo? Para evitar tensões com os militares, em nome de uma
apaziguação e para que a data seja tratada com serenidade. Em contrapartida,
destacou a imprensa, o governo espera também silêncio por parte das Forças
Armadas em relação ao 31 de março, sem leitura da ordem do dia com referências
a essa data e sem comemorações.
E
essa boa intenção lulista tem chance de ser seguida?
Dentro
dos quartéis, sem dúvida não haverá, mas do lado de fora, de maneira
independente e à paisana ou de pijama não se pode garantir, mesmo porque
Bolsonaro pedia e dava grande destaque ao 31 de Março, na esperança de provocar
um novo golpe, durante ou ao fim de seu mandato.
É
o caso do almoço patrocinado pelo Clube Militar do Rio de Janeiro, ocorrido
nesta quarta-feira, dia 27, cujo anúncio dizia: "para relembrar os 60 anos
do Movimento Democrático de 31 de Março de 1964. O anfitrião foi o general
Maynard Marques de Santa Rosa, na reserva há 14 anos, exonerado por Lula da
chefia do Departamento Geral de Pessoal do Exército por críticas à Comissão
Nacional da Verdade, encarregada de averiguar os crimes cometidos nos 21 anos
da ditadura militar.
E,
por ser domingo a data dos 60 anos do Golpe em 1964, é mais do que certo,
haverá comemorações veladas ou ostensivas em muitas igrejas e congregações
evangélicas e neopentecostais. Rui Martins – Suíça
____________________
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e
ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento
internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação
da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda
Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas
suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica
da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED,
l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et
Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito
na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil
e RFI.
Sem comentários:
Enviar um comentário