A
Suíça viveu, no domingo, o que a imprensa helvética definiu, como uma votação
histórica – a aprovação de uma iniciativa popular criando uma décima-terceira
renda para os aposentados! Praticamente, toda população estava ligada na
televisão ou na rádio suíça para saber, às 12h30, qual a primeira estimativa do
resultado da votação nacional. Um grupo importante estava reunido no
restaurante Volkshaus, em Berna, capital suíça, com o político líder da União
Sindical Suíça, senador socialista Pierre-Yves Maillard, responsável pela
iniciativa popular Para Viver Melhor a Aposentadoria, quando se pronunciaram os
primeiros números: a iniciativa deveria ser aprovada por 52% dos votos.
Houve
alegria e comemoração, mas era preciso esperar a confirmação dessa apertada
estimativa. A maioria dos votos tinham sido enviados pelos eleitores suíços
pelo correio, em envelopes oficiais, e estavam sendo contados em cada
município. Os resultados seriam enviados para a capital de cada um dos 26
cantões suíços que, por sua vez, enviariam à capital federal Berna. Era também
preciso contar os votos dos suíços que tinham preferido votar pessoalmente até
ao meio-dia desse 3 de março.
Os
resultados iam chegando lentamente com os primeiro totais dos pequenos cantões
de língua alemã, agrários e conservadores, todos contrários à criação da renda
natalina para aposentados. Isso logo fez surgir a dúvida - e se esses pequenos
cantões impedissem a aprovação da iniciativa? Essa hipótese podia acontecer
porque a Constituição suíça exige duas maiorias para a aprovação de uma
iniciativa: a de votos e a dos cantões.
Essa
foi uma fórmula encontrada em 1848, ano da criação da Confederação Helvética,
para impedir a supremacia dos grandes cantões. Qualquer iniciativa popular
precisa ter também a aprovação da maioria dos cantões ou metade mais um. É
simples, embora possa parecer complicado - são 26 cantões, porém 6 são
considerados meio-cantões, ou seja, a maioria dos cantões é 12.
Por
volta das 13h30, a apuração dos votos mostrou estar assegurada a maioria também
dos cantões, 15 favoráveis à iniciativa e 8 contrários. A proporção dos votos
foi de 58,2 % a favor da iniciativa e 41,8 % contra. A partir de 2026, os
aposentados suíços receberão uma renda extra natalina.
Os
jornais suíços deram primeira página para essa vitória sindical, a primeira
vitória de uma iniciativa de cunho social, que favorece toda população idosa
suíça e da qual se beneficiarão também aposentados suíços vivendo no Brasil.
Quem for curioso, fica com duas perguntas para os suíços responderem: como
tantos suíços votaram contra uma 13a. renda da aposentadoria e como pôde haver
uma abstenção tão grande de 43,7% nessa votação? Outra informação adicional: o
partido dos evangélicos suíços votou contra a iniciativa.
Mas
por que essa conquista social suíça pode interessar aos leitores brasileiros?
Porque nessa questão pelo menos, o Brasil está bem à frente da Suíça. Uma
décima-terceira renda para todos os aposentados já foi aprovada faz mais de 60
anos no Brasil, em junho de 1962. Mas, é claro, teve um preço político e
institucional.
Exatamente
como aconteceu no Brasil, os políticos da direita suíça passaram estes últimos
meses tentando amedrontar o povo, pela imprensa, com declarações e entrevistas,
agitando a perspectiva disso representar uma despesa imensa para os cofres
públicos. Era essa a mesma argumentação dos grupos econômicos brasileiros,
retratada por uma das manchetes de primeira página do jornal O Globo (26 de
abril de 1962) na qual se lia: “Considerado Desastroso para o País um 13.º Mês
de Salário”.
A
concessão de um décimo-terceiro salário para empregados ativos e aposentados,
depois de uma campanha lançada pelo Sindicato dos Metalúrgicos, foi uma das
últimas conquistas da campanha do presidente João Goulart pelas Reformas de
Base. Dois anos depois, coincidência ou não pois o Brasil vivia um clima de
reivindicações sociais, houve o Golpe militar, porém, os militares não tiveram
coragem de acabar com o décimo-terceiro salário e com a décima-terceira renda
de aposentadoria natalina.
Na
Suíça, essa vitória sindical em favor dos aposentados deixou os partidos da
direita e as entidades patronais decepcionados, mas não está provocando
qualquer crise política ou institucional e sim, como relata o jornal suíço Le
Temps, uma autocrítica, por terem ignorado a situação de empobrecimento
vivenciada atualmente pela população. Outra iniciativa colocada em votação
nesse mesmo domingo 3 de março, pela direita, em favor do aumento da idade para
a aposentadoria foi rejeitada por 74,7% dos votos e por todos os cantões.
Lançar
uma iniciativa popular, na Suíça, seguida de plebiscito, coisa não existente no
Brasil, exige a coleta de cem mil assinaturas num prazo de 18 meses, podendo o
governo apresentar uma contra-proposta. O processo, até a escolha de uma data
para ser lançado o plebiscito, pode levar mais de três anos.
Os
cantões suíços de língua francesa e o de língua italiana aprovaram largamente a
iniciativa, enquanto os aposentados dos pequenos cantões de língua alemã, mais
conservadores, votaram contra si próprios rejeitando a criação da
décima-terceira renda para os aposentados. Essa nova lei, a primeira de teor
social proposta e aprovada pelo povo suíço, deverá entrar em vigor em 2026. Rui
Martins – Suíça
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a
ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes,
Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira
nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu
Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro
sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi
colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche
et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français
de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Correio
do Brasil. Está no Facebook
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