Intitulada “Macau como ideia, metáfora de uma utopia”, a investigação do jornalista português Hugo Pinto defende que, nos últimos anos da administração portuguesa, se formou uma ideia de Macau: o território seria um lugar de coexistência pacífica entre diferentes culturas
No
final da década de 1990, criou-se a ideia de que em Macau ocorria uma
convivência harmoniosa entre diferentes culturas, transformando, assim, os
discursos políticos da época, defende o jornalista Hugo Pinto. Intitulada
“Macau como ideia, metáfora de uma utopia”, a tese de doutoramento, ainda numa
fase inicial de investigação, foi apresentada, pela primeira vez, nas
Conferências da Primavera 2024, organizadas pelo Centro Científico e Cultural
de Macau, que decorreram entre os dias 7 e 20 de março, em Lisboa.
Segundo
o investigador, esta “idealização ocorreu de forma mais estruturada nas décadas
finais da administração portuguesa do território”, um momento que se prestava
“a uma interpretação do passado à luz das interrogações do presente, que era
marcado, então, pelas incógnitas do futuro.”
Mas,
mais do que apenas uma ideia criada, este processo veio a resultar “na
transformação de Macau, em certos discursos, como símbolo e exemplo de uma
ideia de convivência harmoniosa de diferentes culturas, sendo isto parte da
afirmação de uma identidade singular – uma identidade única e diferenciada no
contexto da Grande China.”
Uma ideia construída em obras ensaísticas
Não
se tratando de uma investigação do domínio da História, salienta Hugo Pinto,
mas dos Estudos da Cultura, interessa para este trabalho “a análise das
representações culturais e ideológicas de Macau e da sua história a partir de
obras ensaísticas”, consideradas ilustrativas e estruturantes de um certo
discurso. São elas: “A história e os homens da primeira república democrática
do Oriente: biologia e sociologia de uma ilha cívica”, de Almerindo Lessa; “Os
extremos conciliam-se – Transculturação em Macau”, de Benjamim Videira Pires;
“Segredos da sobrevivência: história política de Macau”, de Wu Zhiliang;
“Macau, the imaginary city”, de Jonathan Porter.
Tratando-se
de obras das décadas finais da administração portuguesa de Macau, “desses
trabalhos sobressai uma visão celebratória de um território entre dois mundos,
mas marcado por várias especificidades”, uma ideia que se alastra aos campos
mediático, cultural e político.
Para
contrapor esta ideia criada, Hugo Pinto analisa alguns trabalhos académicos.
“Por exemplo, o estudo ‘Sovereignty at the Edge – Macau and the Question of
Chineseness’, de Cathryn Clayton, que, entre outros aspetos, expõe aquilo que a
autora considera ser uma reformulação eufemística do passado de Macau, levada a
cabo pelo último governo português do território, para justificar um legado
histórico fundado nas boas relações luso-chinesas e, assim, estimular a adesão
a uma determinada identidade de Macau por parte da sua população chinesa,
principalmente a nascida no território”, diz.
A definição da identidade de Macau
Hugo
Pinto sublinha que, ao longo da história de Macau, “há tradição de narrativas
construídas com um determinado objetivo”, com as questões da identidade a
assumirem particular relevância.
Nos
últimos anos da administração portuguesa, a definição da identidade era uma
natural preocupação, por ser considerado “crucial para a sobrevivência de Macau
e do seu modo de vida, na iminência da transferência para a administração da
República Popular da China”.
Dado
o contexto da época, Hugo Pinto defende que nessas obras está “a representação
de Macau, enquanto lugar único de encontro pacífico de culturas, num espírito
de ecumenismo devedor da vocação universalista do expansionismo português, que
se tornou numa das idealizações mais marcantes da cultura portuguesa, e que foi
também utilizada como chave de interpretação histórica sobre a presença
portuguesa em Macau”.
Nessa
representação, há “um processo de idealização” do território, representando,
então, “Macau enquanto lugar de encontro pacífico de culturas, um entendimento
propagado através de um discurso que vai atravessar épocas e regimes
políticos.”
A biografia
Hugo
Pinto viveu e trabalhou como jornalista durante 16 anos em Macau, entre 2005 e
2021, alguns dos quais no Ponto Final. Entre 2015 e 2020, esteve envolvido no
programa “Falar de Memória”, que contou com a participação do jornalista e
investigador João Guedes. Já em Portugal, entre 2020 e 2022, assinou no jornal
Ponto Final uma coluna de opinião, onde abordou diversos temas da história de
Macau. Em Portugal, integrou a equipa do jornal Observador, e está agora
dedicado à investigação, pela Universidade de Lisboa, ao abrigo de uma bolsa da
Fundação para a Ciência e Tecnologia, tendo o Centro Científico e Cultural de
Macau como instituição de acolhimento. Luciana Leitão – Macau in “Ponto
Final”
Sem comentários:
Enviar um comentário