Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 8 de março de 2024

Macau - Livro de Pedro D’Alte aborda representação feminina nas literaturas a Oriente

“Imagótipos femininos nas literaturas em português a Oriente”, da autoria de Pedro d’Alte, que tem investigado a representação da autoria feminina nas literaturas em português neste lado do mundo, mais concretamente em Macau e Timor, é o título do livro que vai ser lançado hoje, Dia Internacional da Mulher, pela Casa de Portugal. O autor disse à Tribuna de Macau que o seu “primeiro deslumbramento” foi perceber que há “um corpus textual bastante rico e original e que merece maior estudo”. Nesta investigação, analisou autores como Henrique de Senna Fernandes, Luís Cardoso, Deolinda da Conceição, Agustina Bessa-Luís ou Maria Ondina Braga


Pedro d’Alte, natural do Porto, tem vindo a estudar e a promover o tema da representação e da autoria feminina nas literaturas em português a Oriente – do seu trabalho resulta agora um livro intitulado “Imagótipos femininos nas literaturas em português a Oriente”. Vai ser lançado pela Casa de Portugal esta sexta-feira, Dia Internacional da Mulher, cabendo a apresentação da obra a Ana Paula Dias. Enquanto trabalhava os temas, Pedro d’Alte percebeu que poderia fazer sentido aglomerar tudo numa obra, ideia que foi bem recebida. Em entrevista ao Jornal Tribuna de Macau, o autor defende a expansão do universo de estudantes que reflecte sobre a literatura e a cultura de Macau.

Foi em 2022 que Pedro d’Alte apresentou à Universidade Aberta um projecto de pós-doutoramento que propunha aproximar a produção romanesca de dois autores: Henrique de Senna Fernandes e de Luís Cardoso, um dos mais importantes escritores timorenses. “À época, era impossível prever se existiria material suficiente para a produção de um livro, nem essa constituía uma preocupação central. Porém, em meados de 2023, percebi que poderia ser interessante aglutinar a produção intelectual sobre a representação feminina a Oriente num livro único”, contou. “Felizmente”, disse, a iniciativa foi bem recebida pela Casa de Portugal e pelo Fundo de Desenvolvimento da Cultura, que subsidiou a edição do livro.

Segundo disse, do ponto de vista editorial, “resultou um livro bastante apelativo”, além de que, academicamente poderá também “constituir um importante contributo” para a área de estudos, que, “curiosamente, continua periférica”. Pedro d’Alte tem vindo a leccionar em diferentes latitudes: Timor, Angola, Portugal e Macau. Colabora, em Macau, com a Escola Portuguesa e com a Universidade Politécnica.

Com percurso académico em Portugal, estudou obras e autores canónicos, recordou, dizendo que, à época, não existia um trabalho efectivo com autores periféricos. “Neste sentido, a leitura de autores de outras latitudes foi, por si, um percurso de descoberta. À boleia destas escritas, vamos percebendo diferentes figuras femininas, seus espaços de acção e as assimetrias de género; os pulsares e as clivagens étnicas e religiosas; a constituição de elites minoritárias ou a cosmovisão da época. Tanto Macau como Timor foram sociedades que criaram diferentes estruturas e níveis de influência. A mulher não escapou a tais sinergias”, observou.

Autores locais e não locais

Para esta investigação, o académico tentou fazer uma selecção de autores que “favorecessem a figura feminina na narrativa e, também autoras”. Foram, assim, analisados escritores como Henrique de Senna Fernandes, Rodrigo Leal de Carvalho, Luís Cardoso, Deolinda da Conceição, Miguel Real, Agustina Bessa-Luís ou Maria Ondina Braga.

Olhando para a literatura de Macau no seu sentido mais amplo, englobando autores de diferentes nacionalidades que escrevem sobre o território, “percebe-se uma qualidade que passa despercebida, sobretudo, a um público mais jovem porque são edições mais antigas e que não foram reeditadas”. “Quantos de nós conhecemos os escritos de Eugénio de Andrade sobre Macau? Quantos folhearam ‘Estátua de Sal’ de Ondina Braga ou ‘A quinta-essência’ de Agustina Bessa-Luís?”, questionou.

“O meu primeiro deslumbramento foi, precisamente, o do acesso, a tomada de consciência de que existe um corpus textual bastante rico e original e que merece maior estudo. O segundo aspecto relaciona-se com o conhecimento que se foi formando sobre estas literaturas e o modo claro como estes textos possibilitam um estudo relevante sobre imagótipos, sobre representações que radicam em fenómenos como a identidade, a cultura ou o género. Há, ainda, a questão de autores locais que não recebem atenção noutras latitudes, apesar da qualidade estética. O descobrimento destes autores foi tão impactante que tenho dedicado alguns anos ao seu estudo”, contou Pedro d’Alte.

No que respeita à parte de Timor, o autor aborda essencialmente a obra escrita de Luís Cardoso. “Outras formas literárias como a oral e a tradicional não são tão visíveis”, aponta, acrescentando que, “em todo o caso, percebe-se que Luís Cardoso propõe alternativas ao papel tradicional reservado à mulher que tende a ocupar ‘a linha da retaguarda’”. Pedro d’Alte exemplifica: “Narradoras como a sandália esquerda, Carolina e Catarina tendem a romper com os discursos patriarcais e a revelar-se mais autónomas em relação à figura do homem. O caso mais paradigmático é a voz presente n’O plantador de abóboras. Uma narradora feminina, destituída de nome próprio, e que é incumbida de contar a História do país, sem ocultar o drama feminino, num claro revisionismo histórico”.

Assegurar a evolução “positiva” da literatura

A este jornal, Pedro d’Alte sublinhou que “existem obras interessantes no panorama literário de Macau”, mas é preciso trabalhar para que tenham a sua visibilidade e apostar na sua continuidade. “A jusante, o que é necessário assegurar é a evolução positiva da literatura de Macau, tanto através da formação de leitores e de mediadores, como de produtores de literatura em variadas línguas”, defendeu.

Para isso, continuou, poderia recorrer-se a “bolsas de criação literária”, a “residências artísticas”, à “ampliação do mercado editorial traduzido a diferentes idiomas”, “à divulgação mais fluída das obras”, à “reedição de obras e de filmes” e à “promoção de sessões literárias e/ou oficinas de escrita”.

“A montante, é necessário ampliar o universo de alunos que estuda a literatura e a cultura de Macau de modo a ampliar o volume de estudos. É de crer que estes estudos se alinhem com os interesses investigativos actuais que privilegiam mudanças sociais, sobretudo no que é atinente às assimetrias de género”, considerou.

Com o patrocínio do Fundo de Desenvolvimento da Cultura, os primeiros 100 exemplares do livro serão oferecidos na cerimónia de lançamento, na Casa de Vidro. Uma outra edição, a acontecer, seguirá os circuitos tradicionais do comércio livreiro em Macau, indicou Pedro d’Alte. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”


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