“Imagótipos femininos nas literaturas em português a Oriente”, da autoria de Pedro d’Alte, que tem investigado a representação da autoria feminina nas literaturas em português neste lado do mundo, mais concretamente em Macau e Timor, é o título do livro que vai ser lançado hoje, Dia Internacional da Mulher, pela Casa de Portugal. O autor disse à Tribuna de Macau que o seu “primeiro deslumbramento” foi perceber que há “um corpus textual bastante rico e original e que merece maior estudo”. Nesta investigação, analisou autores como Henrique de Senna Fernandes, Luís Cardoso, Deolinda da Conceição, Agustina Bessa-Luís ou Maria Ondina Braga
Pedro
d’Alte, natural do Porto, tem vindo a estudar e a promover o tema da
representação e da autoria feminina nas literaturas em português a Oriente – do
seu trabalho resulta agora um livro intitulado “Imagótipos femininos nas
literaturas em português a Oriente”. Vai ser lançado pela Casa de Portugal esta
sexta-feira, Dia Internacional da Mulher, cabendo a apresentação da obra a Ana
Paula Dias. Enquanto trabalhava os temas, Pedro d’Alte percebeu que poderia
fazer sentido aglomerar tudo numa obra, ideia que foi bem recebida. Em
entrevista ao Jornal Tribuna de Macau, o autor defende a expansão do universo
de estudantes que reflecte sobre a literatura e a cultura de Macau.
Foi
em 2022 que Pedro d’Alte apresentou à Universidade Aberta um projecto de
pós-doutoramento que propunha aproximar a produção romanesca de dois autores:
Henrique de Senna Fernandes e de Luís Cardoso, um dos mais importantes
escritores timorenses. “À época, era impossível prever se existiria material
suficiente para a produção de um livro, nem essa constituía uma preocupação
central. Porém, em meados de 2023, percebi que poderia ser interessante
aglutinar a produção intelectual sobre a representação feminina a Oriente num
livro único”, contou. “Felizmente”, disse, a iniciativa foi bem recebida pela
Casa de Portugal e pelo Fundo de Desenvolvimento da Cultura, que subsidiou a
edição do livro.
Segundo
disse, do ponto de vista editorial, “resultou um livro bastante apelativo”,
além de que, academicamente poderá também “constituir um importante contributo”
para a área de estudos, que, “curiosamente, continua periférica”. Pedro d’Alte
tem vindo a leccionar em diferentes latitudes: Timor, Angola, Portugal e Macau.
Colabora, em Macau, com a Escola Portuguesa e com a Universidade Politécnica.
Com
percurso académico em Portugal, estudou obras e autores canónicos, recordou,
dizendo que, à época, não existia um trabalho efectivo com autores periféricos.
“Neste sentido, a leitura de autores de outras latitudes foi, por si, um
percurso de descoberta. À boleia destas escritas, vamos percebendo diferentes
figuras femininas, seus espaços de acção e as assimetrias de género; os
pulsares e as clivagens étnicas e religiosas; a constituição de elites
minoritárias ou a cosmovisão da época. Tanto Macau como Timor foram sociedades
que criaram diferentes estruturas e níveis de influência. A mulher não escapou
a tais sinergias”, observou.
Autores locais e não locais
Para
esta investigação, o académico tentou fazer uma selecção de autores que
“favorecessem a figura feminina na narrativa e, também autoras”. Foram, assim,
analisados escritores como Henrique de Senna Fernandes, Rodrigo Leal de
Carvalho, Luís Cardoso, Deolinda da Conceição, Miguel Real, Agustina Bessa-Luís
ou Maria Ondina Braga.
Olhando
para a literatura de Macau no seu sentido mais amplo, englobando autores de
diferentes nacionalidades que escrevem sobre o território, “percebe-se uma
qualidade que passa despercebida, sobretudo, a um público mais jovem porque são
edições mais antigas e que não foram reeditadas”. “Quantos de nós conhecemos os
escritos de Eugénio de Andrade sobre Macau? Quantos folhearam ‘Estátua de Sal’
de Ondina Braga ou ‘A quinta-essência’ de Agustina Bessa-Luís?”, questionou.
“O
meu primeiro deslumbramento foi, precisamente, o do acesso, a tomada de
consciência de que existe um corpus textual bastante rico e original e que
merece maior estudo. O segundo aspecto relaciona-se com o conhecimento que se
foi formando sobre estas literaturas e o modo claro como estes textos
possibilitam um estudo relevante sobre imagótipos, sobre representações que
radicam em fenómenos como a identidade, a cultura ou o género. Há, ainda, a
questão de autores locais que não recebem atenção noutras latitudes, apesar da
qualidade estética. O descobrimento destes autores foi tão impactante que tenho
dedicado alguns anos ao seu estudo”, contou Pedro d’Alte.
No
que respeita à parte de Timor, o autor aborda essencialmente a obra escrita de
Luís Cardoso. “Outras formas literárias como a oral e a tradicional não são tão
visíveis”, aponta, acrescentando que, “em todo o caso, percebe-se que Luís
Cardoso propõe alternativas ao papel tradicional reservado à mulher que tende a
ocupar ‘a linha da retaguarda’”. Pedro d’Alte exemplifica: “Narradoras como a
sandália esquerda, Carolina e Catarina tendem a romper com os discursos
patriarcais e a revelar-se mais autónomas em relação à figura do homem. O caso
mais paradigmático é a voz presente n’O plantador de abóboras. Uma narradora
feminina, destituída de nome próprio, e que é incumbida de contar a História do
país, sem ocultar o drama feminino, num claro revisionismo histórico”.
Assegurar a evolução “positiva” da literatura
A
este jornal, Pedro d’Alte sublinhou que “existem obras interessantes no
panorama literário de Macau”, mas é preciso trabalhar para que tenham a sua
visibilidade e apostar na sua continuidade. “A jusante, o que é necessário
assegurar é a evolução positiva da literatura de Macau, tanto através da
formação de leitores e de mediadores, como de produtores de literatura em
variadas línguas”, defendeu.
Para
isso, continuou, poderia recorrer-se a “bolsas de criação literária”, a
“residências artísticas”, à “ampliação do mercado editorial traduzido a
diferentes idiomas”, “à divulgação mais fluída das obras”, à “reedição de obras
e de filmes” e à “promoção de sessões literárias e/ou oficinas de escrita”.
“A
montante, é necessário ampliar o universo de alunos que estuda a literatura e a
cultura de Macau de modo a ampliar o volume de estudos. É de crer que estes
estudos se alinhem com os interesses investigativos actuais que privilegiam
mudanças sociais, sobretudo no que é atinente às assimetrias de género”,
considerou.
Com
o patrocínio do Fundo de Desenvolvimento da Cultura, os primeiros 100
exemplares do livro serão oferecidos na cerimónia de lançamento, na Casa de
Vidro. Uma outra edição, a acontecer, seguirá os circuitos tradicionais do
comércio livreiro em Macau, indicou Pedro d’Alte. Catarina Pereira – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
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