O desabafo foi feito ao Ponto Final pelo filho, Miguel de Senna Fernandes, que revelou que vai escrever um conto em memória do pai. O centenário do nascimento de Henrique de Senna Fernandes comemora-se no próximo ano, mas, para já, não existe nada de dimensão superior para destacar a efeméride. O presidente da Associação dos Macaenses desconhece o que a sociedade civil e as instituições possam estar a preparar para homenageá-lo e lamenta que Portugal se esqueça e não valorize a sua obra
Durante
o próximo ano comemoram-se 100 anos que o escritor e advogado macaense Henrique
de Senna Fernandes nasceu. O autor de “Amor e Dedinhos de Pé” saiu do ventre
materno a 15 de Outubro de 2023, mas, para já, nada se tem falado nem tampouco
têm surgido movimentações no sentido de se comemorar a efeméride.
Em
conversa com o Ponto Final, Miguel de Senna Fernandes, filho do escritor,
revelou que, a título meramente pessoal, vai fazer qualquer coisa. “Que saiba,
a nível geral, não há nada programado, mas eu vou escrever um conto para o
homenagear”.
Uma
obra póstuma, no entanto, não está, para já, nos planos da família. “Não há
nada de momento. Vai haver, sim, traduções de alguns livros dele. É o Instituto
Cultural que está a promover isso e penso que seja o desejo deles para
comemoração do centenário do meu pai”, adiantou.
Autor
da famosa frase “Portugal é a minha pátria e Macau é a minha mátria”, Henrique
de Senna Fernandes parece, aparentemente, ser esquecido pelas autoridades
portuguesas. Nem Camões, nem o IPOR, nem nada. De Portugal não há nada,
absolutamente nada, garantiu-nos Miguel de Senna Fernandes. “A ideia com que
fico é que Portugal não conhece quase nada de Macau. Somos uma nesga para aqui.
É preciso, de uma vez por todas, entender o que é que os escritores de Macau
representam para Portugal. E, em particular, eles têm de perceber o que é que o
meu pai representa”, atirou, desiludido.
Miguel
de Senna Fernandes acredita, no entanto, que Macau não esqueça o filho da terra
e é certo que “alguém vai fazer alguma coisa”. “Haverá gente com interesse em
promover alguma coisa. Gente que conheceu o meu pai ou que, simplesmente, gosta
da sua obra e lhe dá valor”, admitiu, sublinhando que defende o que defende e
diz o que diz não por Henrique de Senna Fernandes ser seu pai, “mas ele é um
ilustre macaense e a sua obra tem de ser valorizada”.
O
próximo ano será de grande rebuliço para o presidente da Associação dos
Macaenses (ADM). Os Dóci Papiaçám di Macau celebram 30 anos de existência e
também por isso, o tempo é “escasso”. “Para mim, será um ano muito cheio, com
muita coisa a acontecer no que à cultura macaense diz respeito. Terei muito
pouco tempo”, admitiu.
Henrique
de Senna Fernandes nasceu em Macau a 15 de Outubro de 1923, tendo falecido,
também no território a 4 de Outubro de 2010. Foi um de 11 irmãos de uma das
mais antigas e ilustres famílias de luso-descendentes de Macau, que se
estabeleceu no território há mais de 250 anos. Estudou Direito na Universidade
de Coimbra antes de se tornar escritor. A sua obra, escrita em português, evoca
o ambiente das décadas de 1930, 1940 e 1950. Muitas vezes centrada na vida de
personagens de origens raciais mistas, como o próprio autor, a sua obra
representa um ponto de vista único sobre a evolução de Macau durante o século
XX.
Além
de escritor, foi também professor e director da Escola Comercial Pedro Nolasco.
De 1998 a 2009 foi membro residente da Assembleia Geral do CAM – Aeroporto
Internacional de Macau. Enquanto advogado, foi presidente da Associação dos
Advogados de Macau de 1991 a 1995. Foi ainda foi presidente da Associação
Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), durante o período em que se criou
a actual Escola Portuguesa de Macau.
Em
2006 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Macau e a
Medalha de Mérito Cultural em 2001. Portugal também lhe concedeu honrarias de
onde se destacam a de Grande-Oficial da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem
Militar de Sant’Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico, de
1998, e a de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, em 2005. Ainda em
vida, recebeu dois doutoramentos honoris causa em literatura pelo Instituto
Inter-Universitário de Macau (2006) e pela Universidade de Macau (2008).
É
o autor de “Nam Van – Contos de Macau”, “Amor e Dedinhos de Pé”, “A Trança
Feiticeira” e “Mong-Há – Contos de Macau”. Deixou também três outros livros por
terminar: “A Noite Nasceu em Dezembro”, “O Pai das Orquídeas” e “Os Dores”. A
título póstumo o Instituto Cultural (IC) de Macau lançou o inédito “Os Dores” e
reeditou “Amor e Dedinhos de Pé” no âmbito de uma apresentação pública da
colecção “Obra Completa de Henrique de Senna Fernandes” que assinalou o 89.º
aniversário do nascimento do mais prestigiado escritor macaense.
Posteriormente, em 2015, o IC editou “A Noite Desceu em Dezembro”, num
lançamento que teve lugar na Academia Jao Tsung-I. Na mesma cerimónia foram
igualmente lançadas a nova edição de “A Trança Feiticeira” e a versão chinesa
de “Os Dores”. “O Pai das Orquídeas” ainda está na gaveta, mas Miguel de Senna
Fernandes garantiu ao Ponto Final que um dia será publicado, sendo que a sua
edição “será uma experiência única”.
ECOAdOR vai editar livro sobre os 100 anos de Senna
Fernandes
O
Grupo de Estudos de Culturas Ocidentais, Africanas e do Oriente (ECOAdOR),
pretende evocar Henrique de Senna Fernandes no centenário do seu nascimento.
Desde o passado mês de Julho que o grupo aceita artigos originais que abordem a
vida de Henrique Senna Fernandes que passem pela sua produção romanesca ou
contista, bem como pelo diálogo entre o cinema e a literatura na adaptação das
suas obras para a grande tela; os imagótipos da época; a representação do
quotidiano ou da paisagem; ou outros aspetos pertinentes e associados à vida
profissional ou produção estética, linguística e literária do macaense. O livro
sobre o centenário do escritor terá a direcção da professora universitária Lola
Geraldes Xavier e contará com a coordenação dos igualmente professores Ana
Margarida Silva e Pedro d’Alte. Em declarações ao nosso jornal, o professor
Pedro d’Alte adiantou que “serão publicados 12 a 13 artigos cada um com 15 a 20
páginas”. No entanto, o co-coordenador da obra lamenta que não se consiga
atingir um carácter mais multidisciplinar da mesma. “Do que temos recebido de
trabalhos posso destacar temas dentro da literatura, sociologia ou história”,
revelou. David Brookshaw, Micaela Ramón, Celina Veiga de Oliveira, António
Aresta, entre outros, são alguns dos nomes cujos trabalhos académicos vão
figurar da obra que se pretende seja lançada em Outubro do próximo ano,
precisamente no mês em que Henrique de Senna Fernandes nasceu. “Não é
expectável que haja atrasos. Será um projecto competente que fará jus à vida e
obra de Senna Fernandes”, referiu, acrescentando que, tal como noutros
projectos do ECOAdOR, a editora Praia Grande deverá dar chancela ao livro. Gonçalo
Pinheiro – Macau in “Ponto Final”
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