Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Macau - A poesia e a fotografia juntas, numa rota íntima pela cidade no livro “Macau – O Livro dos Nomes”


Macau – O Livro dos Nomes” foi editado originalmente em 2010. Agora, 12 anos volvidos, Carlos Morais José juntou à sua poesia a fotografia de Sara Augusto. No livro, que foi apresentado na tarde do passado sábado, no Rota das Letras – Festival Literário de Macau, passeamos pela cidade através da poesia e da fotografia. Um projecto que levou um ano e meio a ficar concluído.

São 88 os lugares de Macau apresentados no livro, cada um com um poema e uma fotografia associados. São, então, 88 textos “de amor, ciúme, abandono e indiferença, entre outros sentimentos menos próprios para almas arredias das coisas desta cidade, que não cessa de existir como utopia e vício”. É assim que a obra foi descrita pelo autor nas redes sociais.

Na apresentação do livro, Sara Augusto acrescentou: “Nestas palavras que o Carlos tece sobre o livro, fica desde logo estabelecida a irremediável relação entre o sujeito lírico e o espaço e paisagem. Também fica definido um outro aspecto, que há aqui uma relação não só do sujeito poético, mas também há um apelo à vivência e experiência da cidade que o leitor possivelmente vai ter; quem vai ver as imagens também tem a sua visão da cidade”.

A poesia de Carlos Morais José, descreve Sara Augusto, é “apelativa, íntima, feita de instantâneos e expressões, ficcionalizações”. “A relação com o espaço feito de paisagem não é descritivo, mas é imaginado. A poesia é um lugar de imaginação, um lugar de ficção. O sujeito lírico é uma entidade que enuncia e sente. Tem uma função mágica de transformação do lugar e da paisagem a partir da experiência, vivência subjectiva de transformar o lugar em paisagem e a paisagem em arte”, sublinhou.

Assim, em “Macau – Livro dos Nomes”, cada lugar ganha um espaço particular, feito de memórias e pensamentos. É um “mapa mental da cidade antiga” que se cria ao ler os poemas de Morais José, a que se juntam as fotografias de Sara Augusto.

“O ‘Livro dos Nomes”, que é uma pequena jóia para mim, não é mais do que uma rota íntima desenhada pelo sujeito poético que é uma personagem omnipresente em todo o livro. É obvio que espero que seja também a rota íntima de quem lê e vê o livro nesta tríade que o compõe: o nome do lugar, o poema e a imagem”, sublinhou a autora das fotografias.

Na sessão da Livraria Portuguesa, Carlos Morais José falou sobre a personagem principal: Macau. “Poucas cidades como esta se desfazem e refazem num tão curto espaço de tempo. Ao invés de nela reconhecermos uma essência, reconheçamos que esse arquétipo é precisamente a constante mutação da paisagem. E o que permanece na memória são locais específicos”, afirmou o autor.

Sobre as imagens de Sara Augusto, Morais José referiu: “A fotografia tem vocação de fixar o instante, mas, uma vez mais, esse não é o caso. Aqui, o tempo perdeu parte da sua existência, porque se inaugura outro tempo. Surge logo o instante em que o tempo fica congelado no papel ou píxeis e transforma estas imagens num tempo utópico que remete para uma outra possibilidade de existência e fusão”.

Há uma “infinitude dos lugares” fotografados por Sara Augusto.  “A Sara não captura uma imagem, reproporciona uma outra sacralidade a estes lugares, uma nova perspectiva de os olhar e de os sentir e interpretar e imaginar ou reimaginar ‘ad infinitum'”, concluiu. André Vinagre – Macau in “Ponto Final”

Reservatório

Lá por ter acreditado num espelho onde tudo se reflectiria, não teria forçosamente de o encontrar. O casto céu acaricia a água e o vento estremece-a de prazer. Não há mais nada, mais nada interessa: só há vento, só há céu. E tudo isto na água.

Doca de Lam Mau

No fim rebelde da cidade, em terras por cristianizar, repousam barcos, depois da travessia mole do canal. E mesmo quando me afasto e lho os prédios baços, ainda as pernas me fraquejam de ali escutarem tanta promessa de viagens. Moribundo, o dia convida cintilações em cada andar.

Casa do Mandarim

Vem, minha doce concubina, mas vem lenta, mal pisando a pedra fria do corredor. Despe suavemente a cabaia, com o deleite de alguém que se oferece à morte. Ao lado, suspira um grilo e um pássaro antigo dorme ainda, no silêncio frígido da gaiola. Vem, minha doce concubina, descobre-me dormindo e, ajoelhada, cumprirás o ritual de madrugada.

Ruínas de São Paulo

Os teus lábios soletravam eternidade, baixinho… mas nas mãos trazias apenas um momento. Dizias: “num instante toda uma religião se incendeia, num instante toda uma paixão se consome”. Subir uma escada é rogar uma promessa. Depois marulhou o fogo e foi nas chamas que surgiu a cruel revelação: o amor fora sempre uma fachada. Soube-me a ruínas a tua voz ao telefone.


 

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