“Macau
– O Livro dos Nomes” foi editado originalmente em 2010. Agora, 12 anos
volvidos, Carlos Morais José juntou à sua poesia a fotografia de Sara Augusto.
No livro, que foi apresentado na tarde do passado sábado, no Rota das Letras –
Festival Literário de Macau, passeamos pela cidade através da poesia e da
fotografia. Um projecto que levou um ano e meio a ficar concluído.
São
88 os lugares de Macau apresentados no livro, cada um com um poema e uma
fotografia associados. São, então, 88 textos “de amor, ciúme, abandono e
indiferença, entre outros sentimentos menos próprios para almas arredias das
coisas desta cidade, que não cessa de existir como utopia e vício”. É assim que
a obra foi descrita pelo autor nas redes sociais.
Na
apresentação do livro, Sara Augusto acrescentou: “Nestas palavras que o Carlos
tece sobre o livro, fica desde logo estabelecida a irremediável relação entre o
sujeito lírico e o espaço e paisagem. Também fica definido um outro aspecto,
que há aqui uma relação não só do sujeito poético, mas também há um apelo à
vivência e experiência da cidade que o leitor possivelmente vai ter; quem vai
ver as imagens também tem a sua visão da cidade”.
A
poesia de Carlos Morais José, descreve Sara Augusto, é “apelativa, íntima,
feita de instantâneos e expressões, ficcionalizações”. “A relação com o espaço
feito de paisagem não é descritivo, mas é imaginado. A poesia é um lugar de
imaginação, um lugar de ficção. O sujeito lírico é uma entidade que enuncia e
sente. Tem uma função mágica de transformação do lugar e da paisagem a partir da
experiência, vivência subjectiva de transformar o lugar em paisagem e a
paisagem em arte”, sublinhou.
Assim,
em “Macau – Livro dos Nomes”, cada lugar ganha um espaço particular,
feito de memórias e pensamentos. É um “mapa mental da cidade antiga” que se cria
ao ler os poemas de Morais José, a que se juntam as fotografias de Sara
Augusto.
“O
‘Livro dos Nomes”, que é uma pequena jóia para mim, não é mais do que uma rota
íntima desenhada pelo sujeito poético que é uma personagem omnipresente em todo
o livro. É obvio que espero que seja também a rota íntima de quem lê e vê o
livro nesta tríade que o compõe: o nome do lugar, o poema e a imagem”,
sublinhou a autora das fotografias.
Na
sessão da Livraria Portuguesa, Carlos Morais José falou sobre a personagem
principal: Macau. “Poucas cidades como esta se desfazem e refazem num tão curto
espaço de tempo. Ao invés de nela reconhecermos uma essência, reconheçamos que
esse arquétipo é precisamente a constante mutação da paisagem. E o que
permanece na memória são locais específicos”, afirmou o autor.
Sobre
as imagens de Sara Augusto, Morais José referiu: “A fotografia tem vocação de
fixar o instante, mas, uma vez mais, esse não é o caso. Aqui, o tempo perdeu
parte da sua existência, porque se inaugura outro tempo. Surge logo o instante
em que o tempo fica congelado no papel ou píxeis e transforma estas imagens num
tempo utópico que remete para uma outra possibilidade de existência e fusão”.
Há
uma “infinitude dos lugares” fotografados por Sara Augusto. “A Sara não captura uma imagem, reproporciona
uma outra sacralidade a estes lugares, uma nova perspectiva de os olhar e de os
sentir e interpretar e imaginar ou reimaginar ‘ad infinitum'”, concluiu. André
Vinagre – Macau in “Ponto Final”
Reservatório
Lá por ter acreditado num espelho onde tudo se
reflectiria, não teria forçosamente de o encontrar. O casto céu acaricia a água
e o vento estremece-a de prazer. Não há mais nada, mais nada interessa: só há
vento, só há céu. E tudo isto na água.
Doca de Lam Mau
No fim rebelde da cidade, em terras por cristianizar,
repousam barcos, depois da travessia mole do canal. E mesmo quando me afasto e
lho os prédios baços, ainda as pernas me fraquejam de ali escutarem tanta
promessa de viagens. Moribundo, o dia convida cintilações em cada andar.
Casa do Mandarim
Vem, minha doce concubina, mas vem lenta, mal pisando a
pedra fria do corredor. Despe suavemente a cabaia, com o deleite de alguém que
se oferece à morte. Ao lado, suspira um grilo e um pássaro antigo dorme ainda,
no silêncio frígido da gaiola. Vem, minha doce concubina, descobre-me dormindo
e, ajoelhada, cumprirás o ritual de madrugada.
Ruínas de São Paulo
Os teus lábios soletravam eternidade, baixinho… mas nas
mãos trazias apenas um momento. Dizias: “num instante toda uma religião se
incendeia, num instante toda uma paixão se consome”. Subir uma escada é rogar
uma promessa. Depois marulhou o fogo e foi nas chamas que surgiu a cruel
revelação: o amor fora sempre uma fachada. Soube-me a ruínas a tua voz ao telefone.
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