Lisboa
– Um dirigente da associação Batoto Yetu Portugal, que trabalha com crianças e
jovens, defendeu a criação em Portugal de um espaço que celebre a presença da
cultura africana, destacando que os portugueses são “um povo misturado com
vários povos”.
“Não
há nenhum local onde se celebre essa presença africana. Por exemplo, existe a
fundação do Oriente, mas não existe uma fundação de África ou um museu de
África”, lamentou Djuzé Neves, em entrevista à agência Lusa.
E
prosseguiu: “Não existe um local onde possamos aprender, de forma técnica,
sobre esses detalhes”.
Djuzé
Neves falava à margem de uma visita guiada pelos percursos mais icónicos da
presença africana em Portugal integrados no roteiro “Espaços da Presença
Africana em Lisboa” criado pela associação em 2016.
Apesar
de reconhecer que a nível visual há “poucas referências” dessa história, para
Djuzé Neves os vestígios visíveis e invisíveis da cultura africana estão
presentes nos testemunhos das próprias pessoas e, por isso, convidou-as a
partilhar essas ideias que ainda não foram exploradas, mostrando-se aberto para
as recolher.
“Toda
a cidade tem sofrido aqui bastantes alterações e hoje em dia temos pouca
referência visível. Mas nas histórias das pessoas gostaríamos muito de ter
conhecimento de mais histórias das próprias pessoas, que falassem da sua
própria linhagem e nos contassem pormenores sobre essa presença, porque
existem, nós é que ainda não temos conhecimento e portanto, estamos em aberto
para recebermos essas informações e para tentar continuar a conhecer”, afirmou.
O
dirigente da associação explicou que a Batoto Yetu Portugal trabalha nestas
temáticas “com voluntários, historiadores, arquitetos, chefes de cozinha,
arqueólogos” e, no fundo, a “academia, de forma a obter elementos técnicos
fidedignos para passar aos turistas”. Djuzé Neves sublinha, contudo, que “há
muito mais informação que pode ser adquirida de outras formas e por outros
meios”.
“A
ideia é também apenas estimular a que outros setores da sociedade se interessem
por esta temática, valorizem, possam apoiar, estamos sempre a precisar de
apoio, quer seja logístico, quer seja financeiro”, explicou.
É
nesta simbiose de culturas que o dirigente disse encontrar a raiz destes dois
povos que se foram influenciando mutuamente. “Nós somos todos um bocadinho
dessas misturas”, disse.
“Os
portugueses, no fundo, são um povo misturado com vários povos que passaram por
cá e um deles é o povo africano. E, portanto, vemos isso nos portugueses, nas
próprias pessoas que existem aqui e agora”, referiu.
As
influências de que fala podem, na sua opinião, ser sentidas tanto naqueles que
ouvem uma música tradicional portuguesa, como naqueles que procuram satisfazer
a fome com um prato típico.
Isso
encontra-se no fado, mas também na cozinha portuguesa que contou com o
contributo, durante anos, de pessoas de origens africanas que traziam as suas
práticas, os seus temperos, o seu modo de cozinhar o frango, o modo do
churrasco, o cozido à portuguesa.
Com
um foco que vai para além do período colonialista e da escravatura, este
projeto da Batoto Yetu Portugal vai à procura de referências mais antigas a
essas épocas. É esta visão ampla que o leva a comentar, no fim da visita, o
facto de nunca ter utilizado a palavra racismo e, explicou, que não o fez
precisamente para enfatizar a ideia de que este “não é o foco, não é o
propósito do projeto”.
“Os
estrangeiros falam muito mais da presença mourisca e dessa ligação a África do
que dos períodos mais recentes. Querem saber muito mais sobre esse período
mourisco e questionam, e trazem informações novas. Enfim, é um mundo de
história que passa por aqui, assim como passa noutras diásporas”, indicou.
Com
base naquilo que os povos africanos foram trazendo ao longo dos séculos, Djuzé
Neves conclui que “Lisboa é um museu a céu aberto”, cuja história é para todos.
“Isto
não é só uma história para pessoas de origens africanas. É uma história
portuguesa para todos e, portanto, se todos souberem, mais nos conhecemos melhor
uns aos outros e decerto ajudará a nos entendermos melhor”, afirmou.
O
dirigente associativo afirmou que, com estas iniciativas, há uma tomada de
conhecimento que, quando é transmitida, se torna num contributo que pode ajudar
a estreitar os laços de relação.
“O
nosso contributo é um pequeno contributo. Acho que é um pequeno contributo no
sentido positivo de tomarmos conhecimento, de valorizarmos, de enriquecermos a
nossa história, o nosso povo”, contou.
E
lamenta que estes esclarecimentos e pormenores não sejam dados nos locais de
ensino, afirmando: “Deve começar pela escola a informação sobre este período do
tempo, sobre a nossa composição humana”.
A
confluência entre a cultura africana e a portuguesa deu frutos que perduram até
aos dias de hoje e Djuzé Neves acredita que “é destas passagens que se faz
Portugal”. In “Inforpress” – Cabo Verde com “Lusa”
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