Escritores
discutem em Arinos temas ligados ao interior de Minas Gerais e Goiás
I
O
poeta, romancista e contista Napoleão Valadares (1946) é autor de Delírio Lírico
(Rio de Janeiro, Edições Galo Branco, 2008), obra que tem tudo para se tornar
um clássico da poesia brasileira deste século XXI. Trata-se de um poema
construído em decassílabos brancos, sem estrofes, cujos cantos têm 49 versos
cada um, exceto os de números V, VI e VII, num total de 1759 versos, numa
narrativa épica que funde a linguagem clássica à popular. E que abrange, em
ordem cronológica, mais de 30 séculos de história, que se inicia com a Guerra
de Troia (século XIII a.C.), passando por Sócrates, Platão, Aristóteles, até
chegar praticamente aos nossos dias, como bem assinalou o poeta e crítico João
Carlos Taveira em rica resenha publicada no Jornal Opção, de Goiânia, em
15/11/2020.
Dono
de extensa obra que inclui mais de três dezenas de livros, Valadares, que
também se destaca como organizador de coletâneas e antologias, acaba de
publicar Encontro de Escritores em Arinos (Brasília, André Quicé
Editor, 2022), que reúne quatro palestras que foram lidas no dia 22 de maio de
2022, durante evento organizado pelo escritor com o patrocínio da Prefeitura de
Arinos, em Minas Gerais: “A Literatura Brasileira”, por Anderson Braga Horta;
“A água do Urucuia”, por Eugênio Giovenardi; “Antônio Dó, um jagunço
urucuiano”, por Marcos Sílvio Pinheiro; e “A obra de Guimarães Rosa”, por
Wilson Pereira.
Em
sua palestra, Braga Horta fez um voo panorâmico sobre a literatura brasileira,
desde a carta em que Pero Vaz de Caminha (1450-1500) comunicava ao rei dom
Manuel I (1469-1521) as suas primeiras impressões da paisagem e do potencial
econômico da terra “descoberta” até o Pré-Modernismo e Modernismo do século XX,
depois de exauridos o Realismo e o Simbolismo, incluindo os movimentos de
vanguarda. Em conclusão, Braga Horta reconheceu que a literatura praticada o
Brasil não é muito estudada fora dos países de expressão portuguesa, ainda que
seja extremamente rica e “sobejamente caracterizada como literatura nacional,
brasileira, típica, sem perda de universalidade, sem xenofobia, sem
chauvinismo, mas aberta aos ventos do mundo”.
II
Em
sua palestra, o filósofo, teólogo, sociólogo e escritor gaúcho Eugênio
Giovenardi, que vive em Brasília desde 1972, autor do livro Reencontro – O que aprendi da natureza (Editora Kelps,
2017), fez um alerta aos habitantes de Arinos, aos mineiros de um modo geral e,
principalmente, aos políticos que legislam e produzem leis ambientais sobre a
necessidade de se preservar os ecossistemas regenerativos, no caso específico
as águas do rio Urucuia, que cerca a cidade e é alimentado por cursos d´água
que têm suas nascentes em Goiás, na altura de Formosa, na divisa com Minas
Gerais.
“A
degradação ambiental que atormenta a população é resultado da agressão
sistemática aos ecossistemas cuja função é colaborar com a reprodução da vida e
a sobrevivência da biodiversidade”, disse, acrescentando que, em 2050, “os
produtores das grandes safras não estarão aqui para se envergonhar de como as
novas gerações enfrentarão os desertos sem água”.
Já
Marcos Sílvio Pinheiro, membro do Conselho de Cultura do Distrito Federal e
professor da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de
Brasília, leu o texto que escreveu sobre Antônio Dó, jagunço famoso na região
banhada pelo rio Urucuia, que antes teria sido um pequeno e pacato proprietário
rural que entraria em conflito com um grande fazendeiro vizinho amigo das
autoridades da região. Depois de passar um mês na prisão, Antônio Dó, revoltado
com a humilhação e com a opressão sofrida por ele e outros habitantes locais,
formou um bando armado e virou lenda ao combater, por 17 anos, a força policial
e os corruptos da região.
Como
observou Pinheiro, a fama de Antônio Dó cresceu tanto que ganhou foro literário
em livros de João Guimarães Rosa (1908-1967) e em obras de autores que trataram
especificamente de sua vida, como Manoel Ambrósio (1865-1947), Saul Martins
(1917-2009), Petrônio Braz, Maria Zaíra Turchi e Napoleão Valadares. “Ora Antônio Dó é visto
como bandido, ora como jagunço, ora como herói. Cada autor, em suas narrativas,
inspiradas no real, recria o seu personagem com traços fictícios, mas sem
abandonar a verossimilhança”, disse.
III
Por
fim, Wilson Pereira, poeta e professor universitário, analisou não só a obra de
Guimarães Rosa como traçou um breve perfil do escritor para, em seguida, fazer
comentários sobre cada um dos livros do autor. Depois de se aprofundar no
romance Grande Sertão: Veredas (1956), sua obra-prima, o professor, ao
analisar algumas das histórias curtas (ou contos) de Tutameia – Terceiras
Estórias (1967), último livro publicado em vida pelo autor, passou uma
informação pouco conhecida: o conto “Barra de Vaca” é uma homenagem à cidade de
Arinos, pois aquele seria o antigo nome daquela localidade, como já havia
adiantado Napoleão Valadares, incansável estudioso da obra de Guimarães Rosa. Além
disso, Pereira observou que, em todos os livros de Guimarães Rosa, consta a
palavra Urucuia, lembrando que, em Grande Sertão: Veredas, o personagem
Riobaldo afirma: “Rio meu de amor é o Urucuia”.
Por
aqui se vê que Pereira fez um atilado juízo, ao recorrer ao escritor italiano
Umberto Eco (1932-2016) para definir o trabalho literário de Guimarães Rosa
como “obra aberta, isto é, a obra que não se fecha em si mesma, mas que só se
completa no destinatário, no caso da literatura, o leitor”. E acrescentou:
“Assim, a obra não só se realiza plenamente como até se amplia com as
descobertas que o leitor faz, dependendo de sua capacidade intelectual, de seus
conhecimentos literários, de sua intuição, de sua sensibilidade”.
De fato, ainda que tenha sido estudada a fundo tanto no Brasil como fora do país, tendo sido tema para numerosas dissertações de mestrado ou teses de doutoramento em Letras, a obra de Guimarães Rosa mostra-se inesgotável, permitindo “uma multiplicidade de interpretações, com diferentes enfoques”, como afirmou Pereira.
IV
É
de se lembrar ainda que, em 2021, Napoleão Valadares lançou a quarta edição de Dicionário
de Escritores de Brasília (Brasília, André Quicé Editor), revista,
aumentada e atualizada, que traz uma relação detalhada de escritores que
residem ou residiram na capital federal e que tenham desempenhado lá suas
atividades intelectuais. São verbetes sucintos, com sínteses biográficas, sem
opinião pessoal ou crítica. Trata-se de um livro de consulta, que procura
facilitar as atividades de estudantes e pesquisadores interessados na
literatura praticada em Brasília.
No
prefácio que escreveu para a obra, Valadares lembra que Clemente Luz (1920-1999)
foi o primeiro a publicar crônicas em jornais em Brasília, mas esses textos só
seriam reunidos em livros muito depois em Invenção da Cidade (1968) e Minivida
(1972). E que José Marques da Silva (1938-2008), migrante goiano, escreveu Diário
de um Candango, que saiu em 1963 por uma editora do Rio de Janeiro. O
livro, de certa forma, homenageia o candango, nome que designa cada um dos
operários que trabalharam nas grandes construções da cidade de Brasília, geralmente
oriundos do Nordeste.
Com
base em estudo do professor Fábio Lucas, o organizador cita o mineiro Garcia de
Paiva (1920-2012) como o primeiro ficcionista a fazer de Brasília cenário de
ação romanesca, com a novela Luana (1962), publicada em São Paulo. De
acordo com ele, a primeira obra literária editada na nova capital é Poetas
de Brasília, de 1962, organizada por Joanyr de Oliveira (1933-2009).
V
Napoleão
Valadares, nascido no então distrito de Arinos, pertencente ao município de São
Romão-MG, estudou no Grupo Escolar Major Saint-Clair, naquela localidade.
Mudou-se com a família para Formosa, no interior de Goiás, completando o curso
primário na Escola Paroquial Nossa Senhora da Conceição, que funcionava no
Ginásio Arquidiocesano do Planalto. De 1962 a 1965, esteve no Ginásio São João,
de Januária-MG. Em Brasília, a partir de 1966, cursou o científico no Centro de
Ensino Médio Elefante Branco e ingressou na UnB, onde fez o curso de Direito.
Tem
atuação efetiva na Associação Nacional de Escritores (ANE), da qual foi
presidente por três mandatos, fazendo parte de seu conselho administrativo e fiscal.
É membro da Academia Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico
do Distrito Federal, da Academia de Letras do Brasil e da Academia de Letras,
Ciências e Artes do São Francisco-MG. Exerceu os cargos de assistente jurídico
da União, diretor de Secretaria da Justiça Federal, assessor de juiz do
Tribunal Regional Federal da 1.ª Região e advogado da União. Foi cofundador e
diretor do jornal Correio do Vale.
Entre
suas principais obras também estão: ANE – Cinquenta Anos (organização e
participação, 2013); História de Arinos (2013, 2015 e 2017); Do
Sertão (contos, 2016); Nomes (2017); Os Personagens de Grande Sertão:
Veredas (1982); Planalto em Poesia (organização e participação,
1987); Contos Correntes (organização e participação, 1988); Urucuia (romance,
1990); Resposta às Cartas Chilenas (poema, 1998); De Gregório a
Drummond (organização, 1999); Remanso (romance, 2000); Pensamentos
da Literatura Brasileira (2002); Chuvisco (haicais, 2003); Nomes
(2017); Caminhos Diversos (2018); Frases da História
(organização, 2019); Máximas e Mínimas (2019); e Fantasia (poemas, 2020). Adelto
Gonçalves - Brasil
________________________________
Encontro
com Escritores em Arinos, organização de Napoleão Valadares.
Brasília: André Quicé Editor, patrocínio da Prefeitura de Arinos-MG, 80 páginas, 2022.
Dicionário
de Escritores de Brasília, de Napoleão
Valadares, 4ª edição. Brasília: André Quicé Editor, 502 páginas, 2021.
______________________________________________
Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Academia
Brasileira de Letras/Imesp, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os
Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP,
Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário