I
Um menino que vive em Portugal e, de repente, deixa
de ir à escola, perde o contato com os amiguinhos e que olha através da janela
as pessoas que passam na rua, todas mascaradas. Esse é o universo do livro do
gênero infantil Confinados (Amadora, Edição Canto Redondo, 2022), de
autoria do brasileiro Ozias Filho, jornalista carioca radicado em Portugal há mais
de três décadas, e do artista plástico português Nuno Azevedo, responsável
pelas várias belas peças que ilustram a obra.
Igualmente fotógrafo e responsável por uma coluna no tradicional
jornal literário impresso Rascunho, de Curitiba, Ozias Filho escreve
poesia, contos, notícias para jornais e revistas e é autor de livros com textos
e outros com muitas fotografias de lugares bonitos. Desta vez, porém, ingressa
pela primeira vez na experiência de escrever livros para o público infantil. E
se sai muito bem porque consegue escrever como se fosse um menino, o que
garante que será lido por pais e filhos por muito tempo, mesmo depois que a
pandemia de coronavírus (covid-19) venha a se tornar apenas uma amarga
lembrança como a peste negra (peste bubônica), a gripe espanhola, a Aids (Sida)
e outras pestes.
Em outras palavras: com muita simplicidade, Ozias
Filho escreve o diário de uma criança confinada que se questiona em busca de
respostas. Nessa busca, encontram-se palavras que ganham outro peso na relação
com um momento que petrificou o mundo e, infelizmente, não o melhorou. Pelo
contrário. Afinal, não bastasse isso, o mundo hoje ainda vive a expectativa do
que a guerra entre Rússia e Ucrânia pode produzir, pois, como mostram as
experiências anteriores, a grande movimentação de pessoas e a aglomeração por
conta de um conflito contribuem para que esse tipo de doença se alastre e
chegue a outras partes do planeta.
II
Ao transportar o seu “eu lírico” para o universo
infantil, o poeta procura apegar-se à emoção e ao pensamento, tratando de
estabelecer um movimento de dor que, ao lado do prazer, constitui um dos
fenômenos que pertencem ao acervo da experiência humana, como observa o
professor Massaud Moisés (1928-2018) em A Criação Literária. Poesia (São
Paulo, Editora Cultrix, 2006, 16ª ed., pág. 169). Mas, afinal, como diz o
historiador e filósofo francês René Waltz (1875-19...), em La Création
Poétique (Paris, Flammarion, 1953, p. 65), citado por Massaud Moisés, “não
há poesia sem emoção, aparente ou não, declarada ou não”. E a emoção, ainda que
comedida, manifesta-se nesta prosa poética de Ozias Filho, como se pode
constatar aqui:
Não vale a pena olhar para trás e considerar
/ perdidos estes anos de confinamento. Só há perda / se não houver capacidade
de aproveitar o / momento de aprendizagem por que todos tivemos / de passar.
Aprendemos questionando, e / confinados questionamos mais!
Ou neste excerto: Continuo preocupado
e triste, / algo se passa lá fora, algo se / passa aqui em casa. O que estará /
a acontecer? Onde estão os meus / amigos? Onde está o movimento / das ruas? Por
que me mandam para / o quarto à hora das notícias?
Ou ainda neste trecho: Hoje estou de novo
muito feliz, / as minhas aulas regressaram e agora / são pela internet. Pude
rever a minha / professora, que ficou muito emocionada / por nos ver, e vi a
carinha pequenina / de todos os meus colegas, lado a / lado, no computador da
minha casa. / Estou animado e já não penso mais / no maldito vírus, mas sei que
ele / anda solto por aí.
A emoção que transparece através das palavras do
menino confinado, obviamente, não resulta de um automatismo inconsciente. Ou
seja, o “eu poético” também transparece nos textos finais e traduzem a
intelectualização do autor, agora apegado à razão, quando manuseia ideias em
lugar de imagens:
A Ciência está sempre a investigar /
estas partículas de material genético, / que evoluem tão depressa, causam
doenças, / mas que também podem ajudar a encontrar curas. / Já viste que há
tantos problemas que vemos / sem lupa e, mesmo assim, não conseguimos /
solucionar. Se podemos pesquisar sobre estas / questões, também podemos
imaginar formas / de os resolver. Procura em casa, na escola, / na tua rua
fazer parte das soluções!
III
Nascido no Rio de Janeiro, Ozias Filho é formado em
Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso e em Fotografia pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC). É pós-graduado em Edição e Novos Suportes Digitais
pela Universidade Católica Portuguesa. Lançou em 2001, pela Editora Alma Azul,
o livro Poemas do Dilúvio. Idealizou e protagonizou na Casa da América
Latina, em Lisboa, ao longo da última década, vários projetos, como Uma Hora
Com os Poetas, Noites em Pasárgada e Neruda com Amor.
Foi de 1999 até 2011 o
responsável em Portugal pela filial da Editora Vozes, de Petrópolis-RJ. Em 2013,
publicou, em parceria com o poeta mineiro Iacyr Anderson Freitas, o livro Ar
de Arestas. As fotos desta obra estiveram expostas no Museu de Arte Moderna
Murilo Mendes, em Juiz de Fora-MG. Expôs recentemente no projeto português On
the Wall (de fotografias feitas por smartfones). É editor do blogue O
relógio avariado de Deus e mantém uma página profissional em Ozias Filho
Photographer. Como jornalista, atuou também em O Globo, no Rio de
Janeiro, em O Primeiro de Janeiro, no Porto, e na revista Lusofonia,
em Lisboa. É editor na Edições Pasárgada. Vive em Cascais.
Já Nuno Azevedo, nascido
no Ribatejo, em Portugal, sempre esteve em contato direto com a natureza. E,
desde muito cedo, interessou-se por todo o tipo de desenho e ilustração. Quando
descobriu que uma folha de papel pode ter infinitas utilizações, nunca mais
parou. Por isso estudou Belas Artes e conheceu várias técnicas. Explorar,
experimentar, combinar texturas e formas, tirar partido das imperfeições são
das coisas de que mais gosta. Já ilustrou um livro escrito em mirandês, que é
uma outra língua que se fala em Portugal. Adelto Gonçalves - Brasil
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Confinados, de Ozias
Filho (texto) e Nuno Azevedo (ilustrações). Amadora: Edição
Canto Redondo, 46 págs., maio de 2022, 12 euros. E-mails: joanamorao@cantoredondo.eu filho.ozias@gmail.com.
Telefone: +351 962 732 261.
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Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012),
Direito e Justiça em Terras
d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2015), Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra
Selvagem, 2015), e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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