A
contribuição de dom João VI para a unidade nacional foi tema da primeira rodada
de debates do seminário “O Movimento da Independência: Ontem e Hoje – 200 Anos
de Independência do Brasil”, que ocorre até esta quinta-feira (30) na Câmara dos
Deputados em Brasília. Dom João VI foi rei de Portugal e do Brasil de 1816 a
1822.
Na
manhã deste dia 29, pesquisadores da História brasileira discutiram aspectos da
vida de dom João VI e também do contexto nacional à época da proclamação da
independência, em 7 de setembro de 1822.
Como
explicou o presidente da comissão especial curadora das comemorações do
bicentenário na Câmara, deputado Enrico Misasi (MDB-SP), a ideia dos debates é
focar em diferentes personagens, a partir de temas significativos na atuação de
cada um.
Na
visão de historiadores, a maior contribuição de dom João VI, que costuma ser
retratado como um ser caricato, pode ter sido a criação de instituições e
serviços que sedimentaram o Estado brasileiro, em uma cultura política que
ainda perdura.
“Nem
dom João nem a elite visaram à unidade nacional, mas pelas circunstâncias
precisaram governar com a corte no Rio de Janeiro e isso facilitou a unidade.
Mas o seu projeto era o reino unido [de Portugal e Brasil], e não a separação”,
esclareceu o historiador Arno Wehling.
Wehling
fez um paralelo entre o contexto social, político e institucional existente em
1808, quando a família real portuguesa aportou no Brasil fugindo das tropas
napoleônicas, em 1822. Segundo o historiador, é mito a unidade da colônia
portuguesa antes da independência.
“Em
1808, o Rio de Janeiro era uma capital de vice-reino, mas uma cidade acanhada,
sem as características dos vice-reinos mais importantes da América espanhola,
que eram México e Peru. Não havia aqui uma corte vice-reinal”, explicou Arno
Wehling. “Um segundo aspecto: as capitanias eram desligadas do Rio de Janeiro e
os seus governadores tinham ligação direta com a administração portuguesa. Em
terceiro lugar, havia limitações econômicas e financeiras no Brasil de 1808 e a
ausência de bancos, o que dificultava a circulação da riqueza.”
Até
que, em 1821, no lugar da fragmentação anterior, já havia uma certa unidade em
relação ao Rio de Janeiro. Treze anos após a chegada da família real, havia uma
metropolização da capital, um aumento do comércio internacional, uma abertura
para a imigração não portuguesa, o aparecimento de opinião pública e uma
oposição às características mais fortes do antigo regime e da dominação
portuguesa.
“Houve
algumas alterações substanciais que potencializaram a futura unidade.
Obviamente, a instalação da secretaria de Estado no Rio de Janeiro, os
ministérios portugueses, garantiu uma unidade político-administrativa
preliminar, que foi muito útil para a independência. Havia uma infraestrutura
administrativa funcionando em 1821 e 1822. Foi um período de soberania sem
independência”, disse ainda o Wehling.
O
também historiador Jurandir Malerba acrescentou que, ao vir para o Brasil, dom
João VI trouxe consigo todo um aparato de Estado. Aqui se instalou o aspecto
administrativo do império luso. Após a independência, havia, portanto, no
Brasil, um Estado operando plenamente.
Legado
– Além desse aspecto, Malerba questionou se, em 2022, pode-se afirmar que o
legado joanino foi positivo para o Brasil. Ele acredita que muitos dos vícios
políticos brasileiros remontam à época de fundação do Estado, inclusive
disputas de fundo ideológico.
Jurandir
Malerba perguntou ainda o que se ganha ao “exumar heróis criados pela elite
branca escravocrata”, nas comemorações do bicentenário da independência, e
continuar esquecendo heróis populares e toda a violência cometida contra povos
originários e povos escravizados.
“Onde
estão os grandes temas? Como a gente pode falar de independência sem se referir
à questão fundiária, sem se referir ao problema da posse da terra por uma
minoria branca desde o início da colonização? Como a gente não fala de política
de terras sem mencionar a guerra brutal contra os povos originários e que dom
João reiterou como política de Estado com vários decretos?”
O
deputado Enrico Misasi respondeu que o papel da comissão curativa do
bicentenário não é o de fazer a crítica aprofundada de eventos históricos, e as
comemorações atuais têm uma função de “rememoração coletiva”. Ele considera
importante fazer uma reflexão também sobre aquilo que a História do Brasil tem
de bom.
“É
trazer à tona temas importantes e personagens para que possamos ter um momento,
no meio do caos em que a gente vive, de lembrar fatos importantes da nossa
história”, afirmou o parlamentar. “Evidentemente que isso não pode nos levar a
ser ingênuo com relação aos graves problemas estruturais que temos no País. Mas
a solução para esses problemas passa antes por uma maior unidade entre as
pessoas do que pelo aprofundamento de divisões.”
Abertura do seminário
No
dia 28, a Câmara dos Deputados promoveu a cerimônia de abertura do seminário
com a participação dos deputados que compõem a comissão especial do
Bicentenário e a apresentação de um recital em que foram ouvidas obras musicais
que têm relação com aquele momento histórico.
Na
abertura, os deputados, além do ex-deputado Evandro Gussi (que coordenou a
comissão no início, em 2017), fizeram rápidos comentários sobre a data a uma
plateia composta por professores e autoridades brasileiras e representantes
diplomáticos.
A
deputada Soraya Santos (PL-RJ) destacou o desempenho de mulheres guerreiras no
processo de Independência, tema que será alvo de debates em um dos painéis do
seminário.
“Todas
as vezes que a gente falava da história, pouco se falava das mulheres. E temos
o privilégio de reavivar a história da Leopoldina. Temos um painel que vai
tratar das mulheres na Independência. As mulheres que ombro a ombro com os
homens construíram essa nação”, disse.
Comemorações
Até
setembro, as comemorações do Bicentenário pela Câmara envolvem ainda o
lançamento de dois livros — um sobre dom Pedro 1º e outro sobre o movimento da
Independência. E no dia 7 de Setembro, encerrando o período de comemorações,
haverá sessão solene do Congresso Nacional.
Até
quinta, o prédio do Congresso Nacional fica iluminado nas cores verde e
amarelo, também em comemoração ao Bicentenário da Independência.
A
Câmara exibe também, a partir desta semana, duas exposições sobre os 200 anos
da Independência do Brasil. As mostras fazem parte das comemorações da data
iniciadas em 2017, com exposições, debates, sessões solenes, lançamento de
selos e publicações sobre o tema, segundo a Agência Câmara de Notícias.
A
série “Brasil, 200 anos de Independência” dos Correios, idealizada em parceria
com a Câmara dos Deputados, fazem parte os seguintes selos: “A chegada de Maria
Leopoldina ao Brasil”, “A aclamação de D. João VI”, “O Retorno de José Bonifácio
ao Brasil”, “A Revolução Constitucionalista” e “O Brasil nas cortes de Lisboa”.
No próximo dia 7 de setembro, o sexto e último selo será lançado, finalizando a
série. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “Agência Câmara”
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