O problema da forma como nas televisões é noticiada a atual guerra não reside, contudo, e apenas, na indisfarçável simpatia dos comunicadores pelas posições de uma das partes – isso, dadas as circunstâncias, até pode ser compreensível –, o problema consiste em várias outras ordens de razões de cariz mais profissional
Durante
muitos anos, desde adolescente, que me habituei, mal me levantava, a ligar a
rádio para ouvir as notícias.
Até
à noite, à hora de jantar, nunca ligava a televisão.
Essa
era a hora especial em que via os telejornais.
Primeiro,
apenas um, ou dois; depois, vários e até de vários países.
Os
telejornais sempre foram maiores que os jornais da rádio e, de certo modo,
associavam às notícias funções de entretenimento que aqueles não
proporcionavam.
Cumprindo
missões diferentes, nenhum noticiário me dava, contudo, mais gozo do que o da
rádio, de manhã.
Os
telejornais tinham outra vantagem: serviam mais para a discussão e comentário,
em família, do que se passava no país e no mundo, pois decorriam à hora de
jantar, quando todos estávamos reunidos.
Por
tal razão, cumpriam a função de me permitir perscrutar a opinião dos meus
filhos e a de os ir procurando educar moral, cívica e politicamente.
Em
certas ocasiões, eles suscitavam discussões acesas em que nós - eu, a minha
mulher e os nossos filhos e, porventura algum visitante mais chegado -
procurávamos com alguma veemência, e mesmo com algum ruído, impor os nossos
pontos de vista.
Também
isso fazia parte da praxe do jantar, mesmo que alguns convidados menos
habituais se espantassem com a liberdade dos discursos e, até, com os decibéis
que neles empregávamos.
Tudo
isso foi possível enquanto – mesmo que sempre orientados – os telejornais não
se tornaram, como agora, puras, obsessivas e enfadonhas máquinas de propaganda:
da pandemia, da guerra, dos escândalos de cada momento.
Com
a guerra recente, os telejornais – quase todos, salvando-se, ainda assim, o do
segundo canal - ultrapassaram, de vez, o limite do tolerável.
Sempre
e em todas as circunstâncias – não é de agora - pivots, jornalistas, repórteres
e comentadores deixaram, inevitavelmente, antever as suas simpatias.
Hoje,
contudo, o que se passa é diferente de tudo o que tínhamos assistido.
Minto,
de tudo não; em pequeno, lembro-me, havia, já não sei em que estação da rádio,
um programa em tudo semelhante, mas esse, ao menos, não escondia ao que vinha:
chamava-se «Rádio Moscovo não fala verdade».
O
problema da forma como, nas televisões, é noticiada a atual guerra não reside,
contudo, e apenas, na indisfarçável simpatia dos comunicadores pelas posições
de uma das partes – isso, dadas as circunstâncias, até pode ser compreensível –
o problema consiste em várias outras ordens de razões de cariz mais
profissional.
De
um lado, a pequeníssima fiabilidade e racionalidade das notícias resultantes
das permanentes contradições dos números de vítimas apontadas a um e ao outro
lado.
Quem
não ouviu já, por exemplo, que, depois de um qualquer bombardeamento esmagador,
resultou apenas uma vítima de idade, numa escola de crianças.
De
outro, o esmagamento sucessivo com pequenas – mesmo que impressionantes e revoltantes
– estórias pessoais, que nos são transmitidas sem qualquer tratamento
jornalístico sério e sem, aparentemente, alguma tentativa de comprovação ou
contraditório.
Por
fim, o tempo desmesurado que esse somatório de repetitivos episódios – uns mais
interessantes, outros, obviamente, apenas coadjuvantes da narrativa dominante –
gasta aos telejornais, que, assim, quase deixaram de dar relevo às notícias
nacionais ou de outros lados.
O
nosso mundo parece assim, inevitavelmente, como um quase paraíso, mesmo que,
num e noutro lugar ainda menos evidente, comecem já a cheirar mal as maçãs
podres que para lá vão sendo lançadas, sem que delas tenhamos conhecimento
suficiente.
Sinceramente,
e relativamente ao período antes da guerra, gostava de saber quais a medições
de audiência que tais telejornais têm: se têm diminuído ou aumentado.
No
que me diz respeito, por mais impressionado que possa ficar – e fico - com o
horror desta guerra, injustificável em todas as suas reais circunstâncias e,
mais ainda, em torno do pobre e mediático argumentário de «bons e maus» com que
a vão explicando, passei a saltar por cima dos telejornais.
Falta-lhes
uma elucidação esforçada para o que acontece e por que acontece, e uma
informação sintética, realista e objetiva sobre a evolução do teatro de guerra.
Procuro,
ainda assim, no canal dois, obter alguma informação - sempre mais rápida e, por
isso, mais assética – para, depois, poder ver alguma das séries que aí passam e
que, por norma, espevitam a inteligência do espetador.
Na
verdade, ninguém gosta de ser tratado como estúpido, mesmo que alguns se
prestem demasiado a isso.
Não
deixo, porém, de ter pena de - primeiro por causa da pandemia, agora por causa
do tédio que a guerra, tal como relatada, acaba por provocar-me ir
desinteressando de tantas coisas que sempre me motivaram.
Talvez
seja esse, afinal, o objetivo.
Ou,
se calhar, o problema é meu: é mesmo da idade e do conhecimento mais penetrante
que ela nos dá das coisas. António Cluny – Portugal in “Jornal I Digital”
António Cluny - Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Clássica de Lisboa. Representante de Portugal na Eurojust -
Unidade Europeia de Cooperação Judiciária- e na MEDEL - Associação de
Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdade.
Nomeado,
por diversas vezes, Procurador da República em diferentes círculos judiciais.
Procurador-Geral
Adjunto, colocado em substituição do Procurador-Geral da República nos
Tribunais Supremos e no Tribunal de Contas em 22/6/98.
Perito
do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção – comité especializado do
Conselho da Europa), tendo participado nas equipas que avaliaram os sistemas
públicos e de justiça do Mónaco e do Luxemburgo na perspetiva da luta contra a
corrupção.
Em
representação da Federação Internacional do Direitos Humanos (FIDH ) dirigiu no
local uma missão na Amazónia (Belém do Pará) para investigar a morte de uma
freira católica Norte-americana, cujo relatório apresentou em Genebra na
Reunião Anual do Comité das Nações Unidas para defesa dos Direitos Humanos.
Participante
em Washington e S. Francisco em conferências e iniciativas cívicas de luta
contra Pena de Morte a convite da International Commission Against the Death
Penalty e da Death Penalty Focus, tendo intervindo no Clube de Imprensa daquela
primeira cidade.
Alguns livros e artigos:
Pensar
o Ministério Público Hoje – Ed. Cosmos, Outubro de 1997.
Responsabilidade
Financeira e Tribunal de Contas, Coimbra Editora, Dezembro de 2001.
O
Ministério Público, o Estado de Direito Social e a Nova Criminalidade
Organizada que reproduz uma intervenção num colóquio realizado em Bruxelas em
12, 13 Dezembro de 1997, pela MEDEL e a União Europeia subordinado ao tema «La
Justice entravée – corruption et criminalité économique internationale» – RMP,
n.º 72, 1997.
O
Ministério Público e o princípio constitucional da igualdade – Caderno n.º 10
da RMP – Ed. Cosmos, Lisboa 2000.
Reflexões
e Dúvidas no 25.º Aniversário do Estatuto do Ministério Público – RMP, n.º 95,
2003.
Démocratie
et rôle de l’associationnisme judiciaire au Portugal – incluído na obra : La
formation des magistrats en Europe et le role des syndicats et des associations
profissionelles / Quelle formation, pour quelle Justice, dans quelle société -
CEDAM, Padova, 1992.
Criminalidade
em Tempo de Crise – O Cidadão (1995) III, 9-10: 23-28.
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