Os lusodescendentes em Myanmar (antiga Birmânia) orgulham-se das suas origens, mesmo que de Portugal só conheçam Cristiano Ronaldo, e é ao país dos seus antepassados que pedem agora ajuda, numa altura em que são perseguidos pelos militares, denunciou uma associação
“Eles
têm muito orgulho em ser de origem portuguesa, apesar de alguns deles, a maior
parte, desconhecer onde se situa Portugal”, disse, em entrevista à agência
Lusa, o investigador da história da expansão portuguesa e diretor-geral para a
Ásia/Pacífico da Associação Internacional dos Lusodescendentes
(AILD), Joaquim Magalhães de Castro.
A AILD tem vindo a denunciar o “genocídio” em
curso de milhares de lusodescendentes católicos (bayingyis) em Myanmar, que se
tem traduzido em destruição, mortes e refugiados.
Segundo
Joaquim Magalhães de Castro, a comunidade de lusodescendentes em Myanmar existe
há mais de 400 anos, resultando de casamentos feitos entre aventureiros
portugueses, muitos deles mercenários.
Passaram
de soldados a camponeses, ficando-se pelo norte do país e mantendo o culto
católico, ao contrário da língua e dos apelidos.
Várias
coisas os identificam, a começar pelos traços físicos, mas também a arte de,
por exemplo, fazer chouriços, contou o investigador.
Desde
dezembro do ano passado que elementos da Junta Militar de Myanmar têm atacado
as maiores aldeias de bayingyis, afetando “várias dezenas de milhares de
pessoas”.
Joaquim
Magalhães de Castro, que conhece a região e é autor de vários artigos, livros e
documentários sobre estes lusodescendentes, refere que, para eles, Portugal é
“um país quase mítico”.
Apenas
os padres, que tiveram acesso à educação, é que sabem mais sobre o país e
alguns já o visitaram.
Estes
lusodescendentes têm sofrido a força com que os militares regressaram ao poder,
atacando as minorias, nomeadamente os católicos, pois a igreja católica sempre
foi “do contra”, sempre foi pró-democracia, por Aung San Suu Kyi”, a ex-líder e
Prémio Nobel da Paz (1991), deposta e detida.
Segundo
Joaquim Magalhães de Castro, os militares estão de regresso e a utilizar o
mesmo “modus operandi”, que é “a repressão, sobretudo das etnias, as
etnias minoritárias que se rebelam contra este poder, que contesta a junta
militar, que é maioritariamente birmanesa”.
Católicos,
os lusodescendentes são um alvo dos militares que sentem um “desprezo e
desconsideração” pelas minorias, disse o investigador.
Segundo
a AILD, logo em dezembro do ano passado, a aldeia de Chaung Yoe foi alvo da
violência e saque dos militares, saldando-se por 300 casas destruídas à bomba.
Seguiu-se
Chan-tha-ywa, em janeiro passado: “Os soldados tomaram toda a aldeia, saqueando
as habitações, abatendo todo o tipo de animais domésticos e aprisionando
doentes e idosos que não puderam fugir. Três pessoas foram assassinadas a
tiro”.
Os
militares regressaram a esta aldeia em 06 de maio passado, incendiando 22 casas
e destruindo as colheitas.
“Eu
tenho imagens das igrejas, das cúpulas das igrejas com buracos de bombas”,
disse Joaquim Magalhães de Castro, dando conta de casas destruídas, gado
abatido e cereais queimados.
Milhares
de bayingyis tornaram-se refugiados, encontrando-se agora distribuídos por
aldeias vizinhas ou nos complexos das organizações religiosas.
“As
pessoas tiveram de fugir porque em episódios anteriores houve casos de mortes,
com tortura antes do assassínio”, referiu o investigador.
Joaquim
Magalhães de Castro receia que este “genocídio” caia no esquecimento, pois
acontece em “sítios esquecidos” que passam “despercebidos”.
Daí
a necessidade do alerta que a AILD realizou, contactando organizações
portuguesas e internacionais, a igreja católica, o Governo, o Parlamento e os
partidos políticos portugueses.
O
investigador considera que, se as autoridades não atuarem, é porque não querem,
mas recorda que outros massacres, como em Timor-Leste, também aconteceram até
que as imagens os denunciaram, obrigando a uma intervenção.
Uma
solução para este problema poderia ser, na sua opinião, a atribuição de
nacionalidade portuguesa.
“Se
aos sefarditas é atribuída a origem portuguesa, porque não a estas comunidades
que deixámos espalhadas na Ásia, pelo mundo”, questionou.
E
defendeu a atribuição de “bolsas de estudo para os jovens dessas comunidades
poderem vir estudar para Portugal, porque eles têm, de facto, um amor muito
grande a Portugal”.
Questionado
pela agência Lusa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros recordou que, desde o
primeiro instante, Portugal condenou “o golpe militar de 01 de fevereiro de
2021, praticado pelas autoridades militares do Myanmar, uma violação flagrante
da vontade da população, expressa nas eleições gerais de 08 de novembro de
2020”.
“A
violência por motivos étnico-religiosos ou a violação da liberdade religiosa é
injustificável e inaceitável, em todas as suas formas”, prossegue a nota do
Palácio das Necessidades.
Myanmar
“está no topo da agenda da União Europeia e Portugal continuará a participar
ativamente no esforço coletivo da comunidade internacional para pôr termo a
este conflito e auxiliar as populações vulneráveis”, disse. In “Bom dia
Europa” - Luxemburgo
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