Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Timor-Leste - “Senhor da Chuva”, novo livro sobre a ligação de Ruy Cinatti ao país

“Senhor da Chuva” é o título de um novo livro ilustrado editado em Díli sobre a ligação do poeta e antropólogo português Ruy Cinatti a Timor-Leste, vincada com ‘pactos de sangue’ com duas famílias de chefes tradicionais


“Quando falava do Cinatti às pessoas, parecia estar a falar de uma lenda. Via a curiosidade que as pessoas tinham e daí esta ideia de um livro, que não pretende ser uma biografia, mas é sim uma exploração dessa rica ligação a Timor-Leste”, disse a autora Mara Bernardes de Sá à Lusa. “É mais um ponto de partida para descobrir Cinatti, um tributo. Um projeto que depois o artista Bosco Alves abraçou e que agora é publicado”, afirmou.

O livro de Mara Bernardes de Sá, em Timor-Leste desde 2015, está ‘pintado’ com telas desenhadas propositadamente para o projecto pelo pintor timorense Bosco Alves, atualmente um dos mais conceituados do país.

O primeiro exemplar foi entregue ao Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, aquando da visita a Timor-Leste e o lançamento oficial da obra decorreu no Centro Cultural Português.

A autora explicou à Lusa que a ligação a Cinatti é praticamente tão antiga quanto a ligação a Timor-Leste, já que na primeira viagem ao país recebeu o livro “Condição Humana em Ruy Cinatti” de Peter Stilwell. “Foi a minha ligação a Ruy Cinatti e a Timor-Leste, lia como se ouvisse o poeta e estava encantada com a ilha, quando viajava levava comigo recortes de poemas e fotografias de Ruy Cinatti que deixava em lugares que sentia terem significado”, explicou.

Depois, mais tarde, percebeu o vinco ainda mais forte do poeta e agrónomo português ao país, em virtude de dois pactos de sangue celebrados com Adelino Ximenes, então ‘liurai’ [chefe tradicional] de Loré, e Armando Barreto, ‘liurai’ de Ai-Assa.

Natural de Chaves, Mara Bernardes de Sá tem obras publicadas, incluindo na antologia de poesia “Mouth Ogres”, em várias edições de autor de alguns livros infantis e com textos em livros, como “Timor Ruguranga” e “Olhares que falam”.

Da nova obra e da exposição que a acompanha, fazem parte quatro telas pintadas especialmente para o livro por Bosco Alves, de 57 anos, artista que fez a primeira exposição, em Timor-Leste, em 2000, e já com obras em coleções privadas em vários países.

A par da apresentação do livro, está patente uma exposição de vários documentos relacionados com Ruy Cinatti, espólio do Arquivo Nacional de Timor-Leste, incluindo vários livros, na maioria em primeiras edições e fotografias da vida do poeta.

Natural de Londres, onde nasceu em 1915, Ruy Cinatti era agrónomo e poeta, dividindo-se entre as ciências humanísticas e as ciências naturais. Chegou a Timor-Leste, pela primeira vez, em julho de 1946, como secretário do então governador Oscar Ruas, e no ano seguinte, com o país a recuperar das marcas da invasão japonesa, percorreu o território, realizando um primeiro estudo.

O estudo sobre Timor englobou temas tão diversos como a botânica, a meteorologia, a etnologia e a arqueologia, tendo no pacto de sangue, alcançado uma ligação eterna aos rituais mais sagrados do país.

Cinatti, que nunca deixou de viver essa ligação de “irmão” timorense, é autor do que se pensa ser o primeiro plano de fomento agrário do país e deixou uma vasta obra ainda hoje referência essencial para estudiosos de Timor-Leste. Vencedor de vários prémios literários, incluindo o Prémio Nacional de Poesia, viveu uma forte ligação com Timor-Leste.

Em 2015, num evento alusivo ao centenário de Cinatti, na Escola Portuguesa de Díli, a que ‘emprestou’ o nome, os herdeiros dos dois ‘liurais timorenses’, Cornélio Ximenes (Mau-Nana), filho de Adelino Ximenes, e Saturnino Barreto, bisneto de Armando Barreto, recordaram os pactos de sangue. “Tinha 10 anos quando se fez o pacto de sangue. O pacto de sangue foi feito num lugar sagrado entre o meu pai e o Ruy Cinatti, de forma privada. Com esse pacto ficam como irmãos gémeos. Havia lá uma casa onde ele viveu e onde ainda há pinturas feitas por um velhote que ainda está vivo”, afirmou Cornélio Ximenes.

Mau Nana, como também é conhecido, disse que Cinatti pediu ao ‘liurai’, “que tinha nove mulheres”, para dar o seu nome a um filho e, por isso “hoje há por aí montes de Cinattis”.  Saturnino Barreto, por seu lado, lembrou ter sido feito, em Ai-Assa, além do pacto de sangue, uma “cerimónia de bandeira de segunda linha”, tendo sido distribuídas bandeiras de Portugal aos 18 chefes de ‘suco’ da região. “Sete dos chefes de ‘suco’ foram com o ‘liurai’ de Ai-Assa e com o saudoso Ruy Cinatti para Ai-Assa onde houve uma festa de um dia e uma noite. De manhã, os sete concentraram-se num lugar sagrado para testemunhar o pacto de sangue”, disse. “A informação que o meu pai me deu não explica o objetivo da cerimónia. O sítio onde foi feito o pacto de sangue é sagrado. E não é qualquer pessoa que lá pode ir”, disse.

O livro é editado pela Plural Editores, do grupo Porto Editora, e a iniciativa é apoiada pela Embaixada de Portugal em Díli, Escola Portuguesa de Díli, Fundação Oriente, Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e Arquivo e Museu da Resistência.

O representante da Plural Editores disse à Lusa que “uma parte da missão da Plural é o apoio e incentivo à edição, criação e publicação de livros relacionados com Timor-Leste”. “Desde 2014 que se publicam livros sobre Timor-Leste, com um acervo interessante, de todo o tipo. Livros ligados à política, à economia, biografias de figuras relevantes no país e fotografia”, considerou Paulo Calhau, notando que há “outros projetos na calha”. In “Ponto Final” – Macau com “Lusa”

Poemas de Ruy Cinatti publicados no blogue “Baía da Lusofonia”: 

Recordação

Rumo


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