“Rio, da Glória à Piedade” reúne textos de
11 autores em homenagem à cidade
I
Carioca não é só um termo que define quem nasceu na cidade do Rio de Janeiro, pois pode ser estendido também a quem vive (ou viveu) por muitos anos naquela cidade, ou seja, é, antes de tudo, um estado de espírito. É o que se pode comprovar em Rio, da Glória à Piedade (Rio de Janeiro/Santarém-Portugal, 2023), obra que, organizada pelo arquiteto, romancista e contista Hélio Brasil (1931), reúne textos do próprio organizador e de outros dez autores que, embora alguns deles nascidos em outros Estados e um deles em Portugal, têm uma paixão única: o amor pela antiga capital da República do Brasil.
Nascida
espontaneamente de conversas entre amigos, todos ligados às letras, esta obra reúne
gêneros variados, desde crônicas e poemas a textos sobre história, memórias
pessoais e urbanas, escritos às instâncias do organizador, que pediu a cada
amigo que comparecesse com três textos e, se possível, com alguns poemas.
No
prefácio que escreveu para esta obra, o poeta, editor e ensaísta Alexei Bueno
(1963) observa que o título do livro pode soar estranho para aqueles não
nascidos no Rio de Janeiro ou que o conheceram apenas ocasionalmente. E lembra
que se refere, de maneira metafórica, a dois bairros tradicionais da cidade: a
Glória, que fica entre a Lapa e o Catete e recebeu esse nome porque lá se
localiza a bela igreja em homenagem à Nossa Senhora da Glória do Outeiro,
obra-prima da arquitetura do século XVIII português; e Piedade, pobre e
longínquo subúrbio que ganhou notoriedade na história da Literatura Brasileira
porque lá se deu o assassinato do escritor Euclides Cunha (1866-1909).
II
Na
abertura do livro, Hélio Brasil, além de procurar definir o que é ser carioca,
procura evocar o Rio de Janeiro que ficou lá para trás, com suas ladeiras e
sobrados e o burgo colonial que havia antes que alguns estouvados derrubassem
tudo para criar uma planície onde o ditador Getúlio Vargas (1882-1954) iria
plantar seus ministérios, sem deixar de encerrar sua participação com um poema
em homenagem ao marquês do Lavradio, d. Luís de Almeida Portugal (1729-1790),
que, durante os seus dez anos de governo (1769-1779), muitos serviços prestou
ao Rio de Janeiro, construindo fortalezas e chafarizes, como o da rua da
Glória, e abrindo ruas, como aquela que até hoje leva o seu nome, além de
transferir o mercado de escravos da rua Direita (atual Primeiro de Março) para
o cais do Valongo, a pedido da elite local, que se mostrava incomodada com o
burburinho.
Já
o arquiteto, professor e historiador Nireu Cavalcanti (1944), alagoano, que
migrou para o Rio de Janeiro no começo da década de 1960, autor de vários
livros sobre a história desta cidade e de Niterói, doutor pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresenta-se com crônicas que impressionam
pelos detalhes urbanos, que começam por suas lembranças quando conheceu, ainda
em Maceió, o vizinho Bernardeli, o Brocha, que tinha um irmão mais velho que
morava no Rio e haveria de levá-lo para a antiga capital federal.
Nas demais crônicas, rememora, através de alter egos que seriam cariocas, o que foi o Rio de Janeiro em outros tempos, desde a época do engenheiro André Rebouças (1838-1898), abolicionista e monarquista, afrodescendente que partiu para o exílio com a família real depois da implantação da ditadura militar que instituiu a República em 1889, a um personagem nascido no bairro da Glória, filho de um açoriano e de uma cabocla alagoana de Palmeira dos Índios.
À
falta de espaço, pode-se avisar ao leitor que encontrará outros textos
igualmente pitorescos e brilhantes, como as crônicas sobre a vida literária e
política escrita pelo jornalista Rogério Marques (1950), carioca, que foi
diretor e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do município do Rio de
Janeiro; o levantamento da vida livreira na cidade pelo escritor, professor e
mestre em comunicação pela UFRJ Gustavo Barbosa (1950), também carioca;
aspectos da vida carioca e memórias sentimentais do escritor e filósofo Ivo Korytowski (1951), pesquisador
da história do Rio de Janeiro; e os versos candentes da gaúcha Suzana Vargas
(1955), que reside na cidade há mais de 50 anos, mestre em Teoria Literária
pela UFRJ, poeta e autora de livros de
literatura infantil e ensaios.
Além
disso, há um relato sentimental do poeta português Joaquim António Emídio
(1955), jornalista que reside em Lisboa e dirige o jornal regional O Mirante
há 35 anos. Emídio, frequentador ocasional da vida boêmia carioca, foi amigo ou
pelo menos interlocutor da maioria das figuras notáveis da cidade, como Alberto
Dines, Fausto Wolff, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes e outros. Foi por seu empenho e por sua editora, a
Rosmaninho Editora de Arte, que esta obra de devoção à cidade saiu à luz.
III
Neste
livro, o leitor ainda vai encontrar as memórias pessoais e urbanas do
jornalista e escritor baiano Eliezer Moreira (1956), além de um retrato em
prosa da lendária Cinelândia pelo arquiteto e poeta carioca Eduardo Mondolfo
(1956), que, inclusive trabalhou com o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). De
Mondolfo, há ainda duas sequências poéticas, que encantam e seduzem o leitor
por seu amor à cidade.
Por
fim, o livro traz uma suíte de poemas e de épocas diversas do poeta, ensaísta,
crítico, tradutor e editor carioca Alexei Bueno (1963), nascido em Copacabana e
transferido para a Lapa, cujo caráter parcialmente memorialístico explica o
título do livro, bem como uma extensa crônica do crítico literário e ensaísta
gaúcho André Seffrin (1965), que vive no Rio de Janeiro desde 1987, tendo
organizado numerosas antologias e obras completas de consagrados autores
nacionais.
Em
seu texto, Seffrin traz lembranças do convívio que manteve com personagens da
vida literária e política brasileira, sem citar os seus nomes, o que o levou a
escrever um “Manual de (des)montagem para melhor compreensão do (con)texto”
para ajudar o leitor a identificá-los, entre os quais estão nomes memoráveis
como Carlos Drummond de Andrade, Burle Marx, Gilberto Chateaubriand, Antônio
Carlos Villaça, Gilberto Amado, Alberto da Costa e Silva, Fausto Cunha, Walmir
Ayala, Flávio Moreira da Costa e, entre outros, até aquele a quem definiu como
“patriota de ocasião, equívoco de arrogância e estupidez”, que seria o
inominável que foi, “enfim, devolvido aos esgotos em outubro de 2022”. Adelto
Gonçalves - Brasil
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Rio, da Glória à Piedade, de Hélio Brasil (org.), com colaborações de Hélio Brasil, Nireu Cavalcanti, Rogério Marques, Gustavo Barbosa, Ivo Korytowski, Suzana Vargas, Joaquim António Emídio, Eliezer Moreira, Eduardo Mondolfo, Alexei Bueno e André Seffrin e prefácio de Alexei Bueno e ilustração da capa de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro/Santarém-Portugal: Rosmaninho Editora de Arte, 234 páginas, 2023. E-mail: editoraomirante@omirante.pt Site: www.omirante.pt
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o
poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Maravilha!!!
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