No projeto “Metade dos minutos”, que irá representar Portugal na 15.ª Quadrienal de Praga, a cenógrafa Ângela Rocha criou um labirinto, que permite ao visitante explorar o tato, sentido que nos últimos anos “está a ser esquecido
Numa
edição da Quadrienal de Praga que tem como tema “Visões raras”, fez sentido a
Ângela Rocha “começar a explorar o lado tátil, um dos sentidos que está a ser
um bocadinho esquecido, não só por causa da pandemia, que fez com que a
distância fosse a medida de todas as coisas, e que se associasse a ideia do
toque a uma ideia de perigo, mas também porque o facto de se estar numa era
cada vez mais digital faz com que os mesmos gestos sejam reduzidos à
funcionalidade”, disse à Lusa.
Atualmente,
basta “pressionar ou passar para o lado”, no ecrã de um telemóvel, “para
comprar uma coisa”. Ato que dantes implicaria uma série de outros gestos como
abrir a carteira, tirar o porta-moedas, pegar no dinheiro ou num cartão.
“Começámos a ter os gestos mais reduzidos”, salientou.
Ângela
Rocha considera que “está a haver um desligar deste sentido”, o tato, “que é
tão importante para uma ideia de presente”.
“A
minha ideia do futuro seria tentarmos reivindicar de novo a ideia do presente
temporal e espacial, através da ‘reconexão’ tátil aos lugares, e daí este
espaço ser desenvolvido com diferentes tipos de texturas. Umas mais repelentes
e outras mais atrativas”, explicou a cenógrafa sobre a obra que quis apresentar
aos jornalistas em Lisboa, antes de partir para Praga.
Antes
de se entrar, literalmente, no labirinto, há uma espécie de antecâmara que
poderia ser um escritório ou um espaço de trabalho numa qualquer divisão, com
uma cadeira, uma secretária e um candeeiro.
“Para
avançarmos para um futuro tínhamos que analisar o presente. Por isso, era
importante materializar, de alguma forma, esta ideia mais premente da saída da
pandemia. Fez-me sentido que fosse uma textura mais agressiva e que criasse uma
distância entre nós e os objetos. É um espaço que temos alguma relação com ele,
mas que foi absorvido por esta textura criada por alfinetes. Que nos atrai, mas
que sentimos que temos de mexer com algum cuidado”, explicou Ângela Rocha.
Os
objetos na antecâmara foram todos cobertos por alfinetes, que de longe têm a
aparência de relva artificial cinzenta. O chão e paredes do espaço que ocupam
foi todo forrado a alumínio.
Só
depois de o visitante enfrentar “esta ideia de presente”, é que poderá “começar
a fazer o caminho para o futuro”.
A
entrada no labirinto foi forrada com pelo laranja, para que o visitante se
lembre “da brincadeira e do jogo”. “E de estarmos uns com os outros, de ser uma
coisa mais infantil talvez, que achei que também era importante levarmos na
nossa mochila para o futuro”, explicou Ângela Rocha.
Dentro
do labirinto, a cenógrafa achou que deveria trabalhar “uma textura a partir da
luz, visto que a luz é uma força muito emotiva a que todos os seres vivos
reagem”.
“Fazia-me
sentido para esta limpeza que precisamos para avançar”, disse sobre o trabalho
“desenvolvido através de filamentos de fibra ótica, que revestem todas as
paredes”.
Em
“Metade dos minutos” é dada ao visitante “a hipótese de escolha e de
reinterpretar o lugar e qual é que é a saída”. “Uma ideia de futuro que também
acho bastante importante”, sublinhou.
Ângela
Rocha quer, “acima de tudo, que seja um futuro plural”, por isso convidou dois
artistas plásticos, Diogo Costa e Telma Faria, para desenvolverem as portas de
saída do labirinto, “para que a visão se multiplique”.
Em
Praga, as saídas darão acesso aos expositores da Suécia e do Quebec, de modo a
“continuar esse caminho de futuro, passando por diferentes visões que cada
lugar tem”.
Além
das saídas, o labirinto esconde “um beco sem saída, que também é muito
importante haver, e que tem uma pequena surpresa”.
A
obra ocupa um espaço de quatro por cinco metros, embora dentro do labirinto se
tenha a sensação de que é bem maior. Para isso contribui o chão espelhado, que
“ajuda a criar a ideia de luz a toda à volta do visitante, que o visitante é o
centro dessa luz”.
Além
do labirinto, Ângela Rocha criou também uma atividade paralela, a que chamou
“Mirabolante”, com a ideia “de levar um bocadinho mais a fundo a representação
de Portugal”.
“Em
vez de ser só a minha visão, abrir a possibilidade das visões de Portugal. De
todas as pessoas poderem contribuir com visões”, contou.
Ao
longo de dois meses, a cenógrafa e a equipa que com ela trabalha foi juntando
“visões de futuro, em forma de texto, imagem ou objeto”.
Essas
visões foram recolhidas, numa parceria com a Direção-Geral do Livro, dos
Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), numa biblioteca em cada capital de
distrito, do continente e ilhas, e também na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
“Vamos
cenografar uma máquina de brindes redonda, como se fosse uma bola de cristal,
da qual, por uns trocos, se pode retirar uma visão rara trazida de Portugal
para a República Checa”, descreveu.
“Metade
dos Minutos” faz parte da exposição “Países e Regiões” da 15.ª Quadrienal de
Praga, que decorre entre 07 e 18 de junho.
O
projeto de Ângela Rocha foi o selecionado no âmbito do concurso limitado
promovido pela Direção-Geral das Artes (DGArtes), que justificou a escolha da
sua proposta curatorial com a “prioridade” que dá ao “visitante como agente
ativo e decisor”.
A
representação portuguesa inclui também, na secção “Fragments II”, dedicada ao
que fica depois das peças de teatro ao nível da cenografia, o trabalho da
cenógrafa Rita Lopes Alves para a última encenação de Jorge Silva Melo, a peça
“Vida de artistas”, de Nöel Coward.
Além
disso, a Direção-Geral das Artes convidou também a Associação Portuguesa de
Cenografia (APCEN) para realizar a curadoria do projeto a apresentar na secção
“Estudantes”, tendo sido proposto o projeto coletivo “HODO: Unique Journeys”,
que envolve a participação de várias escolas superiores de diversas regiões do
país que lecionam cursos de cenografia e design. In “Bom dia
Europa” - Luxemburgo
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