Alice
Neto de Sousa, 30 anos, esteve pela primeira vez em Angola, Luanda, terra de
sua raiz, para o início das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, com uma
performance poética no Auditório Pepetela do Centro Cultural Português, em
Luanda, a convite da Embaixada Portuguesa. Aproveitou para conhecer parentes
próximos e encetar contactos com poetas angolanos, dos quais praticamente não
conhece ninguém, revelou. A "poeta", como prefere ser tratada,
despontou com a sua arte no início de 2022, com o poema "Poeta", da
sua autoria, dito pela primeira vez na 1.ª edição da PowerList 100 da Bantumen,
tornou-se viral nas redes sociais, mas a poesia descobriu-a na infância.
Como é que entra na poesia?
Eu
não escolhi ser poetisa. A poesia é que sempre fez parte de mim em toda a minha
vida. Olhando para trás, é mais evidente no momento que ela apareceu. O que
sinto é que, nos últimos tempos, tenho partilhado essas minhas inquietações com
as pessoas: quem eu sou como poeta, mas a poesia sempre fez parte de mim desde
a tenra idade. Quando andava pela rua, acreditava que o barulho que as folhas
das árvores faziam eram elas a falar comigo. Era assim que eu via o mundo, com
este espanto. E faz parte deste eu poético, de olhar da forma mais crua e ao
mesmo tempo tentar imaginar para lá daquilo que é visível.
O que mudou na sua vida, a partir do momento em que
começa a ter sucesso?
Penso
que ainda não cheguei (ao sucesso) (risos). Quer dizer, vou chegando e então
vou traçando novas metas... Eu diria que a visão do que é ser bem-sucedido ou
ter sucesso na poesia é meio estranha, porque não escolho o tipo de poemas que
vou escrever, olho para o que está à minha volta e penso que me inquieta e vou
escrever sobre isso. Provavelmente um dos factores que me traz algum conforto e
algum retorno não seja bem um sucesso. Eu diria que, quando temos um grande
retorno sobre o nosso poema, como o tema "Poeta", que me traz a
Angola, para mim é importante porque várias pessoas se identificaram com o
poema.
Por que razão faz questão de ser tratada
"poeta" e não poetisa?
Imaginem,
uma das minhas grandes referências na poesia é Florbela Espanca (1894 - 1930).
Durante o seu tempo, ela era sempre tida como poetisa dentre outros
considerados poetas. Penso que também naturalmente como eu me sinto é poeta.
Tanto que o tema "Poeta" foi mesmo uma segunda provocação.
Isto não é tentativa de desafiar as regras da língua?
Então,
mas nós, como poetas, temos uma licença? Eu gosto muito da poesia precisamente
por isso, porque eu, na poesia, tenho várias inquietações dos temas que acabo
de tocar, também são um bocadinho provocadores, que é a tal questão de estar a
afiar a língua. Acredito que faz bem às pessoas reflectir um pouco sobre o
porquê que a Alice é poeta, porque estamos muito habituados a olhar para aquilo
que está à nossa volta de uma forma estática.
Os artistas em Angola enfrentam o dilema entre viver da
arte ou conciliá-la com outra profissão. Vive da sua arte?
Emocionalmente,
de alma, sim. Eu vivo com a poesia e pela poesia, e é isso que me dá força
anímica para os meus dias, mas sempre foi isso. Não tem a ver com o olhar do
público, não tem a ver com retorno financeiro, agora, se me pergunta se tudo
que recebo financeiramente da poesia me permite ter uma vida estável... a
poesia dá-me outra possibilidade agora que me abre portas para pensar em
começar a fazer isso, mas quem me conhece sabe que sou poeta dentre vários
ofícios, eu tenho várias Alices, e também não sinto que vá abdicar delas. Neste
momento, também tenho um trabalho a tempo inteiro e, para além desse, vivo a
poesia a tempo inteiro.
Dá para conciliar?
O
que está a acontecer é que a intensidade que tenho no trabalho
(psicomotricidade) já não me permite uma conciliação muito equilibrada ou
harmoniosa para escrever, porque escrever é um processo delicado, e as pessoas
pedem-me o livro, mas o livro é preciso tempo, é preciso entrega de corpo e
alma, e é aí que diria que os outros ofícios já não contribuiriam tanto. Mas eu
já tive ofícios, já trabalhei em quase tudo quanto possam pensar.
É a primeira vez em Angola?
É.
O que está a achar?
As
pessoas estavam a dizer que eu sentiria uma grande diferença. Eu não sinto uma
diferença tão grande. Sinto que me é tudo tão familiar.
A escrita,
a palavra e a poesia permitem-nos isso. Viajamos muito quando lemos, quando
ouvimos música, quando falamos com pessoas que já tiveram cá. A comida também é
a que comia lá. É-me tudo familiar. Mas agora estou na raiz, com a minha avó,
minha família... tudo isso é diferente, mas é bastante familiar.
Não está a ver o sofrimento de que também ouve falar?
Vamos
pensar que a partir do contacto com as pessoas em Portugal também há
sofrimento. Isso não vou mentir, muita coisa aqui dói-me, mas também lá, só que
são aspectos diferentes. A mim, dói-me muito ver as crianças (da rua), porque
lá não vejo tanto. Às vezes, os nossos olhos habituam-se a uma certa
tristeza... é uma realidade muito crua, há uma certa disparidade, ou se tem
muito ou não se tem absolutamente nada, e isso dá-me um choque muito grande.
O que quer dizer "ou se tem muito, ou não se tem
absolutamente nada?”
Ao lado de prédios fantásticos, de repente vês ali uma realidade (contrária). Ao lado de algo que supostamente é bastante requintado, estás ali com uma realidade de lixo à volta, ou seja, sinto que tudo que olho aqui à minha volta é muito cru, muito desinibido, às vezes, se calhar, isso existe onde eu estou, mas está um bocadinho mais mascarado. As realidades existem. Coincidem. Existe, se calhar, uma noção crua do sofrimento, mas, por outro lado, as pessoas também cruamente mostram-se felizes. Um dos meus grandes objectivos da visita a Angola, e foi o momento mais emocionante, foi ver a nossa avó materna, a dona Alice Neto, porque vim com as minhas irmãs. Foi a primeira coisa que eu fiz. Pihia Rodrigues – Angola in “Novo Jornal”
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