Obra
da professora Zina C. Bellodi resgata a trajetória de uma família de imigrantes
italianos
I
Uma das discípulas do poeta, crítico, tradutor e novelista português Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), perseguido pelo regime salazarista (1933-1974) e exilado no Brasil a partir de 1954, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Araraquara, no interior de São Paulo, a partir de 1962, a professora Zina C. Bellodi (1941), além de livros sobre Teoria da Literatura, também tem se destacado na área de memorialística.
Um
desses trabalhos notáveis de pesquisa é A Casa do Coco (Jaboticabal-SP
Editora Maria de Lourdes Brandel/Gráfica Multripess, 2011), em que reconstitui
a história de sua família de origem italiana que se estabeleceu no interior do
Estado de São Paulo ainda nos anos finais do século XIX, atraída por uma
propaganda oficial enganosa que prometia segurança no trabalho e boas condições
de vida. Obviamente, quando chegaram ao Brasil, os membros dessa família, como
os demais imigrantes, depararam com uma realidade que seria muito diferente
daquela que lhes fora oferecida quando ainda estavam na Itália.
A família Bellodi, formada da união de Anselmo
Bellodi com Adele Rossi, era uma típica família de imigrantes italianos, com
muitos filhos, que começou o trabalho na lavoura, inicialmente, no regime de
colonato, depois em terras alheias “a meia” ou “a terça”, poupou, adquiriu um
pedaço de terra e fez fortuna pela dedicação e esforço comum de seus membros,
angariando, dessa maneira, a admiração e o respeito, principalmente do povo de
Jaboticabal e região.
II
O título da obra “A Casa do Coco” se refere à casa
patriarcal, o lugar onde Anselmo e Adele fincaram as raízes de sua descendência
e que serviu de suporte para o crescimento e consolidação da prole, no aspecto
físico, espiritual e material. A partir de suas próprias lembranças, papéis
velhos, objetos guardados desde aquela época e fotos, muitas fotos, a autora
faz uma retrospectiva da saga dos Bellodi, que incluiu uma passagem pela cidade
de Socorro, também no interior de São Paulo, até que chegaram às margens do
córrego do Coco, em Jaboticabal.
Como lembra no prefácio o sociólogo, poeta, tradutor
e escritor Lólio Lourenço. de Oliveira, igualmente descendente de italianos, Zina
consegue, “com seu relato, fazer com que, sem que se perceba, participemos com
ela de suas lembranças, de seu orgulho, de sua saudade, como alguém que um dia
também tenha sido recebido na Casa do Coco e gozado da hospitalidade do nonno”.
Como se pode perceber, a obra, em grande parte, procura
descrever a típica propriedade rural do imigrante italiano, a sua autossuficiência
na produção dos alimentos, no cultivo de plantas, na confecção de roupas, no
corte da madeira e na produção de tijolos.
Na apresentação, a professora Magaly Trindade Gonçalves
(1941-2015), outra discípula do professor Casais Monteiro, observa que Zina
Bellodi “tem a visão voltada para toda uma saga, não se percebendo, em geral, a
“presença” da narradora, que atua como que “escondida”, para que a trama (tão
bem por ela descortinada) seja sempre o centro de tudo, apenas o farol que a
descortina”. E compara a sua maneira de narrar à de João Guimarães Rosa
(1908-1967) em Grande Sertão: Veredas (1956), lembrando que a
memorialística não está especificamente no narrador em primeira pessoa, “mas na
maneira como o narrador simula uma história confessada pelo personagem que a
viveu”.
III
Em resumo, o que se pode adiantar é que Adele e
Anselmo, os patriarcas, casaram-se em Sermide, comuna da província de Mântua,
na região da Lombardia, em 1890 e, em 1891, emigraram para o Brasil, a uma
época em que ela já estava nos dias finais de gestação, tendo dado à luz em
alto-mar o primogênito Sylvio, que faleceu em 1º de outubro de 1891, em
Socorro. Ainda nesta cidade, veio Aristides, nascido em 1893 e, na sequência,
nasceram Zina (1896), Oringa (1897), Gino (1899), Ivo (1901), Bárbara (1903),
Maria (1905), Giácomo (1907), Fermo (1909), e Sylvia (1911), formando uma
extensa família que se espalharia pelo interior do Estado de São Paulo.
Em 1897, os Rossi, outra família de imigrantes
italianos, ao saber que os Bellodi não estavam bem em Socorro, enviaram-lhes,
por meio de um mascate, uma carta em que sugeriam que fossem para a região do córrego
do Coco. Assim, Adele e Anselmo e os filhos, à medida que cresciam, passaram a
trabalhar em terras alheias até que, em 1918, adquiriram os primeiros 33
alqueires da família Casteletti. Um dos filhos, Aristides, haveria de se casar
com Hermínia Casteletti e o casal teria doze filhos – o último seria Zina, a
autora da obra.
Em suas rememorações, Zina destaca a capacidade
empreendedora dos irmãos Bellodi, que passaram a adquirir pequenas e médias
propriedades, dentre as quais a denominada Santo Antônio da Cachoeira, em
Córrego Rico, pertencente ao tio-avô Aristodemo Rossi, que tinha um pequeno
engenho e que viria a ser o início da Usina Santa Adélia, nome dado em
homenagem à mãe, Adele. Em 1926, Bellodi e Rossi já apareciam como grandes
proprietários de terra, donos de centenas de milhares de cafeeiros.
Enfim, ilustrada com muitas fotos de personagens e
da atividade pecuária e agrícola, inclusive, com a reprodução de escrituras de
propriedades, a obra, apesar de extensa e pormenorizada, pode ser lida de uma
assentada, tal o estilo fluido e cativante da autora. Constitui, assim, nas
palavras finais da autora, “uma forma de superar os traços amargos da vida,
permitindo ter dela uma visão mais ampla, o que nos torna mais completos e mais
capazes de sentir, amar e aceitar a nossa própria condição humana”.
IV
Nascida em Córrego Rico, distrito de Jaboticabal,
Zina Casteletti Bellodi formou-se em Letras Anglo-Germânicas na então Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, atual Faculdade de Ciências e
Letras, da Unesp. Desenvolveu estudos nas áreas de Teoria da Literatura,
Literatura Brasileira e Portuguesa, além de Literatura Infanto-juvenil.
Participou de bancas de concursos acadêmicos e publicou artigos em periódicos
universitários.
Publicou ainda “Função e forma do tradicional em
Mário de Sá Carneiro”, tese de doutoramento, em Cadernos de Teoria e Crítica Literária (Araraquara, Unesp, 1975);
“Florbela Espanca - Discurso do outro e imagem de si”, tese de livre-docência,
em Cadernos de Teoria e Crítica Literária
(Araraquara, Unesp, 1992); “Florbela Espanca - Discurso do
outro e imagem de si” (texto condensado) em Arquivos
do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, vol. XXXIII (Lisboa-Paris, 1994); Melhores
poemas de Florbela Espanca (São
Paulo, Global Editora, 2005); A
construção de um sonho – Fazenda Santa Cruz (Jaboticabal, Gráfica
Multipress, 2011); D. Maria Luíza Carrão
Jakovac (Jaboticabal, Gráfica Multipress, 2011), e Teoria da Literatura
“Revisitada”, com Magaly Trindade Gonçalves (Petrópolis; Editora Vozes,
2005).
Com
Magaly Trindades Gonçalves e Zélia Thomaz de Aquino (1941-2014), publicou Estudos
de Literatura Infantil – Teoria e Prática (2000) e A figuração de
Tiradentes na ficção brasileira (2002), além de quatro antologias de
literatura brasileira (1995, 1996, 1998 e 2006). Reside em Jaboticabal. Adelto
Gonçalves - Brasil
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A Casa do Coco de Zina C. Bellodi, com prefácio de Lólio L. de Oliveira e apresentação de Magaly Trindade Gonçalves. Jaboticabal-SP: Editora Maria de Lourdes Brandel/Gráfica Multipress, 410 páginas, 2010. Site: E-mail: zinabellodi@uol.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a
Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino a Colônia e o Poder: o governo
Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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