Advogados portugueses ouvidos pelo Jornal Tribuna de Macau consideram que o Decreto-Lei 101/99/M – segundo o qual as línguas portuguesa e chinesa estão consagradas como línguas oficiais de Macau, “bem como o princípio da sua igual dignidade” – não está a ser cumprido, quer nos Tribunais, quer na Administração Pública. Está a fazer-se “letra-morta de um verdadeiro estatuto de igualdade das línguas” e a assistir-se ao “cair da língua portuguesa”, frisam, ressalvando que as dificuldades que encontram também se estendem em certos casos aos colegas chineses. Defendem que o Governo deve investir no bilinguismo, pois sem ele “a identidade de Macau perde-se e dilui-se”, e essa “não é a intenção da Lei Básica, nem da legislação vigente em Macau”. O presidente da Associação dos Advogados, por sua vez, defende que não há nenhum problema a este respeito e refere que as questões da língua são “sempre” resolvidas, através do “trabalho solidário” entre advogados chineses e portugueses
As
línguas portuguesa e chinesa estão consagradas como línguas oficiais de Macau,
“bem como o princípio da sua igual dignidade”, sendo que ambas podem ser usadas
“em condições de plena igualdade” nos domínios legislativo, administrativo e
judiciário – é isso que prevê o Decreto-Lei 101/99/M. O Jornal Tribuna de Macau
tentou perceber se o decreto-lei está a ser aplicado no âmbito dos Tribunais,
para isso ouviu alguns advogados portugueses. Dizem que não está a ser cumprido
– nem nos Tribunais, nem na Administração Pública. Está a fazer-se “letra-morta
de um verdadeiro estatuto de igualdade das línguas” e a assistir-se ao “cair da
língua portuguesa”, frisam, ressalvando que as dificuldades que encontram
também se estendem em certos casos aos colegas chineses. Admitem ser natural
que, por exemplo, no processo-crime, a maior parte dos julgamentos sejam
processados em língua chinesa – já que grande parte dos arguidos são chineses,
à semelhança das testemunhas e dos advogados -, mas alertam que há excepções. E
que devia haver flexibilidade nesses casos.
Jorge
Neto Valente, que foi presidente da Associação dos Advogados durante duas
décadas, sublinhou a importância deste diploma. “O Governo deve obediência não
só a um artigo vago da Lei Básica, que diz que também se pode usar o português
como língua oficial, mas a este decreto”, afirma, apontando que o decreto-lei
não consta da Lei de Reunificação – que reúne o conjunto da legislação vigente
em Macau até 1999 e que não foi adoptada como legislação da RAEM por contrariar
a Lei Básica. “Nem o Governo nem a Assembleia Legislativa revogaram este
decreto. Continua em vigor com toda a sua força”.
Mas
está a ser cumprido? “Quando se pedem documentos, normalmente a resposta é que
o tribunal não tem tradutores suficientes para proceder à tradução dos
documentos. Por vezes – raramente -, dão a tradução, mas demoram muito tempo,
com a mesma justificação, de que o tribunal não dispõe de tradutores em
quantidade suficiente”, prossegue. Neto Valente lembra depois um caso recente:
“Durante estes julgamentos barbáricos que houve, a senhora juíza interpelou
vários advogados portugueses que pediram tempo para traduzir e deu-se ao desplante
de dizer que se não sabem chinês deviam deixar o cargo para os colegas
chineses”.
Pedro
Leal foi um dos visados dos comentários da juíza. E não nega: “Os advogados de
língua portuguesa têm de facto imensas dificuldades”. O causídico, que tem tido
nas mãos megaprocessos como o caso Suncity ou o chamado caso das Obras
Públicas, disse que “nunca houve aquilo que se pode dizer de cooperação entre a
língua portuguesa e chinesa”. “Temos de traduzir por nós. E o que acontece,
pelo menos no processo-crime, é que temos sentenças, acórdãos, como o último,
que tinha 600 páginas”, vinca.
Neto
Valente sublinha que as traduções destes grandes processos estão a ser uma
“dificuldade” sobretudo para os escritórios mais pequenos, que não têm tanto
pessoal e que não têm possibilidade de rentabilizar o pessoal das traduções. “O
que acontece depois é que alguns vão embora. Não é por acaso que o número de
advogados portugueses em exercício diminuiu do ano passado para este ano”,
atira.
Ambos
os advogados sublinham que é natural que a maioria dos casos, pelo menos no
âmbito do crime, sejam processados em língua chinesa – afinal é a língua que a
maioria dos envolvidos conhece. “Os processos criminais praticamente são todos
em chinês. Mas aí sou compreensivo. Se um cidadão vai fazer queixa à polícia
por ter sido burlado ou agredido, em princípio será um cidadão chinês porque
98% dos residentes são chineses. Vai queixar-se em chinês e quem está lá é um
polícia chinês. E de quem é que ele se vai queixar? Muitíssimo provavelmente de
um outro residente chinês. Naturalmente, ambos quererão um advogado com quem
possam falar, em chinês”, refere Jorge Neto Valente.
Mas
os processos maiores, mais mediáticos, fogem à regra. “São um pouco diferentes
porque são questões mais profundas de Direito para as quais os portugueses
estão mais bem preparados, têm melhor qualidade jurídica”, refere Neto Valente.
Depois, acrescenta: “Nos processos de dezenas de milhares de páginas não é
realista querer que esteja tudo nas duas línguas. Mas devia haver colaboração
dos tribunais quando as pessoas dizem que há uns documentos que precisam que
sejam na língua que dominam e que não é aquela em que estão redigidos”,
defende. Afirma ainda que todos os juízes chineses sabem português, “uns
melhores que outros”, mas todos são bilingues, “o que não acontece com todos os
advogados, e há advogados que não sabem português”.
Pedro
Leal é taxativo ao dizer que o Decreto-Lei sobre o estatuto das línguas
oficiais não está a ser aplicado. “Não está a ser cumprido de certeza absoluta.
Se eu pedir para me traduzirem um despacho, não traduzem… dizem para eu
traduzir”, aponta. “Antes ainda davam prorrogação do prazo para recorrer, tendo
em conta que o acórdão estava em chinês”, mas “agora já não” – “Dizem que o
acórdão tem grande parte da transcrição da acusação em português e por isso já
há uma parte que não é preciso traduzir”.
“Neste
último acórdão [do caso das Obras Públicas], o tribunal deu como provados todos
os factos da acusação e eu tinha a acusação em português, por isso tudo bem.
Mas depois a fundamentação da acusação, que é a parte mais difícil para o
advogado? Como é que o tribunal fundamentou a decisão? Porque é que o tribunal
diz que é neste sentido e não naquele?”, questiona.
Não
só as dificuldades dos advogados foram abordadas por Pedro Leal, que disse
também que “há situações em que os arguidos são portugueses, só falam
português, vão ao Ministério Público receber um despacho e recebem o despacho
em chinês”. “Eu, se fosse arguido, diria: ‘Passe lá este despacho em português,
se faz favor, que assim não assino nada. Não sou advogado, sou arguido’. E há
situações em que não passam, o arguido tem de levar o despacho ao advogado e
ele que traduza”.
Com magistrados portugueses havia “maior facilidade”
A
advogada Icília Berenguel observa que antes havia maior facilidade. “Isto já é
assim há muitos anos, mas obviamente estaria a mentir se dissesse que está tudo
exactamente igual. Não está”. E exemplifica: “Há uns anos tínhamos uma maior
facilidade, tínhamos um número de juízes portugueses no processo-crime,
magistrados portugueses, o que acabava por determinar a sorte de um processo
tramitado em língua portuguesa. Agora não temos juízes de matriz portuguesa no
processo-crime e essa facilidade acaba por terminar”.
“Posso
dizer que há cerca de 10 anos para cá as coisas começaram a dificultar e há
cinco anos para cá dificultaram totalmente. A saída dos juízes portugueses dos
Tribunais de Macau acabou por complicar o nosso trabalho”, acrescenta Icília
Berenguel, esclarecendo que os obstáculos surgem nomeadamente nas decisões. “Há
determinadas decisões que são longas, são extensas, e trabalharmos com uma
decisão dessas, muitas das vezes com centenas de páginas, por muito melhores
colegas que tenhamos na língua chinesa, acaba sempre por dificultar o
trabalho”.
A
advogada admite que na maioria das vezes já não tenta sequer pedir traduções.
“Às vezes demoramos muito mais tempo se estivermos com pedidos exaustivos de
tradução ou tramitação em língua portuguesa e obviamente o que queremos é zelar
pelo interesse do nosso cliente. Por isso muitas vezes acabamos por não fazer
valer essa prerrogativa e tentamos fazer as coisas uniformemente como elas nos
são apresentadas”, explicou.
Sérgio
de Almeida Correia diz que das poucas vezes que pediu traduções em português,
nomeadamente sentenças e despachos, foram-lhe “recusadas”. “Continuo, no início
das acções, quando intervenho, a pedir que tudo me seja notificado na língua
que domino, mas quase sempre ignoram. Há alguns juízes sensíveis a isso, mas
creio que a maioria não quer saber”, afirma. Ainda assim, frisa que há
excepções e deu o exemplo de um pequeno julgamento que teve recentemente,
durante o qual tanto o juiz como a magistrada do Ministério Público falaram
sempre com ele em português.
Apontando
que esteve fora de Macau durante alguns anos por razões profissionais e
académicas, o causídico observa que há cerca de 10 anos começou a ver que “as
coisas estavam a mudar muito rapidamente” neste âmbito. Almeida Correia disse
que na primeira instância, as mudanças “tiveram a compreensão de alguns
magistrados das instâncias superiores”, mas notou: “Curiosamente, das
instâncias superiores, tenho essa percepção, é de onde saem mais decisões e
simples despachos em língua portuguesa, mesmo quando os magistrados não têm
como língua materna o português”.
Traduções “ininteligíveis”
Na
opinião de Sérgio de Almeida Correia, o Decreto-Lei 101/99/M “não está a ser
minimamente respeitado e aplicado, seja na Administração Pública ou nos
Tribunais”. “Desde há muitos anos. Esforço-me bastante para que seja aplicado e
respeitado, mas sem quaisquer resultados”, lamenta. Fala em contestações,
promoções e despachos do Ministério Público, de despachos e sentenças dos
magistrados judiciais, de ofícios de entidades públicas em resposta a
requerimentos, e até de autos elaborados em chinês com depoentes e advogados
falantes de português, ou de outra língua, “que são integralmente lavrados em
chinês, por exemplo na Polícia Judiciária ou na Direcção dos Serviços para os
Assuntos Laborais”.
“Depois
nem sequer podemos obter cópia ou tradução fidedigna, perdendo-se horas por
falta de pessoal habilitado que domine o português”, vinca. “Há, muitas vezes,
traduções péssimas e ininteligíveis, e não é por falta de esforço de quem
traduz. Nem sempre há milagres”. Jorge Neto Valente corrobora: “A questão da
língua não se põe só nos tribunais, põe-se nos serviços onde se vão pedir
certidões, documentos e também não dão. Ou demoram muito tempo ou pura e
simplesmente não dão. Dizem que não há”.
Sérgio
de Almeida Correia foi mais longe e disse mesmo que em julgamento “é um drama”.
Segundo conta, durante uma audiência, em que a inquirição decorria toda em
chinês, pediu um esclarecimento à testemunha e a juíza que presidia ao
Colectivo disse que a pergunta já tinha sido respondida. “Insisti. A juíza
ficou incomodada. O problema só se resolveu quando um dos ‘asas’, que era um
juiz português, interveio de imediato para dizer à colega – por sinal uma das
melhores que tivemos na primeira instância e de quem tenho saudade – que essa
parte do depoimento da testemunha não tinha sido traduzida”, prossegue.
O
advogado sublinha depois: “O juiz que faz a inquirição em chinês não sabe o que
está a ser traduzido para o advogado, nem a velocidade a que está a ser
traduzido, nem se está a ser bem ou mal traduzido”.
Neste
ponto, Pedro Leal observa que a tradução simultânea, que acontece nas
audiências de julgamento, “é muito difícil”. “Sobretudo quando as testemunhas e
os magistrados sabem antecipadamente o que eu estou a dizer e, portanto, não
estão preocupados com a tradução simultânea, que devia ter um compasso de
espera, para que todos recebêssemos a tradução em português e tomássemos notas.
Quando estamos a tomar notas da primeira pergunta, já a segunda está no ar”,
critica.
O
causídico considera que “não há uma boa vontade para cooperar com os advogados
de língua portuguesa”. “Quando há advogados portugueses, se não querem traduzir
os despachos, se não querem que seja processado em português, então dêem prazos
para que se possa traduzir. Está previsto na lei, então vamos cumprir a lei”,
acrescenta.
No
domínio judiciário, o Decreto-Lei refere, no artigo oitavo, relativo ao acesso
à justiça, que “todos têm o direito de se dirigir numa das línguas oficiais,
oralmente ou por escrito, a qualquer tribunal ou órgão judicial e de, nele,
compreenderem os actos processuais e aí serem compreendidos” e que “não podem
ser rejeitadas quaisquer peças processuais ou documentos análogos em razão da
língua, quando redigidos numa das línguas oficiais”. Já segundo o artigo nono,
relacionado com os actos processuais, “a determinação da língua dos actos
processuais, feita nos termos da lei aplicável, tem em conta o direito de
escolha das partes e o superior interesse da realização da justiça”. Além disso,
“os actos processuais orais devem ser praticados na língua oficial comum dos
participantes, sendo assegurada a tradução quando tal língua não exista”.
Na
área administrativa, é dito que “todos têm o direito de se dirigir numa das
línguas oficiais, oralmente ou por escrito, a qualquer órgão da Administração”
e a receber resposta na língua oficial da sua opção. Ademais, “a passagem de
certidão de acto notarial ou registo ou de documento constante de arquivo
público ou de processo administrativo é acompanhada de tradução emanada da
entidade certificante quando a língua do acto ou documento, sendo oficial, não
seja a língua de opção do interessado e sem encargos adicionais”. Sendo que o
disposto nestes artigos se aplica à actividade de natureza administrativa
desenvolvida no âmbito dos tribunais.
O
Executivo tem reiterado que está a cumprir a lei. “O Governo da RAEM tem
cumprido as disposições do Decreto-Lei 101/99/M, de 13 de Dezembro (Aprova o
estatuto das línguas oficiais), tomando medidas positivas para a implementação
do uso adequado das línguas oficiais em termos administrativos”, disseram
recentemente os Serviços de Administração e Função Pública em resposta a uma
interpelação escrita do deputado Che Sai Wang.
Está a fazer-se “letra-morta” do estatuto das línguas
Sérgio
de Almeida Correia sublinha que, se um residente de língua chinesa escolhe um
advogado falante de português para o representar é porque tem confiança nele,
não obstante as dificuldades linguísticas – e é um direito que lhe assiste,
escolher o mandatário.
“A
Declaração Conjunta e a Lei Básica estão dotadas de normas que lhe garantem
esse direito, mas se na prática se criam impedimentos, se fazem interpretações
aberrantes dos textos legais por ‘fervor patriótico’ ou qualquer outra razão,
está-se a prejudicar não o advogado, mas a parte, o cidadão, o arguido, o
residente. Está-se a tornar mais onerosa a defesa do Direito, do justo, e mais
caro o trabalho do advogado. Está-se a dificultar o exercício da advocacia,
estão-se a criar obstáculos não queridos pelo legislador, designadamente ao
exercício do direito de defesa, muitas vezes ao próprio cumprimento da lei. E
ao mesmo tempo a fazer letra-morta de um verdadeiro estatuto de igualdade das
línguas. Isto é absolutamente inaceitável, além de ser aberrante e ser política
e economicamente uma estupidez. Podem sempre acabar com o estatuto de igualdade
das línguas, se for essa a vontade, mas então terão de assumi-lo
politicamente”, continua.
O
causídico lamenta que haja inquéritos e relatórios sobre menores exclusivamente
em chinês, sentenças no âmbito do Direito de Família e Menores e em Direito
Penal em que as partes e os advogados são portugueses e que lhes são
notificadas exclusivamente em chinês. “Os prazos continuam a correr. A
dificuldade da tradução, o custo – só os indigentes têm apoio, os remediados
ficam de fora, o tempo que se perde, e muitas vezes sem hipótese de prorrogação
de prazo, são coisas de que já se queixaram alguns colegas meus, tanto no crime
como no cível. Também já me aconteceu”.
Icília
Berenguel diz que, “sem dúvida nenhuma”, o uso da língua portuguesa “deve ser
salvaguardado” nos Tribunais do território, até porque “há determinadas coisas
que não podem ser feitas senão em português”, já que muitas decisões dos
tribunais portugueses são citadas na RAEM, porque não há ainda um número
suficiente de decisões para criar jurisprudência.
“Sentimos
muito a falta de juízes portugueses, e acho que acaba por ser uma opinião
generalizada na comunidade. Porque é que temos de pegar num processo que é
tramitado da primeira à última página todo em chinês? Porque é que não poderá
haver um meio-termo? Caso seja efectivamente um processo que envolve as partes
em português, porque é que não poderá o processo tramitar em português, ou,
pelo menos, as partes essenciais do processo e a intervenção da pessoa do
processo ser em português? É uma questão que fica ainda por saber”, prossegue.
A
advogada acrescenta depois: “Isto de dizermos que o Direito de Macau é
integrado no princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ tem muito que se lhe diga.
Efectivamente o domínio das línguas oficiais, as línguas chinesa e portuguesa,
deverá ser equitativo. Obviamente há uma predominância da língua chinesa, que
de certa forma se percebe, mas aquilo que estamos a assistir é praticamente o
cair da língua portuguesa – e parece-me que isso não deverá de maneira nenhuma
acontecer”. Icília Berenguel sublinhou que se tem assistido cada vez mais a
jovens interessados na formação em língua portuguesa e na História de Portugal.
“E isso faz-nos acreditar que efectivamente a língua portuguesa tem bastante
interesse e deve ser mantida, principalmente na área do Direito”.
Investir no bilinguismo e até no plurilinguismo
Para
Sérgio de Almeida Correia, uma região com o PIB de Macau – “que gasta milhões
em inutilidades, pseudo-estudos académicos e bizarrias” – podia “afectar mais
algumas verbas aos tribunais e a uma tradução jurídica de excelência”. “Se aos
magistrados portugueses que não dominam o chinês lhes são facultadas traduções
em língua portuguesa, designadamente dos articulados em chinês, ou das
promoções do Ministério Público em chinês, por que razão essas mesmas traduções
não são disponibilizadas aos advogados portugueses que estão nesse processo e
não dominam o chinês?”, questiona ainda.
O
causídico sublinha, no entanto, que não é só a parte portuguesa que enfrenta
obstáculos. “Há muitos, imensos, advogados chineses que também recebem
sentenças, despachos e articulados em português, embora não tenham um
conhecimento, nem sequer rudimentar, da língua. (…) Os meus colegas chineses
têm tanto direito quanto eu de receber uma notificação, despacho, sentença, o
que for que lhes queiram enviar, legível e numa língua que dominem”.
Que
soluções para esta questão? Sérgio de Almeida Correia e Jorge Neto Valente não
têm dúvidas: é preciso investir no bilinguismo. “Há que formar gente capaz na
área linguística. Há que investir no bilinguismo, diria mesmo no
plurilinguismo, porque essa é a vocação de Macau. Há que dar mais dinheiro aos
tribunais e aos serviços públicos para traduções, para formarem pessoal que
saiba traduzir em tempo útil com qualidade. Têm de ser obviamente bem pagos”,
enumera Almeida Correia.
E
acentua que uma melhor justiça, o reforço da competitividade internacional da
RAEM, da diversificação, do sucesso da Grande Baía, da arbitragem, das relações
com os países de língua portuguesa e a Europa também passa por aí. “Há que
saber cumprir a Lei Básica em toda a sua plenitude, incluindo na questão
linguística. Aqui não há nada de anti-patriótico. Há gente em Pequim que
percebe isto com toda a clareza e facilidade, mas infelizmente em Macau nem
todos percebem. Pena que alguns até sejam lusófonos”, critica.
Jorge
Neto Valente reforça esta ideia, dizendo que sai muito caro estar sempre a
traduzir coisas, “mas em qualquer país do mundo onde há bilinguismo, o
bilinguismo sai caro”. “O Governo tem de saber que o bilinguismo custa
dinheiro, mas o bilinguismo é indispensável à identidade de Macau. Se não
houver bilinguismo, a identidade de Macau perde-se e dilui-se – essa não é a
intenção da Lei Básica, nem da legislação vigente em Macau”.
O
antigo presidente da Associação dos Advogados defende ainda que não vale a pena
o Governo estar constantemente a dizer que quer fazer de Macau um centro
internacional, quando depois “só se fala chinês”. E dá depois o exemplo de Hong
Kong, onde se fala cantonês, mandarim e inglês, afirmando que é isso que
permite a internacionalização e a identidade da região vizinha.
“Quando
em Macau só se fala e promove a língua chinesa, não vale a pena andar a
estragar dinheiro em ‘Zonas de Cooperação Aprofundada’ e com os Países de
Língua Portuguesa, ninguém lá vai se só se fala chinês. Mais depressa as pessoas
vão para Hong Kong ou para o Interior da China para um centro de arbitragem
internacional. Temos de encarar isso sem preconceitos – não é uma questão de
patriotismo, é uma questão de inteligência”, conclui Neto Valente.
Importante é a “solidariedade”
Para
Vong Hin Fai, presidente da Associação dos Advogados desde Janeiro, não há
problemas relacionados com a utilização da língua. Em declarações à Tribuna de Macau,
o causídico frisa apenas a importância da “solidariedade” entre colegas. “Os
escritórios têm a participação de vários colegas, existem colegas de etnia
chinesa e colegas de etnia portuguesa, e com o trabalho solidário entre
colegas, esse ‘problema’ da língua é sempre resolvido, da minha experiência
profissional”, afirma o também deputado eleito pela via indirecta à Assembleia
Legislativa.
Vong
Hin Fai sublinha ainda que “por parte dos órgãos judiciais existe sempre
tradução simultânea durante o julgamento”. “A meu ver, sendo assim, essa
questão, da língua, não se coloca. O mais importante é a participação solidária
dos colegas de um escritório. Existem colegas de língua portuguesa e de língua
chinesa. Isso está resolvido”.
Em
relação aos escritórios mais pequenos, que podem não ter tanta capacidade para
conseguir traduções de forma rápida, o advogado diz que “têm apoio de tradução”
e que em Macau “não é difícil contratar tradução, há muitas entidades que a
asseguram”.
Questionado
sobre se não deveria haver alguma flexibilidade por parte dos Tribunais em
relação à tradução de determinados documentos, pedidos pelos advogados, Vong
Hin Fai respondeu: “Quanto aos órgãos judiciais, funcionam legalmente, porque
em Macau há duas línguas oficiais: chinês e português”. Catarina Pereira –
Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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