Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 23 de maio de 2023

Macau - Advogados dizem que estatuto das línguas “não está a ser cumprido”

Advogados portugueses ouvidos pelo Jornal Tribuna de Macau consideram que o Decreto-Lei 101/99/M – segundo o qual as línguas portuguesa e chinesa estão consagradas como línguas oficiais de Macau, “bem como o princípio da sua igual dignidade” – não está a ser cumprido, quer nos Tribunais, quer na Administração Pública. Está a fazer-se “letra-morta de um verdadeiro estatuto de igualdade das línguas” e a assistir-se ao “cair da língua portuguesa”, frisam, ressalvando que as dificuldades que encontram também se estendem em certos casos aos colegas chineses. Defendem que o Governo deve investir no bilinguismo, pois sem ele “a identidade de Macau perde-se e dilui-se”, e essa “não é a intenção da Lei Básica, nem da legislação vigente em Macau”. O presidente da Associação dos Advogados, por sua vez, defende que não há nenhum problema a este respeito e refere que as questões da língua são “sempre” resolvidas, através do “trabalho solidário” entre advogados chineses e portugueses

As línguas portuguesa e chinesa estão consagradas como línguas oficiais de Macau, “bem como o princípio da sua igual dignidade”, sendo que ambas podem ser usadas “em condições de plena igualdade” nos domínios legislativo, administrativo e judiciário – é isso que prevê o Decreto-Lei 101/99/M. O Jornal Tribuna de Macau tentou perceber se o decreto-lei está a ser aplicado no âmbito dos Tribunais, para isso ouviu alguns advogados portugueses. Dizem que não está a ser cumprido – nem nos Tribunais, nem na Administração Pública. Está a fazer-se “letra-morta de um verdadeiro estatuto de igualdade das línguas” e a assistir-se ao “cair da língua portuguesa”, frisam, ressalvando que as dificuldades que encontram também se estendem em certos casos aos colegas chineses. Admitem ser natural que, por exemplo, no processo-crime, a maior parte dos julgamentos sejam processados em língua chinesa – já que grande parte dos arguidos são chineses, à semelhança das testemunhas e dos advogados -, mas alertam que há excepções. E que devia haver flexibilidade nesses casos.

Jorge Neto Valente, que foi presidente da Associação dos Advogados durante duas décadas, sublinhou a importância deste diploma. “O Governo deve obediência não só a um artigo vago da Lei Básica, que diz que também se pode usar o português como língua oficial, mas a este decreto”, afirma, apontando que o decreto-lei não consta da Lei de Reunificação – que reúne o conjunto da legislação vigente em Macau até 1999 e que não foi adoptada como legislação da RAEM por contrariar a Lei Básica. “Nem o Governo nem a Assembleia Legislativa revogaram este decreto. Continua em vigor com toda a sua força”.

Mas está a ser cumprido? “Quando se pedem documentos, normalmente a resposta é que o tribunal não tem tradutores suficientes para proceder à tradução dos documentos. Por vezes – raramente -, dão a tradução, mas demoram muito tempo, com a mesma justificação, de que o tribunal não dispõe de tradutores em quantidade suficiente”, prossegue. Neto Valente lembra depois um caso recente: “Durante estes julgamentos barbáricos que houve, a senhora juíza interpelou vários advogados portugueses que pediram tempo para traduzir e deu-se ao desplante de dizer que se não sabem chinês deviam deixar o cargo para os colegas chineses”.

Pedro Leal foi um dos visados dos comentários da juíza. E não nega: “Os advogados de língua portuguesa têm de facto imensas dificuldades”. O causídico, que tem tido nas mãos megaprocessos como o caso Suncity ou o chamado caso das Obras Públicas, disse que “nunca houve aquilo que se pode dizer de cooperação entre a língua portuguesa e chinesa”. “Temos de traduzir por nós. E o que acontece, pelo menos no processo-crime, é que temos sentenças, acórdãos, como o último, que tinha 600 páginas”, vinca.

Neto Valente sublinha que as traduções destes grandes processos estão a ser uma “dificuldade” sobretudo para os escritórios mais pequenos, que não têm tanto pessoal e que não têm possibilidade de rentabilizar o pessoal das traduções. “O que acontece depois é que alguns vão embora. Não é por acaso que o número de advogados portugueses em exercício diminuiu do ano passado para este ano”, atira.

Ambos os advogados sublinham que é natural que a maioria dos casos, pelo menos no âmbito do crime, sejam processados em língua chinesa – afinal é a língua que a maioria dos envolvidos conhece. “Os processos criminais praticamente são todos em chinês. Mas aí sou compreensivo. Se um cidadão vai fazer queixa à polícia por ter sido burlado ou agredido, em princípio será um cidadão chinês porque 98% dos residentes são chineses. Vai queixar-se em chinês e quem está lá é um polícia chinês. E de quem é que ele se vai queixar? Muitíssimo provavelmente de um outro residente chinês. Naturalmente, ambos quererão um advogado com quem possam falar, em chinês”, refere Jorge Neto Valente.

Mas os processos maiores, mais mediáticos, fogem à regra. “São um pouco diferentes porque são questões mais profundas de Direito para as quais os portugueses estão mais bem preparados, têm melhor qualidade jurídica”, refere Neto Valente. Depois, acrescenta: “Nos processos de dezenas de milhares de páginas não é realista querer que esteja tudo nas duas línguas. Mas devia haver colaboração dos tribunais quando as pessoas dizem que há uns documentos que precisam que sejam na língua que dominam e que não é aquela em que estão redigidos”, defende. Afirma ainda que todos os juízes chineses sabem português, “uns melhores que outros”, mas todos são bilingues, “o que não acontece com todos os advogados, e há advogados que não sabem português”.

Pedro Leal é taxativo ao dizer que o Decreto-Lei sobre o estatuto das línguas oficiais não está a ser aplicado. “Não está a ser cumprido de certeza absoluta. Se eu pedir para me traduzirem um despacho, não traduzem… dizem para eu traduzir”, aponta. “Antes ainda davam prorrogação do prazo para recorrer, tendo em conta que o acórdão estava em chinês”, mas “agora já não” – “Dizem que o acórdão tem grande parte da transcrição da acusação em português e por isso já há uma parte que não é preciso traduzir”.

“Neste último acórdão [do caso das Obras Públicas], o tribunal deu como provados todos os factos da acusação e eu tinha a acusação em português, por isso tudo bem. Mas depois a fundamentação da acusação, que é a parte mais difícil para o advogado? Como é que o tribunal fundamentou a decisão? Porque é que o tribunal diz que é neste sentido e não naquele?”, questiona.

Não só as dificuldades dos advogados foram abordadas por Pedro Leal, que disse também que “há situações em que os arguidos são portugueses, só falam português, vão ao Ministério Público receber um despacho e recebem o despacho em chinês”. “Eu, se fosse arguido, diria: ‘Passe lá este despacho em português, se faz favor, que assim não assino nada. Não sou advogado, sou arguido’. E há situações em que não passam, o arguido tem de levar o despacho ao advogado e ele que traduza”.

Com magistrados portugueses havia “maior facilidade”

A advogada Icília Berenguel observa que antes havia maior facilidade. “Isto já é assim há muitos anos, mas obviamente estaria a mentir se dissesse que está tudo exactamente igual. Não está”. E exemplifica: “Há uns anos tínhamos uma maior facilidade, tínhamos um número de juízes portugueses no processo-crime, magistrados portugueses, o que acabava por determinar a sorte de um processo tramitado em língua portuguesa. Agora não temos juízes de matriz portuguesa no processo-crime e essa facilidade acaba por terminar”.

“Posso dizer que há cerca de 10 anos para cá as coisas começaram a dificultar e há cinco anos para cá dificultaram totalmente. A saída dos juízes portugueses dos Tribunais de Macau acabou por complicar o nosso trabalho”, acrescenta Icília Berenguel, esclarecendo que os obstáculos surgem nomeadamente nas decisões. “Há determinadas decisões que são longas, são extensas, e trabalharmos com uma decisão dessas, muitas das vezes com centenas de páginas, por muito melhores colegas que tenhamos na língua chinesa, acaba sempre por dificultar o trabalho”.

A advogada admite que na maioria das vezes já não tenta sequer pedir traduções. “Às vezes demoramos muito mais tempo se estivermos com pedidos exaustivos de tradução ou tramitação em língua portuguesa e obviamente o que queremos é zelar pelo interesse do nosso cliente. Por isso muitas vezes acabamos por não fazer valer essa prerrogativa e tentamos fazer as coisas uniformemente como elas nos são apresentadas”, explicou.

Sérgio de Almeida Correia diz que das poucas vezes que pediu traduções em português, nomeadamente sentenças e despachos, foram-lhe “recusadas”. “Continuo, no início das acções, quando intervenho, a pedir que tudo me seja notificado na língua que domino, mas quase sempre ignoram. Há alguns juízes sensíveis a isso, mas creio que a maioria não quer saber”, afirma. Ainda assim, frisa que há excepções e deu o exemplo de um pequeno julgamento que teve recentemente, durante o qual tanto o juiz como a magistrada do Ministério Público falaram sempre com ele em português.

Apontando que esteve fora de Macau durante alguns anos por razões profissionais e académicas, o causídico observa que há cerca de 10 anos começou a ver que “as coisas estavam a mudar muito rapidamente” neste âmbito. Almeida Correia disse que na primeira instância, as mudanças “tiveram a compreensão de alguns magistrados das instâncias superiores”, mas notou: “Curiosamente, das instâncias superiores, tenho essa percepção, é de onde saem mais decisões e simples despachos em língua portuguesa, mesmo quando os magistrados não têm como língua materna o português”.

Traduções “ininteligíveis”

Na opinião de Sérgio de Almeida Correia, o Decreto-Lei 101/99/M “não está a ser minimamente respeitado e aplicado, seja na Administração Pública ou nos Tribunais”. “Desde há muitos anos. Esforço-me bastante para que seja aplicado e respeitado, mas sem quaisquer resultados”, lamenta. Fala em contestações, promoções e despachos do Ministério Público, de despachos e sentenças dos magistrados judiciais, de ofícios de entidades públicas em resposta a requerimentos, e até de autos elaborados em chinês com depoentes e advogados falantes de português, ou de outra língua, “que são integralmente lavrados em chinês, por exemplo na Polícia Judiciária ou na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais”.

“Depois nem sequer podemos obter cópia ou tradução fidedigna, perdendo-se horas por falta de pessoal habilitado que domine o português”, vinca. “Há, muitas vezes, traduções péssimas e ininteligíveis, e não é por falta de esforço de quem traduz. Nem sempre há milagres”. Jorge Neto Valente corrobora: “A questão da língua não se põe só nos tribunais, põe-se nos serviços onde se vão pedir certidões, documentos e também não dão. Ou demoram muito tempo ou pura e simplesmente não dão. Dizem que não há”.

Sérgio de Almeida Correia foi mais longe e disse mesmo que em julgamento “é um drama”. Segundo conta, durante uma audiência, em que a inquirição decorria toda em chinês, pediu um esclarecimento à testemunha e a juíza que presidia ao Colectivo disse que a pergunta já tinha sido respondida. “Insisti. A juíza ficou incomodada. O problema só se resolveu quando um dos ‘asas’, que era um juiz português, interveio de imediato para dizer à colega – por sinal uma das melhores que tivemos na primeira instância e de quem tenho saudade – que essa parte do depoimento da testemunha não tinha sido traduzida”, prossegue.

O advogado sublinha depois: “O juiz que faz a inquirição em chinês não sabe o que está a ser traduzido para o advogado, nem a velocidade a que está a ser traduzido, nem se está a ser bem ou mal traduzido”.

Neste ponto, Pedro Leal observa que a tradução simultânea, que acontece nas audiências de julgamento, “é muito difícil”. “Sobretudo quando as testemunhas e os magistrados sabem antecipadamente o que eu estou a dizer e, portanto, não estão preocupados com a tradução simultânea, que devia ter um compasso de espera, para que todos recebêssemos a tradução em português e tomássemos notas. Quando estamos a tomar notas da primeira pergunta, já a segunda está no ar”, critica.

O causídico considera que “não há uma boa vontade para cooperar com os advogados de língua portuguesa”. “Quando há advogados portugueses, se não querem traduzir os despachos, se não querem que seja processado em português, então dêem prazos para que se possa traduzir. Está previsto na lei, então vamos cumprir a lei”, acrescenta.

No domínio judiciário, o Decreto-Lei refere, no artigo oitavo, relativo ao acesso à justiça, que “todos têm o direito de se dirigir numa das línguas oficiais, oralmente ou por escrito, a qualquer tribunal ou órgão judicial e de, nele, compreenderem os actos processuais e aí serem compreendidos” e que “não podem ser rejeitadas quaisquer peças processuais ou documentos análogos em razão da língua, quando redigidos numa das línguas oficiais”. Já segundo o artigo nono, relacionado com os actos processuais, “a determinação da língua dos actos processuais, feita nos termos da lei aplicável, tem em conta o direito de escolha das partes e o superior interesse da realização da justiça”. Além disso, “os actos processuais orais devem ser praticados na língua oficial comum dos participantes, sendo assegurada a tradução quando tal língua não exista”.

Na área administrativa, é dito que “todos têm o direito de se dirigir numa das línguas oficiais, oralmente ou por escrito, a qualquer órgão da Administração” e a receber resposta na língua oficial da sua opção. Ademais, “a passagem de certidão de acto notarial ou registo ou de documento constante de arquivo público ou de processo administrativo é acompanhada de tradução emanada da entidade certificante quando a língua do acto ou documento, sendo oficial, não seja a língua de opção do interessado e sem encargos adicionais”. Sendo que o disposto nestes artigos se aplica à actividade de natureza administrativa desenvolvida no âmbito dos tribunais.

O Executivo tem reiterado que está a cumprir a lei. “O Governo da RAEM tem cumprido as disposições do Decreto-Lei 101/99/M, de 13 de Dezembro (Aprova o estatuto das línguas oficiais), tomando medidas positivas para a implementação do uso adequado das línguas oficiais em termos administrativos”, disseram recentemente os Serviços de Administração e Função Pública em resposta a uma interpelação escrita do deputado Che Sai Wang.

Está a fazer-se “letra-morta” do estatuto das línguas

Sérgio de Almeida Correia sublinha que, se um residente de língua chinesa escolhe um advogado falante de português para o representar é porque tem confiança nele, não obstante as dificuldades linguísticas – e é um direito que lhe assiste, escolher o mandatário.

“A Declaração Conjunta e a Lei Básica estão dotadas de normas que lhe garantem esse direito, mas se na prática se criam impedimentos, se fazem interpretações aberrantes dos textos legais por ‘fervor patriótico’ ou qualquer outra razão, está-se a prejudicar não o advogado, mas a parte, o cidadão, o arguido, o residente. Está-se a tornar mais onerosa a defesa do Direito, do justo, e mais caro o trabalho do advogado. Está-se a dificultar o exercício da advocacia, estão-se a criar obstáculos não queridos pelo legislador, designadamente ao exercício do direito de defesa, muitas vezes ao próprio cumprimento da lei. E ao mesmo tempo a fazer letra-morta de um verdadeiro estatuto de igualdade das línguas. Isto é absolutamente inaceitável, além de ser aberrante e ser política e economicamente uma estupidez. Podem sempre acabar com o estatuto de igualdade das línguas, se for essa a vontade, mas então terão de assumi-lo politicamente”, continua.

O causídico lamenta que haja inquéritos e relatórios sobre menores exclusivamente em chinês, sentenças no âmbito do Direito de Família e Menores e em Direito Penal em que as partes e os advogados são portugueses e que lhes são notificadas exclusivamente em chinês. “Os prazos continuam a correr. A dificuldade da tradução, o custo – só os indigentes têm apoio, os remediados ficam de fora, o tempo que se perde, e muitas vezes sem hipótese de prorrogação de prazo, são coisas de que já se queixaram alguns colegas meus, tanto no crime como no cível. Também já me aconteceu”.

Icília Berenguel diz que, “sem dúvida nenhuma”, o uso da língua portuguesa “deve ser salvaguardado” nos Tribunais do território, até porque “há determinadas coisas que não podem ser feitas senão em português”, já que muitas decisões dos tribunais portugueses são citadas na RAEM, porque não há ainda um número suficiente de decisões para criar jurisprudência.

“Sentimos muito a falta de juízes portugueses, e acho que acaba por ser uma opinião generalizada na comunidade. Porque é que temos de pegar num processo que é tramitado da primeira à última página todo em chinês? Porque é que não poderá haver um meio-termo? Caso seja efectivamente um processo que envolve as partes em português, porque é que não poderá o processo tramitar em português, ou, pelo menos, as partes essenciais do processo e a intervenção da pessoa do processo ser em português? É uma questão que fica ainda por saber”, prossegue.

A advogada acrescenta depois: “Isto de dizermos que o Direito de Macau é integrado no princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ tem muito que se lhe diga. Efectivamente o domínio das línguas oficiais, as línguas chinesa e portuguesa, deverá ser equitativo. Obviamente há uma predominância da língua chinesa, que de certa forma se percebe, mas aquilo que estamos a assistir é praticamente o cair da língua portuguesa – e parece-me que isso não deverá de maneira nenhuma acontecer”. Icília Berenguel sublinhou que se tem assistido cada vez mais a jovens interessados na formação em língua portuguesa e na História de Portugal. “E isso faz-nos acreditar que efectivamente a língua portuguesa tem bastante interesse e deve ser mantida, principalmente na área do Direito”.

Investir no bilinguismo e até no plurilinguismo

Para Sérgio de Almeida Correia, uma região com o PIB de Macau – “que gasta milhões em inutilidades, pseudo-estudos académicos e bizarrias” – podia “afectar mais algumas verbas aos tribunais e a uma tradução jurídica de excelência”. “Se aos magistrados portugueses que não dominam o chinês lhes são facultadas traduções em língua portuguesa, designadamente dos articulados em chinês, ou das promoções do Ministério Público em chinês, por que razão essas mesmas traduções não são disponibilizadas aos advogados portugueses que estão nesse processo e não dominam o chinês?”, questiona ainda.

O causídico sublinha, no entanto, que não é só a parte portuguesa que enfrenta obstáculos. “Há muitos, imensos, advogados chineses que também recebem sentenças, despachos e articulados em português, embora não tenham um conhecimento, nem sequer rudimentar, da língua. (…) Os meus colegas chineses têm tanto direito quanto eu de receber uma notificação, despacho, sentença, o que for que lhes queiram enviar, legível e numa língua que dominem”.

Que soluções para esta questão? Sérgio de Almeida Correia e Jorge Neto Valente não têm dúvidas: é preciso investir no bilinguismo. “Há que formar gente capaz na área linguística. Há que investir no bilinguismo, diria mesmo no plurilinguismo, porque essa é a vocação de Macau. Há que dar mais dinheiro aos tribunais e aos serviços públicos para traduções, para formarem pessoal que saiba traduzir em tempo útil com qualidade. Têm de ser obviamente bem pagos”, enumera Almeida Correia.

E acentua que uma melhor justiça, o reforço da competitividade internacional da RAEM, da diversificação, do sucesso da Grande Baía, da arbitragem, das relações com os países de língua portuguesa e a Europa também passa por aí. “Há que saber cumprir a Lei Básica em toda a sua plenitude, incluindo na questão linguística. Aqui não há nada de anti-patriótico. Há gente em Pequim que percebe isto com toda a clareza e facilidade, mas infelizmente em Macau nem todos percebem. Pena que alguns até sejam lusófonos”, critica.

Jorge Neto Valente reforça esta ideia, dizendo que sai muito caro estar sempre a traduzir coisas, “mas em qualquer país do mundo onde há bilinguismo, o bilinguismo sai caro”. “O Governo tem de saber que o bilinguismo custa dinheiro, mas o bilinguismo é indispensável à identidade de Macau. Se não houver bilinguismo, a identidade de Macau perde-se e dilui-se – essa não é a intenção da Lei Básica, nem da legislação vigente em Macau”.

O antigo presidente da Associação dos Advogados defende ainda que não vale a pena o Governo estar constantemente a dizer que quer fazer de Macau um centro internacional, quando depois “só se fala chinês”. E dá depois o exemplo de Hong Kong, onde se fala cantonês, mandarim e inglês, afirmando que é isso que permite a internacionalização e a identidade da região vizinha.

“Quando em Macau só se fala e promove a língua chinesa, não vale a pena andar a estragar dinheiro em ‘Zonas de Cooperação Aprofundada’ e com os Países de Língua Portuguesa, ninguém lá vai se só se fala chinês. Mais depressa as pessoas vão para Hong Kong ou para o Interior da China para um centro de arbitragem internacional. Temos de encarar isso sem preconceitos – não é uma questão de patriotismo, é uma questão de inteligência”, conclui Neto Valente.

Importante é a “solidariedade”

Para Vong Hin Fai, presidente da Associação dos Advogados desde Janeiro, não há problemas relacionados com a utilização da língua. Em declarações à Tribuna de Macau, o causídico frisa apenas a importância da “solidariedade” entre colegas. “Os escritórios têm a participação de vários colegas, existem colegas de etnia chinesa e colegas de etnia portuguesa, e com o trabalho solidário entre colegas, esse ‘problema’ da língua é sempre resolvido, da minha experiência profissional”, afirma o também deputado eleito pela via indirecta à Assembleia Legislativa.

Vong Hin Fai sublinha ainda que “por parte dos órgãos judiciais existe sempre tradução simultânea durante o julgamento”. “A meu ver, sendo assim, essa questão, da língua, não se coloca. O mais importante é a participação solidária dos colegas de um escritório. Existem colegas de língua portuguesa e de língua chinesa. Isso está resolvido”.

Em relação aos escritórios mais pequenos, que podem não ter tanta capacidade para conseguir traduções de forma rápida, o advogado diz que “têm apoio de tradução” e que em Macau “não é difícil contratar tradução, há muitas entidades que a asseguram”.

Questionado sobre se não deveria haver alguma flexibilidade por parte dos Tribunais em relação à tradução de determinados documentos, pedidos pelos advogados, Vong Hin Fai respondeu: “Quanto aos órgãos judiciais, funcionam legalmente, porque em Macau há duas línguas oficiais: chinês e português”. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”


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